O COMENDADOR FACÍNORA E A SABEDORIA DE JOEL.
Por Abdon Marinho.
QUEM conhece meu sócio Welger Freire, além de tê-lo, com justiça, na conta de um dos melhores advogados do estado e do país, sabe que ele é uma figura.
O que talvez não saiba é que figura mesmo era o seu pai, o saudoso Joel dos Santos. Pense numa figuraça, era o seu Joel, sempre tinha uma tirada, uma história para contar, um causo que lhe ocorrera em uma das muitas cidades por onde passara.
Antes de aposentar-se foi coletor do estado – cargo que hoje deve equivaler a fiscal de rendas ou de tributos –, como tal tinha que servir em diversos municípios, conforme o interesse do governante de plantão. Numa das idas vendeu a casa que possuía. Foi que bastou para alguém comentar: — ah, o Joel nunca mais compra uma casa nesta rua (acredito que a principal da localidade).
Quando Joel voltou comprou o prédio da igreja que estava à venda.
Mas Joel não era só causos, boa prosa ou tiradas, era também um sábio.
Certa vez, em uma das coletorias da vida por onde passou, o menino Welger encontra uma gaveta repleta de cartões de natal – antigamente era hábito e de bom tom mandar-se cartões de natal desejando boas festas e entrada de ano –, e dirigiu-se a Joel: — veja, papai, quantos cartões, o senhor é muito querido por todos.
O seu Joel, então, com a presença de espírito que aprendemos admirar, respondeu-lhe: — não se iluda, meu filho, nenhum deles é para eu, são todos para o coletor.
O sábio Joel há cinquenta ou mais anos já sabia fazer a distinção entre a pessoa e o cargo, característica rara ainda nos dias atuais.
Acho que já tem mais de vinte anos que o sócio Welger contou-me este causo e, depois disso, todos os anos ainda pareço visualizá-lo menino tendo o diálogo acima com o pai.
O motivo para todos os anos tal lembrança assaltar minha mente é assistir os rapapés das elites tupiniquins, local e nacional, “trocarem” homenagens e mensuras.
Ao longo dos anos tenho observado que quanto mais atrasada é a sociedade mais é dada a este tipo de comportamento, a essas “homenagens” a cargos, funções ou representações.
Não duvido que algumas pessoas por seu trabalho relevante em pró da sociedade ou de alguma causa, até mereçam o reconhecimento e que lhe rendam homenagens, entretanto, na maioria das vezes o que assistimos é uma mera troca de sabujice ou adulação.
Um dia destes aí, se não falha a memória, o Tribunal de Justiça distribuiu tantas medalhas e comendas que tinha mais gente recebendo homenagens no recinto que rendendo láureas aos supostos merecedores.
Certamente entre as centenas de laureados muitos melhor caberiam no figurino de clientes da Justiça e não de homenageados por ela.
É o que poder-se-ia chamar de comendador facínora – e não estou dizendo que em tal lista alguns o sejam –, mas, é de saltar aos olhos que muitos dos homenageados país a fora deveriam, certamente, eram acertarem as contas com a justiça e não ser “adulados” por ela.
Naquela oportunidade escrevi sobre o assunto dizendo que o excesso de homenageados acabava por esvaziar o sentido da homenagem.
Para a angústia dos cidadãos de bem e para vaidade dos incautos, parece-nos que de lá para cá as coisas só pioraram.
Não faz muito, tomei conhecimento que a primeira-dama do país já fora agraciada com, pelo menos, três das mais prestigiadas honrarias do país.
Com meus botões, perguntei-me: mas a propósito de que a tal senhora foi homenageada? O que teria ela feito de relevante em benefício daquela instituição, da sociedade ou país para merecê-la? Por óbvio que fiquei sem resposta.
Outro dia, neste espaço, tratei da formidável “homenagem” ao presidente da República “auto atribuída” de grão-mestre da Ordem do Mérito Científico. Achei a mensura tão fora de ordem que acabei “quebrando” o compromisso de não mais falar do cidadão a não ser quando absolutamente necessário.
A contaminação pelo “vírus” da auto indulgência parece desconhecer fronteiras e alcançar até mesmo quem deveria ser inalcançável por tais sentimentos como os membros do Ministério Público.
Agora mesmo tomamos conhecimento que os membros de tal corporação não apenas se quedam a receberem homenagens impróprias, pois como fiscais da lei deveriam ficarem atentos a legalidade e abusos destas láureas, como eles próprios, aliás, bem pior, as instituições resolveram ser “promotoras” de tais homenagens.
Ora, será que é correto assistirmos o Ministério Público destruindo comendas a pessoas que muitas das vezes são ou deveriam ser potenciais “clientes” de sua atuação? Os promotores de justiça terão autonomia ou “peito” para investigar alguém que foi homenageado, laureado ou o que diabo seja, pela própria instituição que representa? E se tiverem, como fica a instituição que homenageou o indigitado? Pedirá a medalha de volta ou fingirão que não é com ela? Será que ninguém consegue enxergar que esse tipo de comportamento é impróprio para uma instituição que tem como missão fiscalizar a lei?
Todo fim de ano assisto a esse espetáculo dantesco. De norte a sul do país, instituições e corporações trocando mensuras e homenagens, na maioria das vezes, impróprias, indevidas e abusivas, com os recursos dos contribuintes sem que estes tenham o direito ou mesmo a quem recorrer, uma vez que quem deveria fiscalizar o cumprimento das normas legais são os primeiros a receber e/ou promover tais abusos.
Ora, é como se as autoridades não soubessem o grau de responsabilidade que possuem derivadas dos cargos públicos que ocupam.
Ao aceitarem ou renderem homenagens acabam “perdendo” a moral ou a autoridade para agirem no seu mister. Ou acham normal que na sexta-feira ou no final de semana estejam juntos se confraternizando ou se auto homenageando e na segunda-feira estejam denunciando ou julgando os homenageados?
O sucesso de qualquer país, qualquer estado, depende da solidez de suas instituições daí ser necessário que as pessoas investidas no comando das mesmas possuam um comportamento sóbrio no sentido de preservá-las de quaisquer mal-entendidos em relação aos jurisdicionados.
Há milênios já sabemos que à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta.
Algo bem semelhante ao que disse Joel ao menino Welger, a gaveta abarrotada de cartões não era para ele, era, sim, para o coletor de tributos. E me permito completar, talvez, por isso estivessem na repartição e não na sua casa.
Sábio Joel.
Abdon Marinho é advogado.