A escravidão do falso engajamento político.
Por Abdon Marinho.
UM AMIGO afirma indagando: —nunca mais escrevestes!?
Respondo: — apenas duas semanas.
Ele prossegue: — mas por qual motivo?
Retruco: — ora, era Natal, Ano Novo.
Já no ano passado (ou no anterior) alertava sobre essa doença – ou seria escravidão –, que tem acometido o povo brasileiro: o falso engajamento político.
Vivemos dias como se nada mais importasse para o mundo e para a sociedade do que as próximas eleições ou o que fez esse ou aquele político.
Assim, tornou-se comum que junto com as mensagens natalinas ou de “ano bom” recebermos “textões” com proselitismo político a favor ou contra determinadas pessoas ou pautas.
No Brasil chegou-se ao ponto, pasmem, de antes da Ceia de Natal ou de Ano Novo, ao invés de estarmos conversando com familiares e amigos, contanto piadas, causos os rememorando histórias da família para que não se perca no tempo e sejam recordadas por gerações futuras, estarmos “batendo panelas” dentro de casa ou nas varandas dos edifícios – tudo devidamente registrado com uma horrível filmagem de celular (que até hoje não aprenderam fazer) para serem compartilhadas em algum canal de televisão e, com certeza, nas redes sociais.
Vejam, estamos falando do dia de Natal, data máxima da cristandade em que todas as atenções deveriam se voltar para o aniversariante do dia; estamos falando do Ano Novo, data máxima da solidariedade e da paz mundial.
Nada disso mais importa aos brasileiros. Família, amigos, confraternizações são detalhes, a única coisa que importa realmente, independente da inimizades ou destruição que isso possa causar, infelizmente, é a data da próxima eleição, e da próxima, e das seguintes …e por aí vai.
O brasileiro não encerra o seu proselitismo tosco com o resultado de uma eleição, não existe um dia de trégua para que o eleito possa tentar fazer o que se propôs, já temos uma pauta visando o próximo pleito, para daí a quatro, oito, doze, dezesseis …, pelo resto da vida.
Chegamos a um nível de tamanha estupidez em que a pessoa mais importante na vida do cidadão não é o seu pai, o seu irmão, o seu amigo de longas datas, aquele que lhe socorreu sempre que precisou. A pessoa mais importante na vida do cidadão brasileiro é o seu candidato, aquele que encarna seus sentimentos ou preconceitos – mesmo os mais mesquinhos.
Há alguns dias um amigo me disse que já tem anos que não fala com um dos seus irmãos.
É comum que hajam desavenças entre familiares e até mesmo que fiquem “intrigados” o que não é normal, como no caso, é que esta inimizade se dê por conta de um político, por conta de um defender uma pauta ou ideias e o outro defender outras pautas e ideias.
Por mais absurdo que possa parecer, isso é o que mais vem ocorrendo no Brasil.
Não temos uma família – se existe é para justificar a regra –, que não esteja fracionada por desavenças políticas. Não partilham mais as ceias de Natal, Ano Novo, Páscoa ou mesmo o aniversário de um patriarca ou de uma matriarca em família ou, se fazem isso, é quase certo que tal evento não acabe bem.
Em relação as amizades nem se fala. Quantas delas, que pareciam inquebrantáveis deixaram de existir por conta de uma pauta política insana?
Se fizermos uma breve análise, mesmo em um ciclo restrito, veremos o mal que este falso engajamento político tem causado.
O pior é que ninguém parece disposto nem a voltar a dialogar com o antigo “melhor amigo” ou familiar “mais querido”.
O que interessa mesmo é aniquilação total do “inimigo”, sem perdão e sem piedade.
O Brasil não consegue mais confraternizar-se. Nem as tragédias – e estamos diante de várias –, parece possuir “liga” suficiente para selar qualquer união, antes, é motivo para mais conflito e desagregação.
Muito embora para um cidadão comum, que ainda possua capacidade para discernir pareça que vivamos em um inferno dantesco, para os políticos é como se ELES vivessem em um paraíso na terra.
Vejam, os nossos políticos – e é assim no mundo todo –, são narcisistas por natureza, tudo que eles mais desejam é serem admirados e cultuados; é que os seus liderados os tenham como referência acima de quaisquer outras, é para isso que trabalham incansavelmente.
Daí terem encontrado o paraíso que tanto almejaram na atual quadra política do país.
Imaginem que gastando muito pouco – quase nada –, apenas alimentando nos vários veículos de comunicação, principalmente nas redes sociais, suas pautas e preconceitos conseguem manter um “exército de desmiolados” os admirando e capazes defendê-los de tudo e contra todos.
Como disse, estão no paraíso – e nem precisaram morrer para isso, até porque, imagina-se que depois de mortos, irão direto, sem direito a um descanso no purgatório, para o inferno –, sendo admirados, cultuados, defendidos mesmo quando praticam os maiores absurdos, como quando roubam o dinheiro da saúde, da educação, do saneamento básico, da assistência social, das políticas públicas de apoio à juventude, à pesquisa, etc.
Os nossos políticos conseguiram o que seus congêneres ficaram longe de conseguir ao redor do mundo: serem aplaudidos por suas vítimas, por aqueles que sabem que são roubados sem tréguas por eles.
Agimos como se os “nossos” políticos fossem o centro do universo. Pior, agimos como se fossem o centro do “nosso” universo.
O nosso país vive essa estranha realidade em que os cidadãos têm a falsa ilusão de que são politizados e que esse seu engajamento político é decisivo para um futuro de prosperidade para todos, quando na realidade, se tornaram um “exército de escravos” das pautas políticas mais absurdas enquanto seus falsos líderes sagraram, sangram ou se preparam para sangrar a nação.
Faz-se necessário que os brasileiros reflitamos sobre o que vem ocorrendo no nosso país, mas, sobretudo, nas nossas vidas.
A pior escravidão não é aquela que nos impõem, a pior escravidão é aquela que nos impomos.
A única “vantagem” da escravidão que nos impomos em relação aquela que nos é imposta é que desta podemos nos libertar por nós mesmos, a partir da capacidade que possuímos de avaliar os nossos erros e de fazermos uma autocrítica do nosso comportamento.
Um apelo urgente que precisamos fazer é que precisamos dar uma chance à razão e a racionalidade; olharmos para dentro de nós mesmos e nos libertamos dos grilhões que “nós” nos impomos.
Se formos capazes de fazermos isso – e acredito que seremos –, iremos experimentar a verdadeira liberdade, aquela que não dependeremos de políticos ou líderes para nos mostrar o melhor caminho para seguirmos.
Assim estaremos prontos para encarar não apenas um novo ano, uma nova década, estaremos prontos para encararmos uma nova vida.
Esta é a nossa primeira reflexão para o ano que se inicia. Que venha 2022!
Abdon Marinho é advogado.