AbdonMarinho - A HISTÓRIA EM RUÍNAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A HISTÓRIA EM RUÍNAS.

A HISTÓRIA EM RUÍNAS.

Por Abdon Marinho.

MUITOS anos, quando fui a Brejo pela primeira vez, duas coisas, ini­cial­mente, me chama­ram a atenção, a primeira foi que pare­cia que estava entrando em buraco, tal o nível de incli­nação da pista de acesso à cidade – faz muito tempo, não sei se ainda é assim; a segunda coisa, foi o seu casario antigo. Pela Rua Gonçalves Dias, via prin­ci­pal da cidade, ainda calçada em pedras, aque­las casas, quase todas em pavi­mento único, em estilo colo­nial antigo, pareceu-​me de uma beleza ímpar. Ao menos aos meus olhos juve­nis.

Brejo é um municí­pio antigo. Foi ele­vado à condição de de Dis­trito ainda em 1820 e eman­ci­pado de Cax­ias em 11 de julho de 1870. Antes disso tudo, já em 1684, os índios ana­pu­rus — cor­ruptela de muy­purás — índios que viviam às mar­gens do rio Par­naíba — e sig­nifica fruta do rio, já habitavam as ter­ras do futuro municí­pio.

O municí­pio pos­sui rica história, tendo sido um dos últi­mos redu­tos dos bal­aios e, durante muitos anos, a par­tir de sua ele­vação à condição de cidade, o prin­ci­pal cen­tro e entre­posto com­er­cial, além de berço de int­elec­tu­ais, den­tre os quais se destaca o jurista e político Cân­dido Mendes, que é exal­tado no estri­bilho do seu hino (Ô Brejo, no amor tu nos prendes/​Terra de Cân­dido Mendes).

E não fica aí, são inúmeros os seus fil­hos ilus­tres que muito con­tribuíram com o Maran­hão e com o Brasil.

Hoje, de Brejo, chegou-​me uma notí­cia de cor­tar o coração: o antigo solar de Nel­son José de Car­valho e Maria Vicên­cia Bacel­lar de Car­valho, uma jóia da arquite­tura local, local­izado na Rua Gonçalves Dias, 488, con­struído no iní­cio do século pas­sado (ou no fim do ante­rior), pode ruir – e ruirá –, a qual­quer momento, se nada for feito.

O seu pro­pri­etário e con­stru­tor foi um dos mais ricos com­er­ciantes da região e chegou a ser prefeito de Brejo.

Os herdeiros do casarão não têm condições (ou inter­esse) em ban­car uma reforma que lhe devolva o esplen­dor de out­rora – sem con­tar que ainda é objeto de inventário.

Noti­fi­cado pela prefeitura a encon­trar uma solução para imóvel, obje­ti­vando a impedir que cause qual­quer dano a ter­ceiros, a última neta do casal e inven­tari­ante, que já tem idade avançada, tra­balha com a hipótese de demoli-​lo – se ele não vir a ruir antes.

Ainda no ano de 2017, o prefeito munic­i­pal san­cio­nou uma lei, de número 733/​2017, declarando o casarão de util­i­dade pública para fins de desapro­pri­ação.

Ape­sar disso não se tem con­hec­i­mento de qual­quer con­tinuidade ao cumpri­mento da lei, qual seja, o processo admin­is­tra­tivo e/​ou judi­cial para a prévia e justa ind­eniza­ção em din­heiro aos herdeiros do imóvel ou mesmo o depósito judi­cial do valor da avali­ação, con­forme deter­mina a Con­sti­tu­ição Fed­eral.

O perec­i­mento de qual­quer bem com valor histórico me causa tris­teza. Quando o perec­i­mento ocorre no inte­rior, o sofri­mento é maior. Não sei o motivo, talvez pelo fato das nos­sas cidades do inte­rior já terem tão pouco – no caso de Brejo, menos ainda, pois, segundo o IBGE, seu nível de desen­volvi­mento é baixo –, choca mais ainda.

Os municí­pios maran­henses têm muito pouco. Não podem perder o pouco que ainda resta, como sua história.

Um povo sem história, sem cul­tura será o quê? Escravos dos praz­eres efêmeros? Das dro­gas? Dos vícios mais diversos?

O tem a elite diri­gente desse estado a dizer de tudo isso?

Agora mesmo assis­ti­mos a mobi­liza­ção de políti­cos para levarem recur­sos aos municí­pio para faz­erem fes­tas de car­naval, con­tratar ban­das de out­ros esta­dos e tudo mais.

Não se vê a mesma mobi­liza­ção para des­ti­nar recur­sos a recu­per­ação de um pré­dio histórico ou outra coisa efe­ti­va­mente impor­tante para a cidada­nia.

É assim. O que acon­tece em Brejo e que noti­cio hoje, é que já acon­te­ceu, acon­tece e acon­te­cerá em out­ros municí­pios maran­henses. É a negação da nossa história.

O caso (ou ocaso) de Brejo é até mais emblemático. Como dito ante­ri­or­mente, o municí­pio foi uma “potên­cia” regional, um berço de cul­tura com diver­sos int­elec­tu­ais no cur­rículo. Uma história belís­sima.

Com o tempo perdeu sua importân­cia com­er­cial, foi ficando pobre, sobre­vivendo, basi­ca­mente dos recur­sos dos servi­dores públi­cos, aposen­ta­dos e dos pro­gra­mas de trans­fer­ên­cia de renda e, por fim, para tris­teza de todos, mesmo das pes­soas que não são de Brejo, vai per­dendo sua história.

É assim que vejo a ruína (ou demolição) do solar de Nel­son José de Car­valho e Maria Vicên­cia Bacel­lar de Car­valho, como a destru­ição da história do municí­pio, do esplen­dor de toda uma época.

Pelas fotografias que recebi junto com a triste notí­cia, pude perce­ber que o antigo solar era uma jóia, seja por sua fachada impo­nente, por seu piso de madeira de lei, tratado com a cera de car­naúba ou por seu forro em madeira pin­tada, sem con­tar ainda com as por­tas e janelas tra­bal­hadas em madeira e vidro.

Tudo em ruí­nas. Em um vão da casa, talvez, uma sala, o que sobrou de um piano que out­rora deve ter ani­mado os saraus.

O que restará aos homens quando não lhes sobrar sequer a história?

Abdon Mar­inho é advo­gado.

PS. As fotografias que ilus­tram o texto são do solar Nel­son José de Car­valho e Maria Vicên­cia Bacel­lar de Car­valho, em Brejo, MARAN­HÃO – ou do que sobrou dele –, e que logo mais deixará de exi­s­tir.

Comen­tários

+1 #1 Wan­der­son Mota Silva 06-​06-​2019 15:53
O casarão foi demolido, gerou bas­tante comoção na cidade e as ima­gens da demolição foram as piores que já vi na minha vida.

O atual prefeito fez todos os esforços pos­síveis para desapro­priar, porém, o pré­dio não aguen­taria tanto tempo em período chu­voso. Havendo ameaça de risco a vida inte­gri­dade dos transe­untes, o pré­dio foi demolido pela família, que até o fim negou-​se a qual­quer acordo com a prefeitura.
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