É ENSURDECEDOR O SILÊNCIO QUE VEM LÁ DO RANGEDOR.
Por Abdon Marinho.
CERTA vez vi uma notinha, embora séria, escondida em uma coluna de fofoca. Insinuava que um deputado estadual supostamente tendo ingerido bebida, medicamentos ou outras drogas, fora apanhado pela polícia que, ao invés de levá-lo para “descansar” em uma cela, fez foi servir-lhe de motorista e conduzi-lo até sua casa, com direito a segurança privada formada por batedores da corporação.
O narrador do fato, tratou-o com incontido humor.
Tempos depois, também, de forma enviesada tomamos conhecimento que uma outra excelência cultivava o hábito de passar a roupa da esposa com ela dentro.
Zumbidos daqui ou dali, de certo que o parlamentar acabou por terminar o mandato sem ser importunado.
Quem parece não ter gostado muito da história foi a patuleia que o reprovou nas urnas na eleição seguinte.
Não muito distante deste período tomamos conhecimento de um outro fato igualmente perturbador, aquele parlamentar da primeira história deste texto, envolveu-se em idêntica situação em um estado vizinho, que acabou detendo-o, se não me falha a memória, por desacato e/ou ameaças diversas aos agentes da lei que cumpriram com o seu dever.
Mais grave que a monumental confusão na qual envolveu-se a excelência, foram as palavras que teria proferido, segundo diversos veículos de comunicação.
Teria dito (ou confessado) sua excelência: “Vocês são polícia, né? A gente mata gente”. Mais: “Eu sou, eu sou mais que tu. Eu sou deputado, e sou rico. Vou mandar te matar, vagabundo. Vou te pegar, eu te mato. Sou filho do ****. Pergunta quem é ****. Eu vou te matar. Vou mandar te matar”. E ainda: “Tá morto ele. Pergunta quem é ****. Esse cara tá morto”, completou.
Tratei deste assunto no texto “Um bode invisível na Alema”.
Apesar da gravidade da situação e, sobretudo, das declarações “dadas” por sua excelência – ainda que diga que quem as proferiu foi o Mr. Walker, Johnnie Walker –, nada lhe aconteceu. Uma confissão pública de que seria dependente químico foi o suficiente para arrefecer, se porventura ocorreu, qualquer sentimento de resposta à sociedade por parte dos seus colegas de parlamento.
É fato que a dependência química é uma doença que merece, e precisa, ser tratada. Entretanto, se o parlamentar, legítimo representante do povo queria mesmo a expiação de sua culpa deveria buscar o tratamento clínico adequado.
Noutra quadra, o que disse, sobre a “tradição” de matar gente, dele e da família, não poderia ter passado em brancas nuvens. Passou.
Ao invés de reprimenda ou, pelo menos investigação, o que vimos foi o parlamentar “tirar onda” com a bandeira da prevenção à dependência química e estampar outdoor’s e busdoor’s por toda a cidade com sua foto e suposta iniciativa. Tudo, obviamente, pagos com recursos dos nossos impostos.
Tratamento às mazelas da doença que deveria combater, não se sabe se buscou, tanto que, mais uma vez, se ouve buchicho de que envolveu-se em um grave episódio de violência doméstica, tendo sido, inclusive, proibido de aproximar-se da(s) vítima(s). A famosa medida protetiva prevista na Lei Maria da Penha.
Como disse, são “buchichos”, uma vez que a imprensa local, apesar do assunto envolver o interesse público, trata o assunto como algo extremamente privado.
Não me recordando, sequer de ter lido ou visto em algum canal de rádio, televisão ou mesmo nos grandes jornais nada sobre assunto.
Em sendo verdade, alcança-nos a exdrúxula situação de termos um parlamentar que não pode “chegar perto” da esposa ou dos filhos, mas que pode fazer leis de interesse de toda a sociedade, fiscalizar os atos do Poder Executivo e gozar de todas as benesses que lhe confere o confere o mandato parlamentar.
Pois bem, faço esse breve retrospecto – inclusive deixando de citar as outras informações que nos chagam sobre nepotismo, favorecimento, rachadinhas, vendas de emendas parlamentares, agiotagem, etcetera, porque tais “notícias” são “velhas” e, parece-me, nunca despertaram o interesse da imprensa ou mesmo dos eleitores, tanto que sempre ou quase sempre, elegem os mesmos de sempre –, porque li em algum lugar que determinado deputado estadual que disputou a eleição na capital tenta uma vaga no Poder Executivo, supostamente, por temer, um processo de cassação na Casa de Manoel Bequimão.
Em sendo verdade, sua excelência, deve ter se dado conta, finalmente, da gravidade da sua conduta, ao, supostamente, estando contaminado pela covid-19, em plena ascensão da pandemia do novo coronavírus, ter permanecido em campanha por diversos dias, colocando em risco, dezenas ou centenas, quiçá, milhares de vidas humanas, além, claro, de ter desrespeitado decretos estaduais que tratam dos procedimentos a serem adotados por conta da pandemia.
Parafraseando um antigo filme, é provável que sua excelência saiba o que fez no verão passado.
Passados quase trinta dias desde que fato foi denunciado, não me recordo de nenhum posicionamento oficial da Assembleia Legislativa sobre o comportamento do deputado. Nem mesmo para confirmar ou negar o fato divulgado.
Como se o povo, esse conjunto de cidadãos que votam e pagam impostos, não tivesse o direto de saber, de fato, o que ocorreu.
Aliás, como previne o título do texto, a Casa de Bequimão guarda um silêncio ensurdecedor.
O que não chega a ser uma novidade diante de tantos fatos que mal fogem da penumbra.
O paradoxo da notícia é a narrativa de que o parlamentar deixaria o cargo por temer a retaliação dos colegas. Logo eles que sempre foram tão “compreensivos” com tantos malfeitos.
Será que finalmente chegaram à conclusão que passou-se do ponto?
Em sendo verdade, tem-se que o parlamentar não vai servir ao Poder Executivo para contribuir com alguma coisa, mas para “homiziar-se” e fugir de uma rara – e devida –, punição.
Ainda no campo das suposições – como tudo neste texto, já que as informações são sonegadas, sussurradas –, em sendo comprovado, após regular procedimento, que o parlamentar cometeu o delito que lhe é imputado, o melhor lugar para fugir de suas responsabilidades e sair ileso é a sinecura perante o Poder Executivo? A ausência atrevida permitiria que suas excelências “esquecessem” o delito praticado?
E, noutra quadra, como o Poder Executivo iria (ou irá) fazer para justificar a guarida ao infrator? Não foi ele que impôs todo tipo de restrições para impedir que a pandemia se espalhasse no Maranhão? Quantos micro e pequenas empresas quebraram por conta das restrições? Quantos perderam seus empregos?
Aí, não mais que de repente, um “protegido” é acusado de atentar contra a saúde da população em plena pandemia e o mesmo governo que impôs aos cidadãos todas as restrições já listadas, para que o mesmo não seja punido por seus próprios pares, o que faz é premiá-lo com um cargo de secretário de estado ou algo equivalente?
E têm coragem de nos olhar na cara depois de ter, inclusive, colocado a polícia nas ruas para impedir que saíssemos de casa sem um motivo justificado?
Vejam onde amarramos a nossa égua, não bastasse o silêncio crônico das excelências em relação a tudo, quando há uma pálida notícia de que alguma coisa finalmente será feita, e por algo efetivamente grave e indecoroso – muito embora todos os outros fatos narrados sejam de gravidade ímpar –, partem para uma “operação” de salvamento do mandato e premiação do infrator.
Embora nada mais me surpreenda, causa-me estupor que autoridades sejam capazes de tais atitudes.
É como se nada de grave tivesse ocorrido, como se tudo fosse normal, como se o respeito ao cidadão fosse algo secundário.
Quem parece ter sido “contaminado” pelo silêncio também é o nosso valoroso Ministério Público. Sobre todos os fatos que rapidamente narrei neste texto e sobre os quais deveria dizer ou adotar alguma providência, ainda que para tranquilizar a patuleia insana, se disse ou se fez algo é segredo tão bem guardado quanto cabelo de freira.
É assim. Que siga o cortejo fúnebre da ética e da decência, com silêncio cortado pelo rangido das rodas das carroças.
Abdon Marinho é advogado.