A insurreição e o suicídio de Bolsonaro.
Por Abdon Marinho.
CHAMADO a manifestar-se sobre os fatos que ocorriam nos Estados Unidos há uma semana, além de achar justificativa para defender seu ídolo, Donald Trump – acredito que dos países que merecem referência, o único a fazê-lo –, dizendo haver supostas notícias fraudes nas eleições presidenciais americanas, fato circunscrito ao próprio derrotado e a um pequeno círculo de seguidores devotos de teorias conspiratórias, já rechaçado por todas autoridades americanas, incluindo as judiciárias, que atestaram a legitimidade do processo, o presidente do Brasil, senhor Bolsonaro, fez uma declaração para o público interno de singular gravidade.
Sua excelência disse naquele seu estilo truncado próprio de quem não tem muita familiaridade com a língua pátria que por aqui, em 2022, acontecerá coisas bem piores, caso não seja aprovado e colocado em prática o voto impresso.
A cada colocação fora de hora e de tom do presidente, aparecem ministros, assessores e até o vice-presidente para “traduzir” o que ele disse e/ou colocar “panos quentes” ou apontar “erros” de interpretação, geralmente atribuídas a imprensa.
Como para essa declaração ainda não surgiram os tradutores, devemos imaginar que o presidente, inspirado por seu ídolo americano, pretende fazer o mesmo no Brasil em 2022, caso o resultado das eleições não lhe seja favorável: insuflar uma insurreição ou golpe.
Devemos imaginar isso não apenas por suas palavras, mas, sobretudo, porque desde o início do seu mandato, e por quase dois anos, ele e seus aliados foram os principais incentivadores de manifestações pedindo o fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do retorno de uma ditadura com o presidente no comando, uma espécie de auto golpe.
Além disso, o presidente e seus aliados são os principais incentivadores a uma política de armar a população civil – acreditando que entre seus seguidores mais radicais estarão os maiores beneficiários de tais políticas –, e, sabemos agora, é um grande defensor da federalização das polícias estaduais, outro seguimento onde suas ideias são mais apoiadas.
Vejam, pelo menos em tese, não sou contra mais um mecanismo que fortaleça a segurança do voto eletrônico; não sou contra ao direito do cidadão possuir armas para a defesa pessoal; e não me recuso a discutir projetos de lei que garantam autonomia para as polícias.
Noutra, quadra, entretanto, quando soma os eventos precedentes, os discursos e manifestações com estas políticas e projetos, basta saber somar para entender que o atual presidente trabalha com a perspectiva de construir as condições para um golpe na democracia, amparado por militares das forças armadas, das polícias militares estaduais e por milícias civis, utilizando como desculpa a mesma narrativa de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento.
Tal qual fez o seu ídolo americano.
Se nos Estados Unidos as instituições republicanas seculares seguraram o “tranco”, aqui não tenho certeza se ocorrerá o mesmo, sobretudo, por que estamos assistindo com incomum passividade das autoridades e da classe política essa “preparação” de golpe.
Desde que foi eleito presidente o senhor Bolsonaro diz que o sistema de votação eletrônico brasileiro é propício a fraudes, embora tenha sido eleito deputado federal diversas vezes sem nunca reclamar e nunca tenha apontado qualquer elemento capaz de comprovar ou apontar qualquer indício de que houve alguma fraude desde a implantação da votação eletrônica há mais de 20 anos.
O presidente da República é o chefe da Polícia Federal, da Agência Brasileira de Inteligência - Abin, por que não determina que apurem as suas suspeitas de que as eleições no Brasil estão sendo fraudadas esses anos todos? Por que não aproveita que está no comando e pede para tirarem essa sua suspeita a limpo?
Talvez porque não lhe interesse fazer isso.
Acompanho eleições no Brasil há mais trinta anos, antes e depois do sistema eletrônico de votação.
Antes do sistema eletrônico a história registra infinitas fraudes. Depois do sistema eletrônico não tivemos mais notícias de fraudes.
É certo que a cada eleição sempre aparece um ou outro dizendo que seus votos sumiram.
Esta última eleição, inclusive, está cheia de história deste tipo, sobretudo, devido a pulverização de múltiplas candidaturas devido à proibição de coligações partidárias nas eleições proporcionais.
De todas as informações de fraudes que recebi, não apareceu um único episódio de divergência entre o boletim de urna e o resultado da totalização.
O sistema eleitoral brasileiro é auditável e transparente. Cada seção eleitoral tem um número X de eleitores; no início da votação é emitido um extrato da urna comprovando ela se encontra “zerada”, sem qualquer voto; ao final é emitido o boletim da urna, informando quantos eleitores votaram, quais candidatos obtiveram votos, quais partidos, quantos anularam os votos e quantos votaram em branco.
Antes, durante e depois do pleito os partidos e/ou candidatos podem fiscalizar o processo, aliás, podem fiscalizar desde a qualificação dos eleitores.
Em mais de vinte anos, nunca ninguém me apresentou um elemento comprobatório de que houve alguma fraude.
Mas o senhor Bolsonaro, sem qualquer prova, diz que há fraude que promoverá uma insurreição caso as urnas de 2022 não lhe sejam favoráveis.
Pois bem, as palavras do presidente – e mais muitas de suas atitudes –, estão no limiar, se é que não ultrapassaram, do que sejam crimes de responsabilidade, previstos no artigo 85 da Constituição Federal, pois, ao menos em tese, atentam contra a existência da União e Segurança interna do país, incisos I e IV, pois resta claro que pretende a sublevação de militares e civis, caso o resultado das eleições presidenciais não seja o que deseja.
Se alguém acha questionável o enquadramento nos crimes de responsabilidade estatuídos na Carta republicana, dúvidas não restarão de que o comportamento, palavras e atitudes da autoridade máxima do país violam diversos artigos da Lei de Crimes contra a Segurança Nacional, Lei nº 7.170/1983.
Basta examinar as palavras, as atitudes, as ações para fazer o enquadramento.
Infelizmente, o presidente se blindou contra isso ao nomear um Procurador-Geral da República que lhe é fã e que, além de não procurar coisa alguma, teima em não enxergar o que lhe está à vistas.
Estranhamente ninguém parece enxergar o comportamento insurreto do presidente contra a democracia brasileira, construída a duras penas, ou não se abala com o desserviço que presta à nação em plena pandemia, que já ceifou a vida de mais de 200 mil brasileiros.
Isso não parece escandalizar ninguém ou são cínicos demais para perceber.
O que escandalizou diversos seguimentos da sociedade brasileira foi a sugestão de um jornalista e reproduzida por outro, de que o presidente Bolsonaro poderia imitar o ídolo Donald Trump caso aquele resolvesse cometer o ato extremo de tirar a própria vida.
Vi diversos protestos e reclamações de que jamais se poderia dar esse tipo de sugestão para o presidente da República.
Até parece que alguém dizer ou sugerir tal coisa iria fazê-lo acatar a sugestão.
O ministro da Justiça, por desconhecer conceitos mínimos de direito ou no afã de adular o chefe, informou que determinara a Polícia Federal que investigasse o possível cometimento de crime previsto do artigo 122 do Código Penal Brasileiro (Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça;).
Embora ache de mau gosto e até contrário ao sentimento de piedade cristã esse tipo de colocação considerando as milhares de vítimas que anualmente cedem à fraqueza e cometem o gesto extremo, o assunto não deveria ser tratado fora de tais limites.
Qualquer calouro de faculdade de direito, ainda a mais vagabunda, sabe que os jornalistas – o que escreveu e o que reproduziu o texto –, não podem ser enquadrado neste tipo penal.
Dizer que fulano ou sicrano poderia poderia seguir o exemplo de alguém caso essa pessoa resolvesse cometer o gesto extremo não tem nada a ver com tipo penal inserto não Código Penal Brasileiro.
Essa “babaquice”, esse afã adulador do ministro só serve para comprovar o quanto lhe falta de conteúdo e conhecimento para o exercício do cargo ou acredita que a Polícia Federal não tem nada mais importante para fazer.
Quer dizer que se alguém mandar uma peça de corda para o palácio como presente ao presidente poderia ser enquadrado no mesmo artigo por prestar auxílio material?
O mesmo se aplica aos demais aduladores que se revoltaram contra os jornalistas.
Parem de idiotice!
Parem com essa patética adulação?
O presidente da República jamais cometeria o gesto extremo – mesmo que fosse para seguir o Trump.
Em que pese não sentir ou demonstrar qualquer empatia pela vida humana – e já cansamos de assistir a falta de solidariedade às famílias das milhares de vítimas da tragédia da pandemia, mais de 200 mil –, ele demonstra muito gostar da “sua” própria vida.
Abdon Marinho é advogado.