VIOLÊNCIA: O TEMA INCONTORNÁVEL.
Certa vez, há muitos anos (acho que meados dos noventa), perguntei ao jornalista Walter Rodrigues a razão dele não publicar o seu “Colunão”, na segunda-feira, à época encartado nas edição de domingo, no Jornal Pequeno, quando, por algum motivo, o mesmo não circulara (alguma prensa quebrada, atraso na entrega, etc).
Como, muitas vezes, discutíamos determinados assuntos, ficava curioso para ver a abordagem na edição impressa. Aliás, a primeira coisa que fazia todas as manhãs de domingo, antes mesmo do café, era correr, para ler os jornais.
Respondeu-me, o grande jornalista: – Prefiro deixar para a terça – feira, Abdon. Geralmente, as edições das segundas são tomadas por cenas de violência, corpos, não gosto de misturar.
Cheguei a fazer uma pilhéria com ele de que as edições de segunda-feira eram edições de segunda.
Não pretendia me ocupar de falar deste tipo de pauta. Infelizmente, diferente daqueles tempos, a pauta da matança não ocupa mais os jornais só às segundas, pegando o rescaldo dos fins de semana, mas todos os dias. Tornou-se incontornável, não só para a imprensa, mas para toda sociedade.
Em pleno meio da semana, não consigo olhar para a capa de O EMA, lá, amarrado em um poste, um corpo amarrado.
Era a última vítima de um linchamento, na capital do estado. O primeiro com vítima fatal deste ano, neste atual governo.
Nos últimos anos tivemos diversos casos idênticos. Lembro de ter me reportado a mais de um em meus textos. Um dos que narrei, com certeza, foi o do adolescente (acho que tinha 15 anos) trucidado e morto por taxistas em um bairro da periferia da capital, em pleno Domingo de Páscoa.
Além do crime em si, da barbaridade, da idade da vítima, o que me fez escrever sobre o tema foi esse: era Páscoa, tempo de ressurreição, de moderação, reflexão, entretanto, pessoas, até onde se sabiam, “de bem”, trabalhadores, se ocupavam em sujar as mãos – que, talvez mais cedo, tenha carregado a sagrada hóstia à boca – com o sangue de um adolescente.
Como não sou militante da área jornalista e sim, um advogado que escreve uma vez ou outra, não sei os desdobramentos do caso, se o crime foi investigado, se os autores foram identificados, se alguém foi preso, responde a processo ou se, simplesmente, ficou o feito pelo não feito, o dito pelo não dito.
Desconheço também as razões que motivou o EMA a estampar, em sua capa, foto tão chocante, colocando ainda um chamamento a reflexão, em detrimento do outro fato ocorrido não faz muito tempo, tão ou mais grave, quanto o de agora, e decretar de pronto, a falência total do governo que se instalou em janeiro último.
Claro que o fato é gravíssimo, horrendo, inqualificável. Mas já o era quando fizeram o mesmo com o adolescente em plena páscoa, com os outros tantos, antes e depois.
Por que só ficaram indignados, horrorizados, agora?
Talvez aí esteja o cerne da questão.
Os políticos, os governos, deixaram de se preocupar com o enfrentamento da violência para se ocupar de politicagem, a fazer proselitismo, enquanto as pessoas andam assustadas nas ruas, com medo de colocar os pés para fora de casa, com medo de ficarem dentro de casa, de irem para o trabalho e não voltarem.
Enquanto isso os nossos políticos se ocupam de fazer proselitismo, angariar votos com suas posições: reduzir ou não a maioridade penal? Punir ou não os que cometem crimes?
Tudo é debatido sob a égide da busca de votos, de angariar simpatia dos grupos de pressão.
Quando defendo, como cidadão, um endurecimento da legislação penal, o faço na convicção que a impunidade tem sido um dos motores da criminalidade, quando defendo a punição conforme o crime cometido, não importando quem seja o autor (desde que tenha capacidade de discernir), o faço na certeza que o atual modelo é muito mais prejudicial à sociedade, jovens, mulheres, crianças, velhos, não porque quero agradar este ou aquele.
O Brasil não pode mais sacrificar vidas enquanto os políticos discutem olhando para o umbigo.
Os atos de linchamento que vitimaram um adolescente e um adulto, ambos ladrões, tendo o adulto perdido a vida de forma horrível, serviram, mais uma vez, de combustível a uma tola batalha ideológica, com deputado chamando maranhenses de psicopatas (como se linchamentos não estivessem cada vez mais frequentes em cada canto país), com outros fazendo analogia entre um quadro retratando um negro no troco sendo chicoteado (no tempo que precedeu a lei Áurea, em 1888, e que na verdade, embora fatos reais, tenham ocorridos, a imagem retratada é apenas um quadro, bem famoso, por sinal) e o ladrão trucidado no poste.
São coisas absolutamente distintas, não vejo sentido na analogia, nem em tantas outras teses, que se discute diante do fato, inclusive das que querem transformar a sociedade em psicopata e o ladrão em vitima indefesa.
Fico com a clara impressão que os políticos brasileiros habitam um mundo paralelo. Pois se ocupam de discutir a violência em abstrato enquanto a violência que massacra a sociedade brasileira diariamente é algo bem concreto. Ocorre, toda hora. É uma guerra, em que a sociedade, os homens de bem estão em clara desvantagem, perdendo.
Claro que não é desculpável, sob qualquer aspecto, a sociedade tomar para si o papel de estado, sobretudo para prender, julgar, condenar e aplicar a pena que achar devida, inclusive a de morte (inexistente no direito penal, mas bem real no dia a dia), pelo contrário, acho que os responsáveis precisam ser identificados, processados, julgados e punidos.
Por outro lado, a sociedade, entre os quais aqueles que fazem «justiça» com as próprias mãos, assim agem, diante da omissão cada vez presente do Estado.
O Brasil caminha para o caos, para a mais completa desordem, e os governantes não se dão conta disso. O que mais tenho ouvido de pessoas de bem, cidadãos trabalhadores, pagadores de impostos, é que não hora que for possível, deixarão o país, deixarão, seus familiares, suas raízes.
Não é para menos.
Com base na publicação “Mapa da Violência”, editado por um dos organismos da ONU, estimo que Brasil, ocorreram 1.300.000 (um milhão e trezentos mil) homicídios, de 1980 até 2014.
Trata-se de um número astronômico diante de qualquer análise que se faça. Nem nações em guerra se mata tanto quanto no Brasil no seu dia a dia.
A coisa fica mais mais feia, quando percebemos que quase metade destes homicídios (cerca de 600.000) ocorreram nos últimos 12 anos, durante as gestões do Partido dos Trabalhadores — PT, o qual vende, interna e externamente, a ideia dos seus grandes investimentos e feitos na área social, e que, portanto, ao menos no plano teórico, fariam diminuir os índices de violência.
Sem discutir os méritos das políticas sociais, necessárias e urgentes, os números mostram que elas, sozinhas, sem a mão forte do Estado, não têm o condão de debelar a violência, que não adianta, tratar criminosos como vitimas e a sociedade como culpada.
Vou adiante, políticas sociais e repressão estatal, não são, como querem fazer crer os iluminados da intelectualidade brasileira, coisas que se excluem.
Não é porque se faz escolas que os presídios são desnecessários, como dizem a cansar: mais educação, menos cadeias.
Isso é só tolice.
Precisamos de mais saúde, mais educação de qualidade, mais assistência social e também de um sistema penal que funcione, com uma polícia forte e capacitada para identificar culpados, um Ministério Público que cumpra seu papel, um Judiciário que os condene e um sistema prisional que os façam cumprir as penas.
Precisamos de leis penais, mais rígidas, que iniba a prática criminosa, que faça o cidadão tentado pelo lucro fácil do crime, pensar duas ou três vezes antes de cometer o crime.
Ah, aos que defendem a impunidade dos crimes cometidos por menores, se o IPEA estiver certo, os crimes desta natureza, chegam a 10% (dez por cento), se apenas pegarmos os homicídios ocorridos nos últimos doze anos, temos algo em torno de 60.000 (sessenta mil), cerca de 5 mil/ano.
Como as estatísticas não são confiáveis, e há quase uma unanimidade em dizer que nas ações criminosas os chamados “menores» são os mais brutais, acredito que sejam números bem maiores, ainda que seja o diz o IPEA, não são números desprezíveis.
Aos políticos, militantes ideológicos, aos que não têm o compromisso de resolver os problemas que afligem a sociedade, os números nada representem, para os que perdem um ente querido, um filho, um irmão, um primo, um amigo, é bem mais que isso. Talvez essa seja uma das razões da forra arbitrária, desproporcional, sempre que surge uma oportunidade.
Um ato bárbaro pode ser apenas um pedido de socorro de uma sociedade exausta com tanto descaso.
Abdon Marinho é advogado.