AbdonMarinho - Cotidiano
Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quinta-feira, 21 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


Ode ao Ladrão.

Por Abdon C. Marinho*.

O ladrão que trato na presente crônica não é aquele a quem os reis (ou o povo)  entregam as administrações das províncias ou mesmo aqueles que se ocupam de espreitar os banhistas para roubar-lhes as vestes, ou que famintos, roubam o pacote de biscoito ou um quilo de carne, conforme nos faz lembrar Vieira** no sermão do “Bom ladrão”.

O ladrão a que me refiro é aquele em quem você confiou, ou trouxe para perto de si, ou que é seu conhecido, ou aquele lhe rouba o celular, o salário do mês e ainda o chama de vagabundo, quando é ele o vagabundo.

O ladrão que trato é também aquele a quem estendestes a mão em uma dificuldade e até o teve por irmão. 

O ladrão a que me refiro nessa crônica de ficção é aquele que tu julgastes merecedor de confiança e lhe deu crédito que ele jamais teve. 

O ladrão que trato não é um ladrão determinado, mas muitos e indeterminados podem vestir a carapuça que lhe será confortável. 

O ladrão é um ser desprezível, asqueroso, imundo, repugnante, nojento, petulante, debochado,  sujo, abjeto, infame, torpe, sórdido, fétido …

O ladrão não tem qualquer preocupação com os danos que causa as pessoas ao seu redor – ou de qualquer lugar do mundo –, conhecidas ou não. 

O ladrão  não liga se está causando sofrimento as crianças, mulheres, enfermos, as famílias.

O ladrão sequer se preocupa se os seus atos prejudicam a sua própria família – se a tiver.

O ladrão não está “nem aí” se dos seus atos decorre a destruição dos sonhos das pessoas, pois ele próprio não possui sonho algum. 

O ladrão se aproxima de ti na “maciota”, fingindo ser bom moço, ter sentimentos nobres, familiares, tudo para despertar uma certa empatia – isso até conseguir o que quer.

O ladrão, em verdade, não tem empatia por nada além dos próprios interesses subalternos, mesquinhos …

O ladrão não ama a natureza, as pessoas (só as quer para usar), os animais, ou qualquer ser vivente.

O ladrão é narcisista, ele se acha o máximo quando na verdade não é nada, quando se faz a apuração da sua vida vê-se que nunca fez a diferença na vida de ninguém, entrou e saiu da vida sem deixar nada de útil para a posteridade.

O ladrão cultiva o ódio às minorias, às diferenças, ao ser humano … pois ele próprio não sabe o que seja humanidade. 

O ladrão é vaidoso chegando a orgulhar-se da própria indigência do seu caráter (ou seria da ausência?).

O ladrão é também um invejoso. A míngua de conquistar as coisas por seus próprios méritos, tenta – e as vezes consegue –, roubar aquilo que é seu objeto de desejo. 

O ladrão quer a sua vida. Ele inveja seu sucesso, seu talento, suas amizades, suas conquistas.

O ladrão tem como uma das principais e primeiras missões tentar conquistar teus amigos, até chegar ao ponto de propor a eles  que lhe deem uma “rasteira”. 

O ladrão se não consegue o seu intento anterior passa a ter esses amigos como também seus inimigos e passa a trabalhar para roubá-los. 

O ladrão é um infeliz que não se preocupa com os próprios riscos que corre no malogro de suas tentativas.

O ladrão é um Midas reverso, tudo que ele toca, mesmo ouro, consegue transformar em m… . 

O ladrão não tem talento para escrever, por isso se ocupa em criticar os escritos alheios, à procura de um erro de grafia ou de uma vírgula ou ponto fora de lugar. 

O ladrão não tem talento para ler nada além dos manuais de trapaças ou as biografias dos trapaceiros.

O ladrão não tem talento para os negócios pois não consegue, sequer, ser um “bandido honesto”, estando sempre ocupado em “passar a perna” em quem lhe confiou qualquer coisa. 

O ladrão não conhece a arte, a literatura, a música, nada que o faça cultivar bons sentimentos.

O ladrão não tem amigos, nenhuma amizade duradoura, no seu entorno só prosperam os sabujos, aduladores e parasitas …

O ladrão não tem amizades porque é incapaz de cultivar bons sentimentos estando sempre a espreita para aplicar um novo golpe em quem cometeu a ingenuidade de lhe confiar.

O ladrão é tão vigarista que quando não consegue ninguém para roubar tenta roubar de si próprio.

O ladrão é incapaz de agir com qualquer escrúpulo, guia-se pelos manuais de trapaça e de contratos fajuto, pouco ligando para o brio e o peso da palavra dada.

O ladrão não sabe o que é pejo, não sabe o significado de caráter ou de decência ou da antiga e pouco usual vergonha na cara. 

O ladrão só se preocupa em se “dar bem”, seja roubando um milhão ou mesmo um tostão.

O ladrão é também um covarde, ao roubar tudo de todos, no fim está em busca de alguém que dê cabo a sua vida de crimes. 

O ladrão é incapaz de assumir suas próprias responsabilidades por isso tenta roubar a vida de alguém junto com a sua. 

O ladrão que é incapaz de ir a guerra ou de qualquer outro gesto de grandeza busca “matar”, tirar as vidas alheias com suas torpezas. 

O ladrão de tão infame jamais conseguirá lamber os pés daqueles a quem rouba. 

O ladrão imagina que o hábito de roubar lhe confere outro status além do que miseravelmente já é: ladrão. 

*Abdon C. Marinho é advogado, escritor e cronista. 

** Padre Antônio Vieira (Lisboa, Portugal, 1608 - 1697, Salvador, Brasil).

Post Scriptum (P.S.) - identifique o ladrão que conhece e atrasa sua vida  e o coloque no espaço da fotografia. 

Outros que se identificarem podem colocar a própria imagem ou onde tem ladrão colocar o nome.