UMA FALSA POLÊMICA NA SUCESSÃO ESTADUAL.
Por Abdon Marinho.
POLÊMICA é o substantivo feminino que significa discussão sobre ideias ou pensamentos que causa divergências; altercação, contestação ou ainda, discussão ou debate no mundo das ideias, conforme conceituação dos dicionários nacionais.
Uma falsa polêmica, logo, é uma discussão sobre um pensamento que não causa qualquer divergência uma vez que não há motivação contraditória.
Ainda no fim de semana que produzo o presente texto, vejo em alguns meios de comunicação ou mesmo grupos de conversa por aplicativos, uma falsa polêmica em curso: a que trata de uma suposta inelegibilidade do presidente da Assembleia Legislativa por conta do afastamento do governador Carlos Brandão para tratamento de saúde em outro estado da federação.
Como o governador era vice, o primeiro na linha sucessória seria o presidente da Casa de Manoel Bequimão.
Há cerca de quinze dias um jornalista me perguntou o que achava.
Foi uma simples pergunta através de um aplicativo, que respondi de forma igualmente suscita: — olha muito embora respeite os que pensam diferente, ao meu sentir, a inelegibilidade não pode ser atraída desta forma.
Esqueci do assunto e até pensava que o presidente da Assembleia Legislativa estava em pleno exercício da sua presidência.
Só na semana passada soube que ele, o presidente, se encontrava fora do estado, supostamente, temendo que se pisasse no estado ficaria inelegível.
E, não apenas ele, irmã, esposa e, até mesmo, um papagaio de estimação que pretende fazer incursão pela política.
Custei a acreditar, aliás, custo a acreditar que isso tenha se dado. Até porque, como presidente de um poder o presidente é assessorado por competentes advogados e procuradores, com conhecimento profundo do direito eleitoral.
Se, por um momento, chegaram a pensar ou a sugerir que o presidente poder-se-ia tornar-se inelegível pelo simples fato de encontrar-se no estado mesmo com o presidente do Tribunal de Justiça exercendo a interinidade plena do cargo de governador, acredito que tenha se dado por excesso de cautela.
Seria uma espécie de bi inelegibilidade: a do presidente da Assembleia e a do presidente do TJMA – e seus parentes –, que estava (está) ocupando o cargo de governador.
A suposta inelegibilidade nunca ocorreu e a discussão em torno do tema, ao meu sentir, não passou de uma falsa polêmica, dentre tantas outras que povoam às vésperas de eleições.
Quando, mesmo de longe, assisto essas coisas invariavelmente lembro de uma aula do professor Alberto Tavares, ministrada numa manhã de terça-feira na Universidade Federal do Maranhão.
Dizia o mestre, com outras palavras: —a lei e a interpretação jurídica devem ser de tal forma simples que o homem médio seja capaz de compreender e aceitar como razoável.
Uma lição que nunca esqueci e que venho aplicando nestes últimos trinta anos.
Sempre que me deparo com uma situação jurídica me pergunto se o homem médio acharia razoável o encaminhamento dado a ela, tanto pela lei quanto pelos tribunais.
Claro que isso nem sempre é possível, sobretudo, nos dias atuais em que, muitas das vezes, a lei nada mais é do que aquilo que pensa o juiz, o desembargador ou o ministro, que ela seja.
Como a lei tornando-se o que pensa os seus aplicadores, os seus destinatários, também, passaram a achar que podem interpretá-la ou contorcê-la aos seus desígnios e filiações ideológicas e políticas.
Daí os dias difíceis que vivemos na atualidade.
Voltando à falsa polêmica envolvendo o presidente da Assembleia, li em algum lugar que o afastamento do governador para tratamento de saúde o estaria prejudicando, pois o mesmo não estava podendo fazer sua campanha ao cargo de deputado estadual.
Achei bisonha a colocação, mas não dei crédito.
Quando trabalhei na Assembleia Legislativa, de 1991 a 1995, lembro de ter acompanhado um ou dois casos de escusas a assunção de cargo, nenhum, claro de governador, mas que pela simetria poderia ser aplicada.
Em um dos casos, o cidadão era vereador da capital e ficara numa das primeiras suplências. Com o afastamento do titular e suplente para assumir algum cargo ou por motivo de saúde, ele foi chamado a assumir o cargo de deputado e apresentou a escusa de assumir naquele momento para não perder o mandato de vereador, sem prejuízo de assumir caso surgisse uma outra oportunidade ao término da legislatura na Câmara Municipal.
Se não me falha a memória, o caso a que refiro deu-se com o vereador José Joaquim Ramos.
Além do caso, lembro de mais um ou dois no mesmo sentido. Ou seja, já havia precedentes na própria Assembleia de como fazer.
O fato do deputado não ter assumido agora não lhe tirou o direito de vir assumir noutra oportunidade, caso surja e se assim desejar.
Não existe aquela história das brincadeiras infantis de: “foi ao vento perdeu o assento”. Rsrsrs.
De igual modo não precisaria ausentar-se do estado para furtar-se a assumir, bastaria, como parece que fez agora, comunicar sua impossibilidade de assumir para não ficar inelegível nas eleições que se avizinham.
O parágrafo sétimo do artigo 14 da Constituição estabelece a inelegibilidade motivadora da falsa polêmica: “§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
Vejam que a Constituição é clara ao estabelecer quem são os inelegíveis em virtude da jurisdição do titular do mandato ou de quem o haja substituído nos seis meses anteriores ao pleito. Diz claramente: “ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
Embora exista quase uma unanimidade na crítica à redação da Lei das Inelegibilidades, a Lei nº. 64/1990, ela vem no mesmo sentido – e não poderia ser diferente: “§ 3° São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
Não tendo o presidente da Assembleia “substituído” o governador não há que se falar em inelegibilidade, para si ou para qualquer um dos listados na Constituição.
Não existe a “inelegibilidade por presunção” ou pelo fato do cidadão encontrar-se legalmente na ordem sucessória.
Nesta linha de raciocínio – e porque assim manda a Constituição –, estão inelegíveis os parentes até segundo grau ou por adoção do governador Carlos Brandão, bem como, os parentes na mesma situação, do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Paulo Velten.
Claro que toda esta falsa polêmica teria sido evitada se desde o primeiro dia o presidente tivesse feito um requerimento de dois parágrafos dizendo que não tinha interesse em assumir o cargo de governador por motivo de força maior, sem prejuízo de vir a fazê-lo noutra oportunidade.
Mas, na política tudo pode acontecer, inclusive nada, ou, como dizia Vitorino Freire, “no Maranhão até boi ‘avoa’”.
Abdon Marinho é advogado.