PEDE PRA SAIR, QUEIROGA!
Por Abdon Marinho.
PARECE que estou ficando velho. Sou de um tempo em que as pessoas cultivavam o amor próprio, o autorrespeito, zelo pelo bom nome.
Ainda lembro do meu saudoso pai dizendo que o maior patrimônio de um homem era o seu nome. Dizia também que “quem muito se abaixa o fundo aparece”.
Apesar de ouvir tais coisas há, no máximo, trinta ou quarenta anos, parecem saídas de filmes ou séries de época, tal a distância em relação aos dias atuais.
Vejo cidadãos para quem tais coisas mas parecer refletir um comportamento de abobados.
Vejo pessoas, que todos sabem ladrões portarem-se como se fossem os paladinos da moralidade. Querem enganar a quem? Será que não sabemos que fizeram fortuna desviando os recursos públicos, matando pessoas nas filas dos hospitais, negando o conhecimento e o futuro de crianças, negando alimentos a uma multidão de famintos?
Como se fôssemos tansos, exibem-nos suas fortunas conquistadas às custas do suor e das lágrimas de milhões de brasileiros.
Outros, escravizados pelo chamado status ou pela fama dos cargos, pouco ligam para o amor próprio, pelo zelo do nome e acabam por perder o respeito dos demais e o próprio autorrespeito.
Vejam o caso do “ainda” ministro da saúde, Marcelo Queiroga.
Na sua página na internet, o Ministério da Saúde, apresenta o titular da pasta, no que interessa, da seguinte forma:
“Médico cardiologista, Marcelo Queiroga foi presidente da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI), sendo membro permanente do seu Conselho Consultivo. Integra, desde os anos 90, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba na qualidade de Conselheiro Titular, tendo ocupado a diretoria por duas ocasiões. No Conselho Federal de Medicina, foi membro da Comissão de Avaliação de Novos Procedimentos em Medicina, por 4 anos. Atualmente, preside a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).Natural de João Pessoa (PB), Queiroga é formado em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba (1988)”.
Muito embora não seja um currículo de grande vulto, dele sequer precisaria se lhe sobrasse zelo pelo bom nome, o amor próprio e o autorrespeito.
Imagine que você – seja que profissão tenha –, seja contratado para fazer um trabalho e o seu contratante não se ocupasse de outra coisa que não fosse sabotar a sua missão, fazer justamente o oposto do que você, o profissional contratado, recomenda.
O que você faria?
Imagine que você, emprestando seu nome a uma missão fosse tratado com desrespeito ou menosprezo.
O que você faria?
Para as duas perguntas, se você tem um pouco de pudor – a velha e desusada vergonha na cara –, o que lhe resta é agradecer e pedir para sair. Pode fazer usando qualquer desculpa, inclusive, ignorando os reais motivos.
Pois bem, após a desastrada gestão do general Pazuello frente ao Ministério da Saúde, o senhor Queiroga assumiu a pasta com a missão de emprestar seu nome, sua técnica e conduzir-nos nesta que é a maior crise sanitária de todos os tempos.
Disse que iria se guiar pela ciência respeitando os protocolos já usados e que renderam resultados nos outros países.
Talvez envaidecido pelo prestígio do cargo de ministro de estado, o senhor Queiroga tenha esquecido de combinar com o chefe, o senhor Bolsonaro e, por isso, se tiver vergonha, deve passar sofridos constragimentos.
Desde que assumiu o “chefe” não passa um dia sem desafiar as regras preconizadas pelo Ministério da Saúde como essenciais para o combate à pandemia. Dia sim e no outro também promove desnecessários eventos com aglomerações; tem ojeriza ao uso de máscaras e, nem a título de exemplo e para inspirar os seguidores, consegue usá-las – no Brasil pois no estrangeiro usa –, sem contar que não cessa de prescrever medicamentos para a COVID já descartados pela ciência e pelo resto do mundo há mais de ano.
Como se todo o conhecimento científico do mundo estivesse errado e só ele certo, não cessa no absurdo.
E o que faz o ministro da saúde que prometeu se guiar pela ciência? Nada.
Como desculpa diz não ser censor do presidente.
Que o tratamento à base de medicamentos recusados pelo mundo científico permanece no site do Ministério da Saúde, por seu conteúdo “histórico”.
Ora, se nem o empregador está disposto a seguir a recomendação do seu ministro, o que faz ele no cargo?
Não fica constrangido ao pedir para a patuleia adotar um comportamento que nem o seu empregador e, em tese, principal interessado no êxito do serviço, adota?
Não sente constrangimento por convidar alguém para um cargo do Ministério e a pessoa não ser nomeada por falar a língua da ciência que jurou seguir?
Pior, ter que manter uma equipe que passa longe dos postulados científicos.
A falta de envergadura moral – pois se tivesse, já teria entregue o cargo há muito tempo –, faz com que o seu chefe aumente o nível de humilhação pública.
A última – mas não a derradeira –, foi referir-se ao ministro de estado do seu governo como “um tal de Queiroga”.
Neste caso, a humilhação significa a desmoralização do próprio governo e do seu presidente. Eu, presidente, não nomearia um “tal de coisa alguma” para o meu governo.
Um médico, presidente disso ou daquilo, ex-dirigente de entidade assim ou assada, aceitar o tratamento de “um tal de Queiroga”!?
O ministro, fazendo jus ao que disse meu pai, já tendo se abaixado tanto, talvez não tenha achado nada demais na forma desrespeitosa como foi tratado pelo presidente/chefe. Tivesse vergonha na cara teria cobrado respeito.
Mas o desrespeito – que a muitos soaria como insulto –, veio acompanhada de uma “ordem” das mais exdrúxulas – para o momento.
O presidente da República do país em que estão morrendo quase duas mil pessoas por dia pela pandemia, com a soma total se aproximando de meio milhão de vidas perdidas e onde a vacinação agora que alcançou 11% (onze por cento) com duas doses, disse que recomendara ao “tal Queiroga” que ultimasse um parecer visando a dispensa do uso de máscaras pelas pessoas já infectadas e/ou que já tenham sido imunizadas.
Desnecessário dizer que não existe qualquer amparo científico ou lógico para a “ordem” transmitida para o “tal Queiroga”. Tanto assim que a comunidade científica, não apenas do Brasil, mas do mundo, reagiu com estupefação à ideia de sua excelência.
O “tal Queiroga”, entretanto, além de não fingir indignação, confirmou o parecer, apenas ressalvando que seria um estudo para o “futuro”.
Diante da reação de autoridades e cientistas, o próprio presidente ensaiou uma meia-volta, no dia seguinte disse que essa “recomendação” dependeria de aceite de governadores e prefeitos já que ele, presidente, “não apitaria nada nessa questão”.
Apesar de todas essas humilhações públicas e até desrespeito, o tal Queiroga – agora sem aspas –, parece que ainda não se deu por achado ou que a sua coluna pode vergar-se ainda mais.
Conhecesse o sentido da palavra brio já teria pedido o “boné”.
Pede para sair, Queiroga!
Abdon Marinho é advogado.