AbdonMarinho - Bolsonaro é a estratégia do cerol.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Bol­sonaro é a estraté­gia do cerol.


BOLSONARO E A ESTRATÉ­GIA DO CEROL.

Por Abdon Mar­inho.

MENINO É O CÃO. Ou: — menino é o retrato do cão.

Na minha aldeia, lá nos tem­pos de eu menino, incon­táveis foram as vezes que ouvi tais expressões. Eram out­ros tem­pos, com a meni­nada, desde a mais tenra idade cri­ada “solta”, pas­sando os dias na rua, só indo em casa para comer e/​ou para dormir. Muitas das vezes se pas­savam os dias fora de casa só retor­nando no fim do dia, sem que ninguém guardasse qual­quer pre­ocu­pação. Imaginava-​se, com razão, que os meni­nos estivessem nos açudes, igara­pés ou no mato, “pas­sar­in­hando”.

Se não apare­cia para o almoço, era porque com­era na casa de algum par­ente, viz­inho ou se ali­men­tara de fru­tas (man­gas, bananas, ananás ou qual­quer outra que fosse de época); se chegava a noti­cia de algum “malfeito”, o cinto já estava à espre­ita.

Começava-​se a estu­dar mais tarde, lá pelos seis ou sete anos e até mais. Findo o horário de escola ou nas férias, gan­há­va­mos o mundo.

Os mais vel­hos quando que­riam “se livrar” dos menores, mandava-​os procu­rar nin­hos de “avião”. E íamos.

Éramos cri­anças “raiz”, bem dis­tin­tas das cri­anças da atu­al­i­dade que tudo “melin­dra” ou que a qual­quer con­trariedade entram em choque ou cor­rem para “debaixo” da saia da mãe – e são extrema­mente depen­dentes.

Quando apare­cia um guri bem mais trav­esso dizia-​se: — Fulano é tão ruim, tão mau, tão mal­vadão que passa “cerol” na b … para cor­tar o p … dos colegas.

Para reg­istro, esta expressão é para ser inter­pre­tada no sen­tido figurado.

Aos desav­isa­dos, o cerol é uma mis­tura de vidro moído e cola, usada em linha de pipa, a fim de cor­tar a linha de outra pipa quando ambas estão voando.

Outro pas­satempo da infân­cia bem vivida.

Enquanto, na “boca da noite”, ouvia um antigo CD de Maysa e pen­sava no quadro político brasileiro voltado para as eleições pres­i­den­ci­ais que ocor­rerão este ano, socorreu-​me que a única estraté­gia para o atual pres­i­dente da República impedir a vitória do ex-​presidente Luiz Iná­cio Lula da Silva será recor­rer à “tática do cerol”, claro, tam­bém, em sen­tido fig­u­rado.

Das análises que faço, “a preço de hoje”, con­cluo que o bol­sonar­ismo tornou-​se o prin­ci­pal com­bustível para o petismo.

É dizer: quanto mais visível que o ex-​presidente Lula irá dis­putar o pleito con­tra o atual pres­i­dente, mas ele se for­t­alece e cristal­iza em ele­vado per­centual, com do outro, mais cinquenta por cento de eleitores que não dese­jam con­tin­uar com o atual gov­erno “de jeito nen­hum”.

A cada despautério pro­ferido pelo pres­i­dente – e são muitos e são con­stantes –, aumenta o número dos que não votam nele “de jeito nen­hum”.

Noutras palavras, o “teto” do bol­sonar­ismo não é sufi­ciente para vencer o lulismo. Numa ale­go­ria infanto-​juvenil vejo Bol­sonaro como um pir­ralho que mal con­segue chutar as per­nas de um gigante.

A polar­iza­ção de que tanto se fala é uma miragem.

Não que o pres­i­dente não pos­sua um público fiel capaz de levá-​lo a um segundo turno das eleições – e por isso mesmo ele insiste em mantê-​lo fiel –, entre­tanto, pela avas­sal­adora rejeição que pos­sui é o adver­sário per­feito para o lulismo.

Não é razoável imag­i­nar que Bol­sonaro osten­tando uma rejeição que ultra­passa cinquenta por cento, fazendo e falando tudo que assis­ti­mos con­siga reverter o quadro político. Talvez se o Lula começar a chutar grávi­das nas praças.

Na ver­dade o Bol­sonaro serve ao propósito de ser o fiel escud­eiro de Lula, um San­cho Pança desajeitado e pitoresco, impedindo que out­ras can­di­dat­uras, com “estatura” para dis­putar de igual para igual com o ex-​presidente apareçam no cenário político.

Quanto mais ele rad­i­cal­iza no estoque inter­minável de desati­nos, mais ele man­tém unida sua base sec­tária e aumenta o número de eleitores do Lula – ainda que o odeiem –, pois pas­sam a vê-​lo como o anti Bol­sonaro.

Qual­quer um que con­heça os humores dos eleitores sabem que o Bol­sonaro não venceu as eleições pres­i­den­ci­ais por conta do seu apelo eleitoral – já nas eleições todos viam que não era capaz de artic­u­lar uma frase sim­ples com algum sen­tido –, a vitória se deveu ao ódio que uma parcela sig­ni­fica­tiva dos eleitores devotavam ao petismo, que gov­ernara o país por treze anos.

As eleições de 2018 foram as eleições do ódio, assim como as eleições deste ano serão igual­mente do ódio, se não sur­gir algum fato que altere este cenário.

São estes mes­mos eleitores “com ódio” que deram a vitória a Bol­sonaro que à mín­gua do surg­i­mento de uma can­di­datura que ultra­passe as intenções de votos do atual pres­i­dente, migrarão dire­ta­mente para a can­di­datura do ex-​presidente Lula.

Arrisco dizer que a única chance de Bol­sonaro vencer o Lula é não dis­putando as eleições con­tra ele.

Daí que surge a neces­si­dade do atual pres­i­dente uti­lizar a “estraté­gia ou tática do cerol” que con­si­s­tiria em sair da dis­puta para que um outro nome, de prefer­ên­cia que não esteja vin­cu­lado a ele e ao que rep­re­senta, para dis­putar com o ex-​presidente Lula, que ensaia e tra­balha incansavel­mente para dis­putar con­tra Bol­sonaro.

Ninguém vê os lulopetis­tas falarem ou cog­itarem das auguras pelas quais pas­sarão o sen­hor Bol­sonaro quando deixar a faixa de pres­i­dente e descer a rampa do Palá­cio do Planalto pela última vez.

Não divul­gam, por exem­plo, que os proces­sos que hoje responde e os que pas­sará a respon­der descerão junto com ele para a primeira instân­cia e que ele será sub­metido aos humores de pro­mo­tores e juízes de car­reira e que nada lhes devem.

Ninguém nem os vê, na ver­dade, fusti­gando como fariam noutros tem­pos con­tra o atual pres­i­dente.

A razão é a que disse acima: o mel­hor cabo eleitoral de Lula é o Bol­sonaro.

De outro modo, vimos ensa­iarem e desi­s­tirem – jun­ta­mente com o cen­trão, sim já estão jun­tos –, de uma “CPI vin­gança” con­tra o ex-​juiz Sér­gio Moro.

A razão da desistên­cia me pare­cem clara: chegaram à con­clusão que a “perseguição” fora de hora pode­ria des­per­tar o sen­ti­mento anti-​petismo e fazer com que Moro ultra­pas­sasse o adver­sário favorito: Bol­sonaro.

Se vencerem virão com “força total” con­tra e ex-​juiz e mais força ainda con­tra o futuro ex-​presidente Bol­sonaro.

Não é fora de propósito, por­tanto, que Bol­sonaro renun­cie ao cargo para dis­putar um mandato de senador ou de dep­utado com o obje­tivo de con­tin­uar usufruindo da pro­teção e do foro priv­i­le­giado que um mandato par­la­men­tar ofer­ece.

Ele próprio, mais de uma vez, já rev­elou o justo receio de vir a ser preso ao deixar o poder.

Se pos­suir uma oculta e insus­peita inteligên­cia que até agora não deu con­hec­i­mento à pop­u­lação brasileira, pode­ria ten­tar – e não duvido que viesse a con­seguir –, uma anis­tia nego­ci­ada pelo gov­erno do pres­i­dente Mourão junto ao Con­gresso Nacional.

E, com um man­dado par­la­men­tar nas mãos teria muito mais tran­quil­i­dade para fazer o que tem feito ao longo dos anos com inques­tionável com­petên­cia: cul­tuar o ócio.

Bem difer­ente será a vida pós presidên­cia, sem mandato, sem tri­buna, com o capim nascendo na porta, com infini­tas “bron­cas” a resolver e con­tando com uma “célere” má-​vontade do Poder Judi­ciário e do Min­istério Público.

É quase certo que os seus piores pesade­los serão con­cretiza­dos.

Pode até ser que eu esteja com­ple­ta­mente errado, mas, se fosse o Bol­sonaro, por via das dúvi­das, prepararia um cerol bem grosso.

Pois como dizia famoso político maran­hense: quem viver verá.

Abdon Mar­inho é advogado.