A HISTÓRIA EM RUÍNAS.
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- Criado: Terça, 19 Fevereiro 2019 01:28
- Escrito por Abdon Marinho
A HISTÓRIA EM RUÍNAS.
Por Abdon Marinho.
HÁ MUITOS anos, quando fui a Brejo pela primeira vez, duas coisas, inicialmente, me chamaram a atenção, a primeira foi que parecia que estava entrando em buraco, tal o nível de inclinação da pista de acesso à cidade – faz muito tempo, não sei se ainda é assim; a segunda coisa, foi o seu casario antigo. Pela Rua Gonçalves Dias, via principal da cidade, ainda calçada em pedras, aquelas casas, quase todas em pavimento único, em estilo colonial antigo, pareceu-me de uma beleza ímpar. Ao menos aos meus olhos juvenis.
Brejo é um município antigo. Foi elevado à condição de de Distrito ainda em 1820 e emancipado de Caxias em 11 de julho de 1870. Antes disso tudo, já em 1684, os índios anapurus — corruptela de muypurás — índios que viviam às margens do rio Parnaíba — e significa fruta do rio, já habitavam as terras do futuro município.
O município possui rica história, tendo sido um dos últimos redutos dos balaios e, durante muitos anos, a partir de sua elevação à condição de cidade, o principal centro e entreposto comercial, além de berço de intelectuais, dentre os quais se destaca o jurista e político Cândido Mendes, que é exaltado no estribilho do seu hino (Ô Brejo, no amor tu nos prendes/Terra de Cândido Mendes).
E não fica aí, são inúmeros os seus filhos ilustres que muito contribuíram com o Maranhão e com o Brasil.
Hoje, de Brejo, chegou-me uma notícia de cortar o coração: o antigo solar de Nelson José de Carvalho e Maria Vicência Bacellar de Carvalho, uma jóia da arquitetura local, localizado na Rua Gonçalves Dias, 488, construído no início do século passado (ou no fim do anterior), pode ruir – e ruirá –, a qualquer momento, se nada for feito.
O seu proprietário e construtor foi um dos mais ricos comerciantes da região e chegou a ser prefeito de Brejo.
Os herdeiros do casarão não têm condições (ou interesse) em bancar uma reforma que lhe devolva o esplendor de outrora – sem contar que ainda é objeto de inventário.
Notificado pela prefeitura a encontrar uma solução para imóvel, objetivando a impedir que cause qualquer dano a terceiros, a última neta do casal e inventariante, que já tem idade avançada, trabalha com a hipótese de demoli-lo – se ele não vir a ruir antes.
Ainda no ano de 2017, o prefeito municipal sancionou uma lei, de número 733/2017, declarando o casarão de utilidade pública para fins de desapropriação.
Apesar disso não se tem conhecimento de qualquer continuidade ao cumprimento da lei, qual seja, o processo administrativo e/ou judicial para a prévia e justa indenização em dinheiro aos herdeiros do imóvel ou mesmo o depósito judicial do valor da avaliação, conforme determina a Constituição Federal.
O perecimento de qualquer bem com valor histórico me causa tristeza. Quando o perecimento ocorre no interior, o sofrimento é maior. Não sei o motivo, talvez pelo fato das nossas cidades do interior já terem tão pouco – no caso de Brejo, menos ainda, pois, segundo o IBGE, seu nível de desenvolvimento é baixo –, choca mais ainda.
Os municípios maranhenses têm muito pouco. Não podem perder o pouco que ainda resta, como sua história.
Um povo sem história, sem cultura será o quê? Escravos dos prazeres efêmeros? Das drogas? Dos vícios mais diversos?
O tem a elite dirigente desse estado a dizer de tudo isso?
Agora mesmo assistimos a mobilização de políticos para levarem recursos aos município para fazerem festas de carnaval, contratar bandas de outros estados e tudo mais.
Não se vê a mesma mobilização para destinar recursos a recuperação de um prédio histórico ou outra coisa efetivamente importante para a cidadania.
É assim. O que acontece em Brejo e que noticio hoje, é que já aconteceu, acontece e acontecerá em outros municípios maranhenses. É a negação da nossa história.
O caso (ou ocaso) de Brejo é até mais emblemático. Como dito anteriormente, o município foi uma “potência” regional, um berço de cultura com diversos intelectuais no currículo. Uma história belíssima.
Com o tempo perdeu sua importância comercial, foi ficando pobre, sobrevivendo, basicamente dos recursos dos servidores públicos, aposentados e dos programas de transferência de renda e, por fim, para tristeza de todos, mesmo das pessoas que não são de Brejo, vai perdendo sua história.
É assim que vejo a ruína (ou demolição) do solar de Nelson José de Carvalho e Maria Vicência Bacellar de Carvalho, como a destruição da história do município, do esplendor de toda uma época.
Pelas fotografias que recebi junto com a triste notícia, pude perceber que o antigo solar era uma jóia, seja por sua fachada imponente, por seu piso de madeira de lei, tratado com a cera de carnaúba ou por seu forro em madeira pintada, sem contar ainda com as portas e janelas trabalhadas em madeira e vidro.
Tudo em ruínas. Em um vão da casa, talvez, uma sala, o que sobrou de um piano que outrora deve ter animado os saraus.
O que restará aos homens quando não lhes sobrar sequer a história?
Abdon Marinho é advogado.
PS. As fotografias que ilustram o texto são do solar Nelson José de Carvalho e Maria Vicência Bacellar de Carvalho, em Brejo, MARANHÃO – ou do que sobrou dele –, e que logo mais deixará de existir.
Comentários
O atual prefeito fez todos os esforços possíveis para desapropriar, porém, o prédio não aguentaria tanto tempo em período chuvoso. Havendo ameaça de risco a vida integridade dos transeuntes, o prédio foi demolido pela família, que até o fim negou-se a qualquer acordo com a prefeitura.