DIREITO É PARA QUEM TEM, NÃO PARA QUEM GRITA MAIS ALTO.
CORRIA o ano de 1995 quando nós, estudantes de direito da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, fomos chamados para uma assembleia no auditório central. Na pauta, deliberar sobre a paralização da universidade em apoio à greve de então, acho que era dos petroleiros. Cheguei cedo, sentei-me na frente e me inscrevi para falar no evento. Movimento, claramente, orquestrado, se sucediam os oradores num discurso monolítico de que devíamos paralisar a universidade. Só me deixaram falar depois de muita luta, após pedir retiradas vezes a palavra dizendo que estava inscrito.
Na minha vez de falar argumentei que o movimento teria como único efeito prejudicar os estudantes, sem efeito prático algum diante de um governo recém-eleito, por larga maioria de votos e apoio popular.
A maioria da assembleia acabou por apoiar minha argumentação e, em consequência, naquele ano o curso de direito não entrou em greve o que nos permitiu concluir o curso no ano seguinte. Isso não teria acontecido se eu – ou outra pessoa – não estivesse presente ou não me manifestasse na dita reunião.
Lembrei-me deste episódio diante do atual momento de ocupações de prédios públicos em protestos contra a chamada PEC do teto de gastos e contra a reforma do ensino médio.
Os dois motivos são na verdade pretextos para uma pauta política do grupo que foi alijado do poder no processo de impeachment. A ideia é provocar o máximo de desgaste político ao governo do sucessor e assim, tentarem voltar com uma candidatura competitiva em 2018. Os estudantes são usados nesta pauta, como, aliás, sempre foram.
Argumentam que a PEC do teto vai tirar recursos da saúde e da educação. Ninguém diz quanto será retirado, como será.
Na verdade a proposta fala na manutenção dos investimentos do ano anterior mais a correção da inflação e isso somente a partir de 2018, no caso da educação. No caso da saúde, além de só começar a aplicação da PEC no mesmo ano, os valores destinados à saúde passarão de 13% (treze por cento) para 15% (quinze por cento) do Produto Interno Bruto – PIB, o que representa uma melhora nos valores que são investidos em quase 10 bilhões. Claro que, num país como o nosso, todo recurso é pouco. Mas pior mesmo é o país «quebrar» e não ter como fazer investimento algum.
O país fechará as contas este ano com um déficit de cerca de R$ 170 bilhões e não se está falando em corte de gastos, está se limitando através de um teto aquilo que qualquer um é capaz de entender: o governo não produz riquezas, o dinheiro que gasta com tudo é fruto dos impostos que pagamos. Logo, ou se adequa os gastos ao que se arrecada ou ter-se-á que aumentar a arrecadação, com mais impostos para a sociedade.
Como ninguém apresenta uma alternativa – mesmo porque ela não existe –, noutras palavras, estão se movimentando pelo aumento dos impostos.
A ideia de que a PEC do teto representa a «extermínio do futuro do país» é absolutamente falsa. Os gastos sem controle, sim, representam o fim da expectativa econômica do país, pois logo o descontrole, como já vinha ocorrendo, passará a alimentar a inflação e, por consequência, levar à ruína toda a economia do país.
Embora a juventude iludida não saiba, os mais velhos experimentaram o que é a vida com hiperinflação, escassez de produtos, desemprego e economia em frangalhos.
O que está em curso é o velho embate político que sempre prejudicou o país. Não se trata de uma luta por mais recursos para a educação, saúde ou investimentos sociais. Isso resta claro quando lembramos que, em 2015, a presidente Dilma Rousseff, na tentativa de conter a crise econômica fez cortes expressivos nos orçamentos de diversos ministérios. Só na educação foram R$ 10 bilhões, na saúde, assistência social outros tantos.
Os que hoje protestam enfiaram a língua no saco e nada disseram. E estavam diante de cortes reais no orçamento anual.
Os que falam em outras alternativas ao limite de gastos não implementaram nenhuma nos treze anos em que estiveram à frente da nação.
A PEC fala em controle de gastos no prazo de vinte anos. Mas o que impede de ser revista caso a economia se recupere antes, o pais entre nos eixos? Nada. Embora, devamos ter em mente que governo nenhum deve gastar além dos recursos que arrecada.
A outra motivação para as ocupações/invasões é a chamada proposta de reforma do ensino médio. Ora, a reforma do ensino médio é uma pauta que existe desde sempre. No Congresso Nacional já existe uma proposta que se arrasta há um bom tempo.
Não lembro de tê-los visto fazendo uma ocupação para que a reforma ande rápido. Não lembro de tê-los visto mandando um subsídio, uma proposta.
A proposta de reforma do ensino médio, apesar de encaminhada como Medida Provisória, pode e deve ser melhorada. O que impede os que se dizem «preocupados» proporem suas ideias? Nada. Será que são contra a reforma do ensino médio? Estão todos satisfeitos com a qualidade do ensino ofertado? Se estão são mais irracionais do que se imagina.
Os valentes que ocupam escolas entendem que melhorarão a qualidade do ensino impedindo jovens que querem estudar. Trata-se de uma punição dupla. Os alunos das escolas públicas já estudam em condições desfavoráveis em relação aos estudantes das escolas privadas e, como agravante, passam parte do ano sem poder estudar por conta de uma minoria que entende de ocupar suas escolas. Será que esperam melhorar a qualidade do ensino impedindo os estudantes de estudarem?
Na verdade, nome de um falso democratismo se aceita a imposição da vontade da minoria em detrimento dos anseios da maioria dos estudantes. O pior que é que as entidades que deveriam defender os interesses da maioria se omitem.
Chegamos ao absurdo de suspenderem o ENEM de centenas de alunos que fariam o exame em determinada escola porque DEZ invasores se dizem «donos» da mesma. Pois é, DEZ supostos estudantes prejudicam centenas de jovens que passaram o ano se preparando para o exame que é porta de entrada de diversas universidades.
Para os descolados estes dez invasores têm mais direito à escola que centenas de outros jovens. Será que isso faz algum sentido?
Outro dia chamou-me a atenção uma tentativa de ocupação do Liceu Maranhense. Estudei no Liceu nos anos 80 e fui um dos fundadores do seu grêmio estudantil.
As primeiras notícias sobre o episódio davam conta de repressão policial ao movimento dos estudantes que queriam ocupar a quase bicentenária escola. Depois li a nota do presidente do grêmio estudantil onde diz que aquele grêmio, após consulta aos estudantes da escola, decidiram por se posicionar contra as ocupações, entendendo que tal método de luta não representa uma alternativa sensata e fere o direito daqueles pretendem cumprir o calendário escolar. Depois a direção da escola esclareceu que mais que uma «ocupação» tratou-se de uma invasão do prédio público por elementos estranhos à escola e, por esta razão chamou a polícia.
A situação parece absurda. Temos estudantes de outros estabelecimentos – pelas informações seriam da universidade estadual – tentando arregimentar militância para ocupação de uma escola em que os estudantes, através de sua representação, entendeu ser indevida e que a direção da escola adotou a medida adequada à luz do direito para repeli-la.
Ambos, direção e grêmio agiram corretamente. O primeiro em consultar os alunos e o segundo por fazer aquilo que podia para impedir a invasão da escola. A policia agiu como deveria e como se esperava. Se há uma tentativa de invasão de uma propriedade, ou você faz uso da força para impedi-la ou chama a polícia em seu socorro.
Entendi como fora de ordem foi o comportamento da Secretaria de Educação, da Secretaria de Segurança e do próprio governo do estado que, em suas manifestações, agiram como se estivessem reprovando a ação da policia chamada para conter, de pronto, uma invasão de um prédio público por pessoas estranhas à comunidade escolar. Só faltaram pedir desculpas por agir de forma correta.
Queriam que a direção escola deixassem a invasão ocorrer? Que não chamasse a policia? Que entregassem a escola aos «ocupantes/militantes» e perdessem o ano letivo? Que seus alunos não formassem?
A ideia transmitida – ainda que involuntariamente –, nas várias notas, é que as autoridades do alto escalão apoiam as invasões – a nota da SEDUC fala em pauta nacional – em detrimento da comunidade de estudantes e de professores que querem concluir o ano letivo em paz e sem maiores prejuízos.
Como já explicitado acima, as pautas têm viés político – como todo embate –, onde uma minoria, ao que parece, mostra-se mais merecedora de direitos que o conjunto da sociedade.
Será que alguém, em sã consciência, acha justo que milhões de estudantes sejam privados de estudar porque uma minoria decidiu, como estratégia de luta política, ocupar as escolas? Ou que milhares de estudantes não façam o ENEM porque as escolas estão ocupadas, as vezes por uma centena ou menos de estudantes? Os estudantes filiados as entidades têm mais direito às escolas que aqueles que apenas querem estudar?
Acredito que poucos estudantes lembram a última vez que tiveram um ano letivo regular. Todo ano, por essa ou aquela razão, as aulas são paralisadas e os estudantes são mandados para casa. Não é sem razão que o país «apanha» em todos rankings educacionais.
Acho que já passa da hora de alguém dar um basta nisso.
Abdon Marinho é advogado.