A BATALHA DA INSENSATEZ E O VOCÁBULO ESSENCIAL.
MUITAS vezes, quando perguntava ao extinto jornalista Walter Rodrigues sobre a razão de não ter escrito sobre “esse ou aquele tema” (a polêmica da hora), ele costumava responder: “— Ah, Abdon, não devemos escrever sobre tudo”.
Pensava sobre estas palavras diante do assunto incontornável dos últimos dias: o conflito envolvendo a classe dos magistrados e a classe dos advogados – esta última a qual integro com muito orgulho.
Refletia sobre escrever sem ter estado no local dos fatos e testemunhado a origem da celeuma e só possuir informações baseadas nas versões dos envolvidos ou nos interessados em “vender” sua própria verdade.
Como minha intenção é escrever sobre ideias e não sobre pessoas, tenho que o texto não será prejudicado.
A primeira impressão, a partir da “guerra” sem tréguas e quartéis, travada, sobretudo, nas mídias sociais, com ofensas e acusações mútuas, é que o conflito não se dar por conta do episódio “isolado” ocorrido em uma audiência qualquer, quer me parecer que este (episódio) apenas foi a gota d’água que transbordou o copo de anos de mágoas, ressentimentos e incompreensões.
Então, ao meu sentir, dever-se-ia investigar mais a fundo as razões de tudo isso.
Como chegamos a este ponto? A quem, afinal, interessa que se instale esse clima de “guerra”, animosidade e desrespeito, não apenas entre pessoas, mas entre categorias que possuem imensas responsabilidades sociais?
A despeito de sempre ter tido uma boa relação com magistrados, nos mais de vinte anos em que exerço a advocacia, é certo que existem entre estes alguns que julgam “donos” da Justiça, que tratam os advogados como se estes fossem subalternos; os indolentes; os que fogem de suas responsabilidades para as quais são regiamente pagos (bem acima, aliás do que ganha a média dos cidadãos).
Mas, estou certo, estes são uma minoria, que não consegue empanar o brilho de tantos que tem na difícil missão de julgar um sacerdócio e que a exerce com retidão e dignidade.
Às vezes, para o estranhamento do meu interlocutor, digo que em tantos anos de profissão nunca conheci um magistrado corrupto. Ante a perplexidade dele explico que não digo que eles não existam – é até possível que existam, quase certo que sim –, acontece que nunca nenhum me fez alguma proposta indecente e, também, de minha parte nunca a recebeu, daí nunca ter conhecido nenhum.
Pois é, o fato de não conhecer não quer dizer que, porventura, não existam. Até porque, vez ou outra tomamos conhecimento que algum foi “punido” com a aposentadoria com proventos totais, numa das maiores excrescências do ordenamento jurídico pátrio.
Assim, como, do mesmo modo, existem entre os promotores aqueles que pouco ou nada fazem para corresponder ao dispêndio que o Estado faz com com seus salários. Mas, também estou certo, estes não representam a maioria dos nossos valentes representantes do Ministério Público, muitas das vezes enfrentando quixotescamente seu múnus. E aqui, coloco o adjetivo como sendo “que é nobre, honesto, mas que tem ideais dissociados da realidade, geralmente fadados ao insucesso”.
E, de igual modo, é a classe dos advogados: também temos os corretos, altruístas, leais, os que respeitam aos demais operadores da lei e, principalmente, os cidadãos que lhes confiam a vida e o seu patrimônio, mas temos, também, infelizmente, os desonestos, lenientes, os enganam (ou tentam) juízes e promotores; os que são infiéis aos mandatos que lhes são confiados; os que enganam, inclusive, aqueles que lhe confiaram à vida e/ou seu patrimônio.
Não faz muito tempo “ganhei” um elogio indireto. Um amigo a quem apresentara um antigo cliente sugeriu-lhe que me contratasse para atuar em suas demandas. Foi então que esse ex-quase-cliente saiu-se com essa: — gosto muito do Dr. Abdon, mas não podemos contratá-lo. Ele é muito “certinho”.
Ganhei o elogio mas perdi o cliente. Faz parte.
Mas, estes – os que não são “certinhos” e que, muitas vezes não agem como mandam as boas regras –, também, são minorias dentre os milhares de advogados que trabalham dia e noite, devotando o melhor de si, na defesa da Justiça, da sociedade e dos seus clientes.
Como já disse, repito, são minorias. Não é compreensível que as maiorias de todas estas categorias se deixem manipular por estas minorias, que não representam o sentimento das classes envolvidas nestes conflitos.
Dentre as causas para tantos desgastes, acredito, esteja a inobservância do que manda a Constituição Federal. Está lá, explicitado, o papel de cada um, os limites de cada um destes agentes.
Na Carta Constitucional consta as garantias dos senhores juízes e os limites de sua atuação, explicitando, ainda, as competências e atribuições de cada um dos órgãos que compõem o Poder Judiciário nacional.
O legislador constituinte só não achou oportuno incluir um manual de boas maneiras, mas de resto, tudo estar bem posto.
Além de esmiuçar as atribuições do Poder Judiciário, o legislador constituinte estabeleceu, em capítulo próprio, no caso, o Capítulo IV, as Funções Essenciais à Justiça.
É bom que se compreenda bem o vocábulo “essencial”, pois muitas das vezes o mesmo é compreendido como sendo “auxiliar” à Justiça.
O legislador, entretanto, optou, com razão, pelo vocábulo “essencial” que significa: “que constitui a parte necessária de algo; indispensável. Que existe como parte inerente de algo ou de alguém. Que é a parte mais importante em alguma coisa; fundamental”.
Os mal-entendidos, como o próprio nome diz, decorre do erro de interpretação do vocábulo “essencial”.
Quando o legislador diz no “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Ou quando diz no “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Está dizendo que a Justiça não pode “existir” sem eles. Ambos, Ministério Público e Advogacia – além de outros, como a defensoria pública, advocacia pública –, constam do Capítulo IV, das Funções Essenciais à Justiça.
E, portanto, a Justiça não pode funcionar sem estes.
Ressalte-se, ainda, que em relação a Advocacia existe um “plus”, além da “essencialidade” de que trata o Capítulo IV, resta assentado no artigo 133 que o advogado e “indispensável”. Assim como o vocábulo “essencial”, este não deixa duvidas sobre sua significação, quer dizer: “Que não se pode dispensar ou prescindir; urgente. De grande necessidade para certa finalidade. Que é costumeiro e não pode faltar”.
Vejam que são coisas bem fáceis de entender.
E, considerando, que não se prenuncia uma mudança na ordem constitucional capaz de retirar o vocábulo “essencial” ou “indispensável” do seu texto ou excluir a Advocacia, o Ministério Público ou a Defensoria Pública do capítulo que torna tais funções essenciais, o melhor que todos os envolvidos deveríamos fazer é procurarmos conviver de forma harmoniosa e respeitosa, cada sabendo o seu papel e se conduzindo com urbanidade.
Um bom manual de boas maneiras e um conhecimento mínimo da Constituição Federal, na parte que pertence, também ajudaria.
Forçoso reconhecer que parte deste desprestígio da Advocacia, sobretudo, em relação ao Poder Judiciário, se deve à postura débil, submissa da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. E, acredito, que em nenhum outro lugar do país essa “debilidade” ou falta de postura se faz tão presente quanto no nosso estado. E isso se fazem sentir em relação a tudo. Desde a falta de consulta sobre situações em que a representação dos advogados se faz necessária até o lugar destinado ao representante da classe nas “mesas de honra”.
Não sou muito de frequentar solenidades e coisas afins, mas me contam que nestes eventos, o representante da categoria que, repito, é função essencial à Justiça é convidado a sentar-se no “prolongamento” da mesa. Depois que convidam “todo mundo” convocam o representante da OAB. Por vezes, nem isso.
Vejam, não se trata de se defender a falta de humildade. Pelo contrário, trata-se apenas de respeito. Não é pela pessoa, mas pelo que ela representa. A desconsideração ofende a todos.
Sendo a Advocacia essencial à Justiça, nas chamadas “mesas de honra” os representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia deveriam ficar juntos no centro dos trabalhos e, só então, iniciar-se a formação da mesa com os demais convidados. Isso se chama respeito. Fosse um presidente com pulso só fariam a desfeita uma vez.
Enquanto o representante da classe achar normal e não sair quando lhe colocarem no “prolongamento” da mesa, os advogados, seremos tratados como “auxiliares” e não como essenciais e indispensáveis à Justiça.
Como diz um certo comercial de televisão tudo é uma questão de respeito. Se todos se respeitam e cumprem com suas missões, a Justiça funciona como deve e o cidadão, o desvalido que paga a conta, é atendido como deve ser.
Abdon Marinho é advogado.