O PETISMO É O PASTO QUE ALIMENTA O BOLSONARISMO.
Por Abdon Marinho.
BUSQUEI outros temas para o nosso texto hoje – de preferência que passasse longe da nossa tóxica pauta política –, entretanto, a semana política no Brasil acabou por se impor sobre todas as outras.
Exceto para os tansos, o Brasil viveu/vive uma semana histórica para o seu futuro político e que pode ser determinante para as futuras engenharias políticas e as eleições de 2022.
A semana histórica teve início no domingo, 17, com a aprovação pela Anvisa, das vacinas do consórcio Butantan/Sinovac e do consórcio Oxford/AstraZeneca/Fiocruz, e termina com dezenas de manifestações, sobretudo, carreatas contra o governo em diversas capitais do país.
No episódio da vacina tudo que o governo federal se propôs a fazer contra si saiu, melhor do que a encomenda.
Negacionista desde o início da pandemia, não acreditou que ela fosse ceifar tantas vidas; com os mortos se acumulando minimizou ou “consolou” os familiares e vítimas: — todos vão morrer um dia; enquanto o mundo inteiro apostava e investia no desenvolvimento de vacinas e se preparava para quando ela estivesse pronta, o governo brasileiro apostou em apenas uma: a da parceria Oxford/AstraZeneca/Fiocruz.
Foi além e fez pior. Como se uma vacina fosse a causa e não a solução, “danou-se” a falar mal da vacina do consórcio Butantan/Sinovac, de “quebra”, o próprio presidente, seus familiares e seu governo, passou a fustigar a China, que, diga-se de passagem, é o principal parceiro comercial do Brasil e de onde vem a grande maioria dos insumos para se produzir vacinas e... quase tudo.
Como a vacina do consórcio Butantan/Sinovac estava sendo “bancada” pelo governo de São Paulo, dirigido por seu principal adversário político, além de torcer pelo seu insucesso, vibrar diante de qualquer intercorrência, além de falar mal, de manhã, de tarde e de noite, lá atrás, atendendo – ou respondendo –, a um “conselheiro” de uma de suas redes sociais, de apenas 17 anos, proibiu e desautorizou o seu ministro da saúde – que um dia antes anunciara, em reunião com todos os governadores do país, a intenção de adquirir a dita vacina –, de efetuar o negócio.
O Brasil tem dessas coisas que só vivenciando para se acreditar, essa foi uma delas: um general de exército de quatro estrelas foi desautorizado pela intervenção de um fedelho de 17 anos.
O presidente disse textualmente que o presidente era ele e que não iriam comprar a p* da vacina chinesa do governador das calças apertadas. Ele que procurasse outro.
O general, na defesa de sua honra, diante do esculacho, saiu-se com essa: “é simples, um manda, outro obedece”.
Enquanto o tempo passava o governo de São Paulo ia recebendo as doses da vacina do seu consórcio e produzindo outras tantas, ficando só na dependência da autorização da Anvisa para iniciar a vacinação.
Com a faca e o queijo na mão, digo a vacina, o governador de São Paulo marcou uma data para iniciar a vacinação de seus cidadãos: 25 de janeiro, elevando a pressão sobre o governo federal, que não tinha/tem plano, nem vacina.
Somente quando encurralado pela realidade: mais de cinquenta países já tendo iniciado a imunização de seus cidadãos e o Brasil sem nem previsão, foi que o governo correu para tentar desdizer tudo que havia dito e feito.
A “vachina” chinesa do Dória, com 50% por cento de eficácia e que poderia fazer as pessoas que a tomassem virar “jacaré” passaria a ser a vacina do Brasil e Ministério da Saúde queria todo o estoque imediatamente.
Registre-se que o governo federal ainda tentou uma “Operação Tabajara” para buscar dois milhões de doses de vacinas do consórcio Oxford/AstraZeneca, que vamos combinar é uma “amostra grátis”, comparado a nossa necessidade, para iniciar a vacinação dos cidadãos por ela, com presidente levando os louros.
Não deu certo. Só essa semana os dois milhões de doses chegaram da Índia. Pior, a Fiocruz anunciou que teremos produção de vacinas desta parceria no Brasil, lá por março.
O certo é que no dia 17/01, pouco depois da Anvisa liberar o uso das duas vacinas, o governador de São Paulo, tirava sua “casquinha política” ao iniciar a vacinação dos cidadãos do seu estado contra a COVID.
Se o presidente não estava lendo gibi ou trocando impressões sobre a macroeconomia global com seus coleguinhas de 17 anos das suas redes sociais, assistiu a tudo pela televisão. Assistiu, inclusive, seu ministro da saúde mentir em rede nacional ao dizer que as vacinas foram custeadas com recursos do SUS para ser desmentido na mesma hora pelo governador de São Paulo que, também, concedia uma entrevista coletiva.
Na mesma semana o governo federal teve que assistir, para suprema vergonha, a ditadura venezuelana, que está matando seus cidadãos de fome, enviar caminhões com suprimentos de oxigênio para socorrer a população do Amazonas que estava – e ainda está –, perdendo vidas por falta de oxigênio.
Pois é, uma ditadura vergonhosa e miserável teve que socorrer nossos cidadãos porque o governo brasileiro que dias antes fora avisado do problema “não ligou” ou não se mostrou capaz de resolver. Partiu foi para a terceirização da responsabilidade. Ah, o culpado é o governador; ah, o culpado é o prefeito; ah, o culpado é o diretor do hospital; ah, o culpado é a vítima – afinal, quem mandou precisar de oxigênio.
Na verdade só quem não tem culpa é vítima. Todos demais têm culpa e responsabilidades, inclusive, o governo federal.
O nosso sistema de saúde, uma das melhores coisas implantadas pela Carta de 1988 e disciplinado pela Lei 8080, é único e hierarquizado, com cada esfera de poder assumindo suas responsabilidades.
Ainda que o Ministério da Saúde, que na esfera federal é quem comandava sistema todo, não tivesse “nada” com o problema de escassez de oxigênio, ele tinha a obrigação de adotar as medidas cabíveis para que isso não ocorresse.
E ele, o Ministério, foi avisado com antecedência do problema.
E por diversas fontes.
A responsabilidade parece tão patente que até o procurador-geral da República, que tem uma preguiça mórbida para “procurar” algo que envolva o governo federal, pediu ao Supremo que abrisse um inquérito para investigar e apurar as circunstâncias do morticínio ocorrido em Manaus, Amazonas.
O governo do senhor Bolsonaro vive um mau momento, tanto que ele já correu para desdizer diversas coisas que disse ao longo dos últimos anos e parte para fazer mais concessões ao grupo que lhe dá sustentação no Congresso Nacional, o famoso “centrão” – pois já são insistentes os pedidos de impeachment, o que implicaria, com ou sem êxito, no fim do governo –, enquanto acena para as Forças Armadas, tentando seduzi-las para um golpe.
No dia seguinte ao início da vacinação, enquanto todo mundo estava falando disso, do nada, saiu com a declaração torta de que só existe democracia porque as Forças Armadas querem, mais para frente, almoço no clube militar.
Toda vez que o governo é confrontado com a realidade, o presidente corre para trás de uma farda. E olha que ele não se cansa de humilhar os militares, que o diga o general Pazzuelo.
Como dito anteriormente o governo do senhor Bolsonaro se encontra em um péssimo momento. As últimas pesquisas já revelam isso.
A rejeição ao governo já é bem superior a aprovação e existe uma tendência de piora com o fim do auxílio emergencial e o aumento da pobreza decorrente disso.
Com isso, o projeto de reeleição “subiu no telhado”.
Embora propague – de forma calculada –, que foi eleito no primeiro turno, o senhor Bolsonaro é sabedor que a sua eleição, mas do que qualquer outra coisa, foi um rechaço ao petismo.
Muitos eleitores não foram votar em Bolsonaro, foram votar contra o PT, que desde 2005 sabe dos seus desacertos e até hoje não fez uma autocrítica ou pediu desculpas ao povo brasileiro.
Na próxima eleição, Bolsonaro será o PT. As pessoas irão às urnas, sem olhar para o outro lado, porque querem derrotá-lo.
O presidente Bolsonaro e os poucos no seu entorno que pensam, sabem disso. Ele próprio sabe disso, tanto assim que essa semana histórica, enquanto via sua aceitação ruir, numa de suas falas, disse esperar que o seu sucessor não seja uma volta ao passado.
Aliás, toda vez que alguém critica o governo ou o próprio Bolsonaro diante de um bolsonarista, não se ouve uma defesa do governo ou do presidente. O que se ouve em ambas as defesas é: — e o PT? E o Lula? Ou, o supremo sarcasmo: — bom mesmo era com o PT.
Na verdade, tudo que ele e os bolsonaristas querem é uma nova disputa com um candidato petista, para tentarem galvanizar todo o sentimento anticorrupção que pavimentou sua vitória em 2018 – muito embora seja ele, hoje, o “fiador” de todos os corruptos que se fartaram nos governos petistas.
Sabem muito bem que a viabilização de alguém competitivo fora do espectro petista – e seus satélites –, pelas razões já ditas, não será tão fácil de ser derrotado.
Noutra palavras, como assentei no título, o petismo é o pasto que alimenta o bolsonarismo.
Abdon Marinho é advogado.