POLIOMIELITE: A DESGRAÇA QUE AMEAÇA O BRASIL ACONTECEU COMIGO.
Por Abdon Marinho.
UMA notícia tem me assustado e emocionado ultimamente.
A noticia é que o Maranhão é o segundo estado do Brasil – atrás apenas da Bahia –, em risco de retorno da poliomielite. Impressiona essa nossa vocação para atrair desgraças.
Segundo informa o Ministério da Saúde, em mais de 14% (quatorze por cento) dos municípios do estado a cobertura vacinal contra a pólio não chegou a 50% (cinquenta por cento). A recomendação é que a cobertura vacinal atinja ao menos 95% (noventa e cinco por cento) das crianças.
O Brasil que há mais de trinta anos erradicou essa moléstia, agora ver-se enredado, mais uma vez com o retorno desta e de tantas outras, a exemplo do sarampo que já começaram a fazer vítimas.
Estamos diante de uma situação que custo a entender.
Quero acreditar que os pais são pessoas que amam seus filhos, por quem, não raro, dariam a própria vida, ainda mais quando estamos falando de crianças, de zero a cinco anos ou um pouco mais.
Então, como justificar que estas pessoas não dedique umas poucas horas para levar estas crianças aos postos de vacina quando se sabe que o ano inteiro podem vaciná-las contra doenças como sarampo ou a poliomielite?
Decerto não é falta de informação. Por onde passamos, mesmo nas residências mais humildes, com raras exceções, não se encontra uma televisão ligada a uma antena parabólica. Quando não, um rádio a pilha, um celular. Ou seja, só mesmo em situações absolutamente atípicas encontramos alguém que viva alheio às informações cotidianas, sem acesso a televisão, rádio, jornal, notícias de qualquer natureza.
Assim, soa incompreensível que doenças graves estejam, mais uma vez ameaçando a vida de milhares de crianças por algo tão trivial quanto é a ausência de vacinação.
Ainda mais, repito, quando sabemos que tais vacinas estão disponíveis o ano inteiro nos postos de saúde; quando sabemos que, bem ou mal, as pessoas têm um nível de informação que as tornam capazes de entender a gravidade destas doenças que estavam erradicadas e que ameaçam voltar com todo força pela simples ausência de vacinas; não bastasse isso, ainda se tem, programas estatais de saúde da família que garantem a visita de profissionais da área nas residências das pessoas; e, por fim, a exigência de que certos benefícios só sejam disponibilizados com a comprovação da imunização das crianças, que muitas das vezes é apenas algumas gotinhas ministradas por via oral.
Torna-se uma urgência nacional identificar onde as falhas estão ocorrendo, inclusive com a responsabilização dos faltosos, a fim de se evitar maiores consequências àqueles que não têm condições de se defenderem por si: as crianças.
O governo federal precisa, imediatamente, estabelecer como critério de repasses de recursos voluntários da União aos estados e municípios, o cumprimento obrigatório de cobertura vacinal não inferior ao nível recomendado, como forma destes entes federativos exijam dos pais que vacinem seus filhos, não apenas contra a poliomielite, mas também contra as demais moléstias.
É inaceitável que uma doença tão grave, com consequências tão nefastas, seja tratada com tanta leniência.
Como podemos admitir que municípios não vacinem 5% (cinco por cento) das crianças quando se é exigido um nível de vacinação de 95% (noventa e cinco por cento) para não corremos o risco da doença voltar? Como aceitar que ninguém responda por tamanho descalabro?
Há alguns anos escrevi um texto intitulado: “Sou Deficiente. E daí?”. Nele esclareço que o fato de sermos deficientes não nos faz merecedores de tratamento diferenciado ou pena, e que podemos, com nossos esforços, irmos muito além dos espaços que nos são destinados.
Mas, se é verdade que podemos ter uma vida com possibilidades quase ilimitadas, se não nos aquietarmos, também é verdade que ninguém, pelos menos não os com sã consciência, “escolhem” serem deficientes, ainda mais quando estas “deficiências” podem ser evitadas ou prevenidas.
Estou certo que ninguém escolhe uma vida com dores e limitações permanentes.
Há quase cinquenta anos fui acometido pela poliomielite. Eram outros tempos. Morando no interior do interior, com pais sem nenhuma instrução, não tínhamos acesso à vacinas, aliás, nem sabíamos de tal necessidade.
Quando fui contaminado pelo vírus meus pais, parentes e vizinhos, ficaram dias sem saber do que se tratava, o que estava acontecendo, tentando a cura com remédios caseiros, chás, benzimentos e promessas.
Somente dias depois, quando nada fazia efeito – e não tinha como fazer –, minha mãe saiu, no lombo de um burro, até a cidade mais próxima onde poderia pegar um outro transporte que nos levaria a Teresina, Piauí, onde a doença foi diagnosticada e recebi o tratamento que evitou a minha morte e amenizou as sequelas. Apenas isso, pois tratando-se de uma doença incurável, o máximo que os tratamentos conseguem é amenizarem o sofrimento dos portadores que de resto terão que conviver com ela.
Desde então convivo com os efeitos da poliomielite e posso assegurar que, apesar de ser possível a convivência, ela nos impõe inúmeras limitações e dores permanentes.
Diferente de outras doenças, ou mesmo um acidente, que restringe os movimentos dos membros afetados, a poliomielite, faz questão de nos lembrar sua presença diariamente e não apenas através da atrofia dos membros ou seu “afinamento”, mas, também, através das dores que sentimos.
São dores nos pés, tornozelos, não raro chegando até os joelhos – conforme a gravidade do ataque.
Isso sem contar que suas sequelas se tornam mais presentes e limitantes com o passar do tempo.
Quando mais jovem, por exemplo, tinha mais agilidade e resistência que tenho hoje, andava para todos os lugares sem qualquer ajuda. Hoje, já canso mais rápido, não posso ficar tanto tempo em pé e já preciso fazer uso de uma bengala. Mas evito pensar que possa ainda piorar.
Daí minha imensa preocupação com o que pode vir acontecer com nossas crianças pelo desleixo dos pais – e também pela omissão das autoridades –, que, pelo que assistimos, não se mostra capaz de empreender uma campanha rigorosa de vacinação, evitando que milhares de crianças morram ou fiquem paralíticas pelo resto da vida, levando uma vida de dores e limitações.
A poliomielite é uma grave doença com consequências e limitações que vão bem além do ensina os manuais ou enciclopédias de medicina.
O Brasil que já havia erradicado essa desgraça que tanto mal causou a tantas pessoas, não pode admitir que ela retorne para fazer novas vítimas. Fazer pouco caso, sermos lenientes é cometer um grave crime contra o futuro deste país.
Podem apostar: eu sei do estou falando.
Abdon Marinho é advogado.