BOLSONARO E A ESTRATÉGIA DO CEROL.
Por Abdon Marinho.
— MENINO É O CÃO. Ou: — menino é o retrato do cão.
Na minha aldeia, lá nos tempos de eu menino, incontáveis foram as vezes que ouvi tais expressões. Eram outros tempos, com a meninada, desde a mais tenra idade criada “solta”, passando os dias na rua, só indo em casa para comer e/ou para dormir. Muitas das vezes se passavam os dias fora de casa só retornando no fim do dia, sem que ninguém guardasse qualquer preocupação. Imaginava-se, com razão, que os meninos estivessem nos açudes, igarapés ou no mato, “passarinhando”.
Se não aparecia para o almoço, era porque comera na casa de algum parente, vizinho ou se alimentara de frutas (mangas, bananas, ananás ou qualquer outra que fosse de época); se chegava a noticia de algum “malfeito”, o cinto já estava à espreita.
Começava-se a estudar mais tarde, lá pelos seis ou sete anos e até mais. Findo o horário de escola ou nas férias, ganhávamos o mundo.
Os mais velhos quando queriam “se livrar” dos menores, mandava-os procurar ninhos de “avião”. E íamos.
Éramos crianças “raiz”, bem distintas das crianças da atualidade que tudo “melindra” ou que a qualquer contrariedade entram em choque ou correm para “debaixo” da saia da mãe – e são extremamente dependentes.
Quando aparecia um guri bem mais travesso dizia-se: — Fulano é tão ruim, tão mau, tão malvadão que passa “cerol” na b … para cortar o p … dos colegas.
Para registro, esta expressão é para ser interpretada no sentido figurado.
Aos desavisados, o cerol é uma mistura de vidro moído e cola, usada em linha de pipa, a fim de cortar a linha de outra pipa quando ambas estão voando.
Outro passatempo da infância bem vivida.
Enquanto, na “boca da noite”, ouvia um antigo CD de Maysa e pensava no quadro político brasileiro voltado para as eleições presidenciais que ocorrerão este ano, socorreu-me que a única estratégia para o atual presidente da República impedir a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será recorrer à “tática do cerol”, claro, também, em sentido figurado.
Das análises que faço, “a preço de hoje”, concluo que o bolsonarismo tornou-se o principal combustível para o petismo.
É dizer: quanto mais visível que o ex-presidente Lula irá disputar o pleito contra o atual presidente, mas ele se fortalece e cristaliza em elevado percentual, com do outro, mais cinquenta por cento de eleitores que não desejam continuar com o atual governo “de jeito nenhum”.
A cada despautério proferido pelo presidente – e são muitos e são constantes –, aumenta o número dos que não votam nele “de jeito nenhum”.
Noutras palavras, o “teto” do bolsonarismo não é suficiente para vencer o lulismo. Numa alegoria infanto-juvenil vejo Bolsonaro como um pirralho que mal consegue chutar as pernas de um gigante.
A polarização de que tanto se fala é uma miragem.
Não que o presidente não possua um público fiel capaz de levá-lo a um segundo turno das eleições – e por isso mesmo ele insiste em mantê-lo fiel –, entretanto, pela avassaladora rejeição que possui é o adversário perfeito para o lulismo.
Não é razoável imaginar que Bolsonaro ostentando uma rejeição que ultrapassa cinquenta por cento, fazendo e falando tudo que assistimos consiga reverter o quadro político. Talvez se o Lula começar a chutar grávidas nas praças.
Na verdade o Bolsonaro serve ao propósito de ser o fiel escudeiro de Lula, um Sancho Pança desajeitado e pitoresco, impedindo que outras candidaturas, com “estatura” para disputar de igual para igual com o ex-presidente apareçam no cenário político.
Quanto mais ele radicaliza no estoque interminável de desatinos, mais ele mantém unida sua base sectária e aumenta o número de eleitores do Lula – ainda que o odeiem –, pois passam a vê-lo como o anti Bolsonaro.
Qualquer um que conheça os humores dos eleitores sabem que o Bolsonaro não venceu as eleições presidenciais por conta do seu apelo eleitoral – já nas eleições todos viam que não era capaz de articular uma frase simples com algum sentido –, a vitória se deveu ao ódio que uma parcela significativa dos eleitores devotavam ao petismo, que governara o país por treze anos.
As eleições de 2018 foram as eleições do ódio, assim como as eleições deste ano serão igualmente do ódio, se não surgir algum fato que altere este cenário.
São estes mesmos eleitores “com ódio” que deram a vitória a Bolsonaro que à míngua do surgimento de uma candidatura que ultrapasse as intenções de votos do atual presidente, migrarão diretamente para a candidatura do ex-presidente Lula.
Arrisco dizer que a única chance de Bolsonaro vencer o Lula é não disputando as eleições contra ele.
Daí que surge a necessidade do atual presidente utilizar a “estratégia ou tática do cerol” que consistiria em sair da disputa para que um outro nome, de preferência que não esteja vinculado a ele e ao que representa, para disputar com o ex-presidente Lula, que ensaia e trabalha incansavelmente para disputar contra Bolsonaro.
Ninguém vê os lulopetistas falarem ou cogitarem das auguras pelas quais passarão o senhor Bolsonaro quando deixar a faixa de presidente e descer a rampa do Palácio do Planalto pela última vez.
Não divulgam, por exemplo, que os processos que hoje responde e os que passará a responder descerão junto com ele para a primeira instância e que ele será submetido aos humores de promotores e juízes de carreira e que nada lhes devem.
Ninguém nem os vê, na verdade, fustigando como fariam noutros tempos contra o atual presidente.
A razão é a que disse acima: o melhor cabo eleitoral de Lula é o Bolsonaro.
De outro modo, vimos ensaiarem e desistirem – juntamente com o centrão, sim já estão juntos –, de uma “CPI vingança” contra o ex-juiz Sérgio Moro.
A razão da desistência me parecem clara: chegaram à conclusão que a “perseguição” fora de hora poderia despertar o sentimento anti-petismo e fazer com que Moro ultrapassasse o adversário favorito: Bolsonaro.
Se vencerem virão com “força total” contra e ex-juiz e mais força ainda contra o futuro ex-presidente Bolsonaro.
Não é fora de propósito, portanto, que Bolsonaro renuncie ao cargo para disputar um mandato de senador ou de deputado com o objetivo de continuar usufruindo da proteção e do foro privilegiado que um mandato parlamentar oferece.
Ele próprio, mais de uma vez, já revelou o justo receio de vir a ser preso ao deixar o poder.
Se possuir uma oculta e insuspeita inteligência que até agora não deu conhecimento à população brasileira, poderia tentar – e não duvido que viesse a conseguir –, uma anistia negociada pelo governo do presidente Mourão junto ao Congresso Nacional.
E, com um mandado parlamentar nas mãos teria muito mais tranquilidade para fazer o que tem feito ao longo dos anos com inquestionável competência: cultuar o ócio.
Bem diferente será a vida pós presidência, sem mandato, sem tribuna, com o capim nascendo na porta, com infinitas “broncas” a resolver e contando com uma “célere” má-vontade do Poder Judiciário e do Ministério Público.
É quase certo que os seus piores pesadelos serão concretizados.
Pode até ser que eu esteja completamente errado, mas, se fosse o Bolsonaro, por via das dúvidas, prepararia um cerol bem grosso.
Pois como dizia famoso político maranhense: quem viver verá.
Abdon Marinho é advogado.