A TRAGÉDIA, A OMISSÃO E O SILÊNCIO.
Por Abdon Marinho.
QUANDO os Estados Unidos ultrapassaram a trágica marca de 500 mil mortes relacionadas à COVID-19, fato ocorrido em 22 de fevereiro de 2021, o presidente americano, Joe Biden, em solenidade na Casa Branca fez um discurso emocionado onde pontuou: "Hoje atingimos um marco verdadeiramente triste e comovente, mais americanos morreram em um ano nesta pandemia do que na Primeira Guerra Mundial, na Segunda Guerra e na Guerra do Vietnã combinadas, peço a todos os americanos que lembrem. Que se lembrem daqueles que perdemos e daqueles que eles deixaram”.
Encerrou o pronunciamento, visivelmente emocionado assentando: "Como nação, não podemos aceitar um destino tão cruel. Enquanto lutamos contra esta pandemia por tanto tempo, temos que resistir a nos tornarmos entorpecidos pela tristeza", continuou. "Devemos acabar com a política de desinformação que dividiu famílias, comunidades e o país. Isso já causou muitas vidas. Temos que lutar contra isso juntos como um só povo."
Após o pronunciamento, o presidente, a vice-presidente, seus cônjuges e todas as demais autoridades e pessoas presentes à cerimônia fizeram um minuto de silêncio e o presidente decretou luto oficial de cinco dias e que as bandeiras americanas fossem hasteadas a meio mastro em honra das vítimas.
O presidente americano fez o que é normal a um chefe de nação fazer diante de uma tragédia: demonstrar empatia pelos que perderam a vida e aos seus familiares e, ainda, confortar a sociedade.
Noutras palavras, demonstrar solidariedade.
Há uma semana, em 19 de junho, foi a vez do Brasil completar a triste marca: 500 mil vidas perdidas para a pandemia. Do governante de plantão nenhuma manifestação, nenhuma demonstração de pesar ou solidariedade.
As bandeiras permaneceram hasteavas como se nada tivesse acontecido.
Luto, nem pensar.
Apenas dois dias depois do registro, assim mesmo mesmo por ter sido provocado, o presidente da República disse lamentar os mortos.
Disse isso de forma enviesada e pouco antes de agredir verbalmente uma jornalista que lhe perguntou o motivo pelo qual não estava usando máscara ao chegar à cidade e um veículo de comunicação, numa das cenas constrangedoras que se tem notícia na história da República.
Para completar a desgraça ainda teve uma manifestação deplorável – para dizer o mínimo –, do ministro das comunicações “reclamando” da solidariedade prestada às vidas que se perderam na pandemia e não aos milhões de pessoas que se salvaram.
A estupidez parece-me fez morada no atual governo.
Criticar a solidariedade prestada a tantas vidas perdidas, confesso, é inédito.
O normal é que as pessoas vivam e morram “no tempo certo” e não que tenham a vida ceifada prematuramente em uma pandemia.
Assim, muito embora deva-se celebrar a vida é impensável que não se lamente os mortos, sobretudo, quando são tantos.
Já não cabem nos dedos das minhas mãos a soma dos amigos que perdi. Pessoas próximas, com quem partilhávamos ideias, batíamos papo e tomávamos um cafezinho.
No dia seguinte à triste marca um desses amigos, que foi na primeira onda da pandemia, no ano passado, completaria 62 anos.
Como não sentir a partida de tanta gente querida e lamentar?
No curso do ano quantos mais não foram?
Na última semana mais uma amiga partiu na juventude de seus 48 anos.
Agora mesmo uma prima, um amigo … e tem sido assim todos os dias há mais de um ano.
O governo, infelizmente, desde o início da pandemia age como se ela fosse um instrumento político criado para destruí-lo.
E, “fechado” em tal ideário comporta-se como se as vítimas fossem culpadas por suas mortes, daí não demonstrar qualquer solidariedade, empatia ou respeito.
— Vão chorar até quando? Vão continuar a agir como um bando de “maricas” até quando? Não foi isso que disse o presidente em uma de suas manifestações intempestivas?
Não bastasse a falta de empatia e sentimento pelos que partiram e pelos que ficaram, o presidente da República e o seu governo fizeram o que podiam para sabotar o combate ao vírus.
Se a nossa população corresponde a 2,7% da população mundial e sozinho responde por 13% dos mortos significa que alguém não fez o “dever” de casa como deveria.
Esse alguém é o governo, é, principalmente, o presidente, o chefe da nação, o cidadão encarregado pelo povo brasileiro para chamar para si a responsabilidade.
Não assumiu suas responsabilidades, se escondeu e se esconde atrás de narrativas desmentidas reiteradas vezes enquanto dia após dia se encarrega de sabotar o trabalhos dos outros.
Na CPI da COVID os cientistas ouvidos afirmaram que milhares de vidas teriam sido poupadas se os governantes brasileiros apenas tivessem seguido aquilo que outros governos estavam fazendo mundo afora.
Não era fazer nada de extraordinário. Apenas seguir o modelo da média dos demais países.
Nem isso foi feito.
Quantas vidas teriam sido poupadas? Cem mil, duzentas mil, quatrocentas mil vidas, como afirmou um dos cientistas?
A estratosférica quantidade de mortos – logo, logo o Brasil vai ultrapassar os EUA no cômputo do número de vítimas –, é fruto da negligência, da incompetência e agora, sabe-se, também, da corrupção.
Agora mesmo estamos sabendo que enquanto o governo “se escondia” de propostas sérias para comprar vacinas, nos bastidores alguém corria para lucrar com um imunizante fajuto, reprovado pela Anvisa e superfaturado.
Mais grave de tudo isso: com o conhecimento das principais autoridades do país, inclusive do presidente da República.
Os depoimentos dos irmãos Miranda – um deputado federal e o outro servidor de carreira do Ministério da Saúde –, não deixam dúvidas de que sua excelência tinha conhecimento de um esquema milionário envolvendo a importação de um tipo de vacina, sabia até o nome de um dos que estavam na “armação”, coincidentemente, citou o nome do líder do seu governo, soube da pressão “atípica” que o funcionário sofreu para autorizar pagamento adiantado e tantas outras irregularidades.
Além de não ter feito nada, diante da denúncia grave, ao invés de, ainda com atraso, mandar apurar os crimes em série, fez o contrário.
Conforme confessado pelo ministro da Casa Civil, mandou investigar/intimidar os denunciantes.
Aliás, vimos até enjoar a “tropa de choque” do governo tentando intimidar e constranger aquelas pessoas que traziam fatos sérios envolvendo recursos públicos em meio a uma tragédia.
Os mesmos que durante meses apontaram suas “armas” contra os governadores e prefeitos, acusando-os de terem desviado os recursos da pandemia – e se forem culpados deverão ser processados, condenados e presos –, mesmo sabendo do conluio para roubarem recursos públicos, fizeram ouvidos moucos.
Pelas informações que começam a circular certamente o presidente não se omitiu apenas pelo suposto envolvimento do líder do governo, existem outras pessoas próximas a si a figurarem neste enredo macabro.
Já se tem notícia do envolvimento dos advogados que servem ao presidente e sua família nas intermediações das vacinas superfaturadas e que nunca chegaram e que, aliás, a Anvisa nem aprovou em definitivo.
E dirão: — ah, mas não existiu corrupção, as vacinas não foram entregues e nem um centavo foi pago.
Isso é verdade. Mas se o ladrão já praticou todos os atos para roubar a minha casa e na hora de sair com os bens é impedido pelo guarda da rua, ele não deixou de ser ladrão.
O roubo de mais de um bilhão de reais, quase dois bilhões de reais, não foi consumado porque, graças a Deus, um servidor público se recusou a chancelá-lo.
O mesmo servidor que o governo prometeu colocar a Polícia Federal no encalço.
O servidor foi guarda da rua.
O Brasil hoje é o “covidário” do mundo, onde morrem mais pessoas.
Existem culpados para essa tragédia. Culpados por ação. Culpados por omissão. Culpados por não terem sido capazes de fazerem o óbvio e o básico.
O Brasil tem um encontro marcado com a história.
Abdon Marinho é advogado.