BRASIL: Do Grito do Ipiranga ao C… .
Por Abdon Marinho.
DAQUI a pouco mais de um ano, em 7 de setembro de 2022, o país celebrará o bicentenário da sua independência de Portugal que, para os registros históricos, teria sido marcado com a frase do Imperador D. Pedro I: “independência ou morte”, supostamente proferidas às margens do Riacho Ipiranga, por isso popularmente conhecido como o “grito do Ipiranga”. Alguns dizem, entretanto, que a independência teria começado na verdade com a recusa do príncipe regente em atender as determinações da Corte portuguesa para retornar a Portugal, ocorrido em 9 de janeiro daquele e que ficou marcada pela frase: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico".
Após a abdicação de D.Pedro I, em 1831, com apenas 5 anos de idade, o filho caçula, Pedro, torna-se príncipe regente, tendo como tutor José Bonifácio de Andrada. Em 1840, com 15 anos, Pedro é declarado maior de idade e coroado imperador com o nome de D. Pedro II, dando início ao Segundo Reinado que durou até a proclamação da República em 1889. O imperador do Brasil foi motivo de muito orgulho e respeito para o país mundo a fora por conta da sua inteligência, sabedoria, senso democrático, respeito à liberdade de expressão e de opinião. É dele as seguintes frases: “Se não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro”; “Enquanto se puder reduzir a despesa, não há direito de criar novos impostos”; "Deus que me conceda esses últimos desejos — Paz e Prosperidade para o Brasil"; “Despesa inútil é furto a nação”; e tantas outras.
Com a proclamação da República, muitos presidentes e seus governos foram marcados por alguma frase dita em determinado momento.
Deodoro da Fonsêca, primeiro presidente da República, marcou seu período presidencial com críticas à República que proclamara. Dizia que a solução para a estabilidade do país era a monarquia.
São de Getúlio Vargas as frases: “Quanto menos alguém entende, mais quer discordar...” e “Saio da vida para entrar na história”, escrita na sua famosa carta-testamento.
O grande presidente Juscelino Kubitscheck é autor das frases: “Um governo forte se faz perdoando” e “Creio na vitória final e inexorável do Brasil, como nação”.
Outro grande frasista foi Jânio Quadros, das quais destacamos: “Intimidade gera aborrecimentos ou filhos. Como não quero aborrecimentos com a senhora, e muito menos filhos, trate-me por Senhor”.
O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, dentre outras é o autor da seguinte frase: “A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifestações de rua e desorganizar a economia”.
O presidente Ernesto Geisel, que iniciou a abertura democrática no país é o autor da seguinte frase: “É muita pretensão do homem inventar que Deus o criou à sua imagem e semelhança. Será possível que Deus seja tão ruim assim? Eu sou um sujeito profundamente democrático”.
O último presidente do ciclo militar, o presidente João Figueiredo, que possuía um dos mais irascíveis temperamentos é o autor de frases como: “prefiro o cheiro de cavalos ou do povo”; “Vou fazer deste país uma democracia” e “A única solução é dar um tiro no coco”, quando perguntado sobre o que faria se recebesse um salário mínimo.
O maranhense José Sarney, assumiu a presidência da República em virtude da doença de Tancredo Neves, em 15 de março de 1985, dentre as suas frases prediletas tinha aquela que dizia da necessidade de se respeitar a liturgia do cargo. Uma outra frase dele, que considero interessante é: “Sou apenas um menino do Maranhão que o destino disse: vai José, ser Presidente!”.
Sarney é sucedido por Fernando Collor, primeiro presidente eleito diretamente pelo povo após o regime militar (Tancredo/Sarney foram eleitos pelo Colégio Eleitoral) tinha como mote o combate à corrupção – visto de hoje parece uma piada de mau gosto –, uma das suas frases era: “O meu primeiro ato como presidente será mandar para a cadeia um bocado de corruptos”, dita ainda durante a campanha. Uma outra, que até tornou-se precursora dos memes de hoje foi: “Eu tenho aquilo roxo!”, dita quando acossado pelas denúncias da corrupção que prometera combater assim que chegasse ao governo.
Fernando Henrique Cardoso que sucedeu ao governo Collor/Itamar na esteira do Plano Real, que debelou a inflação, tinha frase bem interessante sobre isso que dizia: “Não é a moeda forte que faz o país. O país é que faz a moeda forte!”, uma outra de sentido mais filosófico, diz: “Cada um tem que inventar sua resposta. Dar sentido a sua vida. A vida, em si, não tem sentido. Cada um tem que construir o seu sentido. E vai sofrer para encontrar”.
O FHC foi sucedido pelo senhor Luís Inácio Lula da Silva, que legou as seguintes frases para a posteridade: “Precisamos vencer a fome, a miséria e a exclusão social. Nossa guerra não é para matar ninguém - é para salvar vidas!”, “Na primeira vez que me perguntaram se eu era comunista, respondi: "Sou torneiro mecânico" e, ainda, a igualmente famosa: “Eu não sabia”, quando confrontado com as incontáveis denúncias de corrupção do seu governo.
O senhor Lula é sucedido pela senhora Dilma Rousseff, autora de frases impagáveis e que entraram para os anais do anedotário nacional. Dentre as quais: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder” ou “Nós não vamos colocar uma meta. Nós vamos deixar uma meta aberta. Quando a gente atingir a meta, nós dobramos a meta” ou “Na vida a gente não sobe de salto alto”.
A senhora Dilma disse, também coisas com algum sentido, do tipo: “Nós acreditamos que, sempre, em qualquer situação, é muito melhor o diálogo, o consenso e a construção democrática do que qualquer outro tipo de ruptura institucional” e “Nós convivemos com a democracia. E quem tem democracia quer sempre mais democracia”.
Listei essas frases, manifestações, mesmos as mais intempestivas, para dizer que nada, nada mesmo, nenhuma fala, de imperadores a presidentes da República, nos quase duzentos anos em que existimos enquanto nação soberana, se aproximou, chegou perto da manifestação escatológica do presidente do país na última semana.
Acho que nem mesmo o general Figueiredo, de quem o atual donatário da República mais se aproxima, por sua ignorância e arroubos autoritários, apesar de tudo que chegou a dizer enquanto se encontrava no exercício da presidência – e olha que disse horrores –, chegou perto do que disse o atual presidente na última quinta-feira, 8, em rede mundial de computadores – e depois reproduzidas em todas as mídias.
Quem, em sã consciência, acha razoável que um presidente da República diga no horário do jantar da família brasileira que “c…, sim c… para a CPI”?
Primeiro que um presidente da República é exigido que jamais atente contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”, conforme estabelece o artigo 85, II, da Constituição Federal.
Uma regra, apesar de não constar no supra citado artigo, é o presidente da República deve respeito ao cargo que ocupa e porte-se com decoro, pois é o espelho da nação que representa.
Não é admissível que um presidente da República, mesmo que coberto de razão (o que não é o caso), ocupe um espaço na mídia para dizer que está “c…” para isso ou aquilo.
É inaceitável que se chegue a esse nível de baixeza e descontrole emocional.
O país não pode aceitar como normal esse tipo de comportamento da maior autoridade do nação, do cidadão que investido no cargo, fala pelo povo brasileiro.
Se os cidadãos de bem não conseguem mais indignar-se com tal tipo comportamento é porque, certamente, já habitam a mesma latrina de quem profere tamanha boçalidade.
Encerrando o presente texto, faço uso das frases de Tancredo Neves, que foi presidente sem ter a chance de governar, e que dizia: “O processo ditatorial, o processo autoritário, traz consigo o germe da corrupção. O que existe de ruim no processo autoritário é que ele começa desfigurando as instituições e acaba desfigurando o caráter do cidadão”, “Esperteza, quando é muita, come o dono” ou ainda: “Cada governo tem a oposição que merece. A um governo duro, intransigente e intolerante corresponde sempre uma oposição apaixonada, veemente e destrutiva”.
Abdon Marinho é advogado.