A SUCESSÃO ESTADUAL E A PILHÉRIA DE CIZINO.
Por Abdon Marinho.
SEMPRE que posso ligo para o ex-deputado Aderson Lago para bater um papo sobre assuntos diversos, principalmente sobre política, assunto que conhece como poucos e sobre o qual possui uma “memória de elefante” sobre fatos, circunstâncias e pessoas. Adquiri este hábito há quase vinte anos, quando ele passou por um tratamento médico em São Paulo. Como ficava muito tempo só, podia receber as ligações e podíamos conversar por horas.
Naquele tempo, quando ainda não havia a comunicação instantânea ao alcance da mão, geralmente aos domingos, lia todos os jornais locais logo cedo e ligava pra ele para trocarmos ideias sobre os acontecimentos.
Hoje, sempre que o tempo permite – pois nossas conversas são longas –, costumamos trocar umas ideias que só enriquecem meus textos e minha memória.
Por vezes, ele começa a contar algo e pergunta: — eu já te contei isso?
Em trinta anos de amizade já conhecemos muitas histórias, entretanto, mesmo que já tenha contado – até mais de uma ou duas vezes –, digo que não para que conte novamente, pois sempre vem um ou outro detalhe que não guardei ou que passou despercebido.
Aderson é uma espécie de arquivo vivo da política local.
Um outro político com quem sempre converso – este mais pelos casos pitorescos –, é o também ex-deputado Marcony Farias.
Não faz muito tempo, estava Marcony no escritório, puxei um assunto com ele.
— Ah, Marcony, fiquei sabendo que os governistas do Maranhão, quase todos me odeiam, um amigo me contou.
Ele olhou para mim, entre a dúvida e o espanto, e disse: — é mesmo?!
Continuei: — pois é, meu amigo, soube que é por conta dos meus textos. Mas você é testemunha que em mais de mil textos, crônicas e cartas que escrevi até aqui, nunca falei mal de ninguém, nunca os ataquei, nunca me afastei da verdade e da opinião isenta …
Marcony atalhou-me com frase cortante: — você é louco?! Você não sabe que não se pode dizer a verdade?
Quase me acabo de rir da conclusão que teve sobre a atração pelo ódio que trago comigo e mudamos de assunto.
Voltando ao amigo Aderson, acho que foi há uns trinta anos – quando trabalhei na ALEMA ou durante a campanha de 1994 –, que ele contou aquela pilhéria que sempre conto aos amigos próximos sobre as três coisas que se deve respeitar.
Tangido pelos acontecimentos e curioso por saber a autoria da pilhéria, que já conto esses anos todos, liguei para Aderson.
— Aderson tu lembras quem era o político que dizia que só tinha três coisas que respeitava? Tu me conteste isso há uns trinta anos.
Aí vem o show da memória:
— Ah, Abdon, quem costumava dizer isso era um cidadão de Bacabal chamado Cizino, ele não era político, era “metido” a empresário. Não sei se ainda é vivo. Ele foi casado com a viúva do finado Raimundinho lá do Povoado Canaã. Era ele que costumava dizer que só tinha três coisas que respeitava: governo, rio cheio e p… duro.
Acredito que tais fatos e que ele tenha ouvido tal pilhéria lá pela primeira metade dos anos sessenta, quando era um adolescente e seu tio Benu Lago (Benedito de Carvalho Lago), era o prefeito daquela urbe (1961 a 1966).
Por baixo, é uma história com quase 60 anos que conta com a precisão de fatos ocorridos ontem.
Além da história, de todo o resto, só pareceu familiar o Povoado Canaã, lugarejo onde o tio do meu sócio, Walter Lima Gomes, ex-prefeito de São Luís Gonzaga, possuía uma linda propriedade.
A pilhéria de Cizino, conforme já contada e recontada inúmeras vezes é a seguinte:
Dizia Cizino: — doutor, só tem três coisas que respeito: o rio cheio; o governo e p … duro. Prosseguia explicando ao interlocutor ou numa roda de conversas: o rio cheio, você tá vendo aí o Mearim, quando enche, vem destruindo tudo, expulsando as famílias, destruindo as plantações, quando rio está cheio, você respeite; o governo, você também sabe, governo pode tudo, prende, solta, demite, admite, nomeia, transfere, faz coisas que até Deus duvida, governo é governo, você respeite. Dava uma parada e esperava pela curiosidade de alguém da audiência. Se algum perguntava: — e p… duro, Cizino? Ele não se fazia de rogado e virando-se para interlocutores, prosseguia: — você vira para um lado tem gay, vira para outro um veado – virando a cara para os que o cercava –, quando você vê alguém de p … duro mesmo, você respeite.
E caía na gargalhada juntamente com os demais que já conheciam a pilhéria.
Quando, lá atrás, lembrei da pilhéria e perguntei a Aderson, foi a propósito da articulação política dos governistas com vistas as próximas eleições.
Como na pilhéria, o “governo agiu como governo”. Ou, nas palavras de Aderson Lago, em situações análogas, atirou sem “tomar chegada”.
Em pouco tempo tirou dos principais adversários aliados que se prometeram juras de amor eterno.
Foram articulações bem eficientes e eficazes a tal ponto de um amigo, destes que perde o amigo mas não a piada, dizer-me, a propósito de uma certa jogada: — Abdon, acho que nesta articulação “empenharam” um dos leões que ornamentam a entrada do palácio.
Rindo da graça completei: — é possível, mas ainda tem o outro. Rsrs
Muito embora seja reconhecida a maestria dos articuladores governistas na atual transição, não existe eleição fácil – pelo menos não são comuns –, e até a consagração nas urnas muita coisa pode acontecer.
Aliás, eleição fácil, ainda das conversas com Aderson Lago, só a de 1986, quando praticamente todas forças políticas estatais, governo federal, estadual, se uniram em torno da candidatura de Cafeteira. Segundo ele, era uma festa, os coordenadores de campanha pensavam em uma coisa e logo ela se “materializava” como se fosse mágica.
Uma outra “eleição fácil” essa contra os clientes com os quais trabalhava foi a de 1998, quando Roseana Sarney reelegeu-se “sem sair de casa”, derrotando Cafeteira.
Na atual quadra política, apesar das hostes governistas terem feito com certa eficiência o “dever de casa” o avanço da campanha e do xadrez político outros “talentos” precisam ocorrer, entre os quais o do atual governador “fingir” que não governa de sorte a manter inquebrável a aliança com o antecessor.
Em outras palavras, não só ele mas os “seus” manterem excessiva discrição no exercício das suas funções evitando quebrar os cristais que representam tais relações – ainda mais com os adversários apostando e trabalhando para fomentar as intrigas e cizânias.
Apesar de, como dizia Cizino, “governo ser governo”, e talvez até reforçando tal assertiva, a política do Maranhão registrou um fato inédito, pelo menos para quem acompanha a política desde a redemocratização do país, em 1984.
Não me recordo, em nenhuma das eleições que assisti e até trabalhei como advogado, da união de quase todos os partidos políticos do campo oposicionistas em torno de uma candidatura ao Senado da República.
Este é um acontecimento político “especial” e emblemático.
Se analisarmos bem, há cerca de um mês o senador Roberto Rocha, atual titular da vaga em disputa nas eleições de outubro, não tinha sequer legenda, grupo político estruturado ou qualquer outra condição que o colocasse na disputa majoritária de forma “viável”.
Em menos de um mês, estava apresentando em coletiva de imprensa que será candidato à reeleição com o apoio de, nada menos, que onze partidos e de quatro candidatos ao governo estadual.
Como deixar de reconhecer que esse é um fato político extraordinário? De repente, um político que não tinha um partido que lhe abrigasse passa a ter onze e quatro candidatos ao governo lhe apoiando, onde pelo menos três destes têm chances de disputar o segundo turno.
É bem provável que nós, os comuns mortais, jamais saibamos dos bastidores desta que ao meu sentir, foi a mais bem sucedida articulação política, no Maranhão, desde a redemocratização do país, repito.
Resta-nos especular o que podemos fazer usando os próprios adágios da nossa política.
Aquele antigo político maranhense costumava dizer que jabuti em cima de árvore ou foi enchente ou mão de gente.
Embora estejamos em tempo de rios cheios, acredita-se que o milagre da multiplicação dos partidos deu-se pela mão federal, no caso aquela mesma mão que prometera “varrer o comunismo do Maranhão”.
O que antes poderia parecer um arroubo retórico, imagino, ainda na especulação, que tenha se transformado numa ação prática em benefício do senador maranhense ou mais que isso, contra a pretensão do ex-governador virar senador da República.
Se assim for, estamos apenas no princípio de uma “partida” que será jogada sem limites de valores, pois como dizia Cizino “governo é governo” e esse “cimento” – que une tanta gente e partidos em torno do senador petebista para derrotar o socialista –, “é federal”.
Como dizia, tudo isso é no campo da especulação, pois os “jogadores da política” fazem suas apostas conforme seus interesses e instinto de sobrevivência.
O apoio dispensado agora, além das contrapartidas presentes, é uma moeda para uma retribuição futura.
E, por fim, valendo-me de outro adágio, este de meu pai, que dizia: — meu filho, no Maranhão o que dinheiro ou “taca” não resolver, você pode ter certeza, é porque foi pouco.
O jogo está apenas no início, aguardemos os próximos lances.
Abdon Marinho é advogado.