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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sexta-feira, 01 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A CPI E A PANDEMIA. 

Por Abdon Marinho.

COMO advogado e como cidadão tenho acompanhado desde a redemocratização do país o instituto das Comissões Parlamentares de Inquéritos, as CPI’s.

Estava trabalhando na Assembleia Legislativa durante a CPI dos Fies Depositários, depois acompanhei a CPI da Pistolagem.

No cenário nacional acompanho desde a  CPI dos Anões do Orçamento; a CPI da Corrupção; e tantas outras.

A respeito das CPI’s sempre me vem à lembrança de uma frase do saudoso deputado Ulysses Guimarães (1916 - 1992), proferida ainda no século passado – quando se podia dizer certas coisas sem temer qualquer reprimenda ou censura. 

Dizia o velho Ulysses: “Uma CPI é o oposto do sexo”, e se alguém perguntava a razão de tão inusitada comparação, o timoneiro respondia: “sexo, até quando é ruim é bom; já uma CPI até quando é boa é muito ruim”.

O atual presidente da República é bem provável que tenha tido pouco ou nenhum contato com o experimentado deputado – tendo iniciado seu primeiro mandato de deputado federal em 1991, representando alguma franja radical deve ter se incorporado à “turma do fundão” do Congresso Nacional, sem contar que Ulysses pereceu em 1992 –, e, portanto, não tenha tido a chance de aprender nada com ele. 

O Brasil assiste aos desdobramentos da mais importante Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI já instalada em qualquer tempo no nosso país: a chamada CPI da Pandemia, que tem por objetivo apurar as responsabilidades das autoridades federais na condução da maior crise sanitária já ocorrida no mundo em qualquer tempo da nossa história e que, só aqui, já ceifou mais de meio milhão de vidas.

O papel e relevância dessa CPI ultrapassa, até mesmo, a estatura moral dos seus integrantes/ investigadores. 

Conhecemos o tipo de parlamentar que temos no Brasil, os que compõem a CPI são uma síntese do Senado da República eleito pela maioria dos cidadãos brasileiros. 

Se devem à Justiça, à ética ou a decência – o que é fato –, não se pode alegar que não tenham passado pelo crivo da escolha popular pelos “donos do poder originário: o povo”. 

Faço essa digressão para espantar a argumentação de que os membros da CPI não possuiriam “moral” para investigar “ninguém” como dizem aqueles que temem o resultado das investigações. 

O Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, é a instância mais legitimada para apurar e apontar as falhas de quem por ventura tenha falhado, pois é legitimado pelo povo através de eleições regulares realizadas a cada quatro anos. 

Ah, os parlamentares brasileiros são corruptos, vagabundos, etc., não duvido disso, mas foram colocados lá para representar o povo, eleitos democraticamente, em eleições que ninguém duvida ou prova serem ilegítimas. 

Logo, têm a legitimidade para exercerem os seus mandatos com todas as garantias e prerrogativas asseguradas pela constituição do país.

Dito isto, esclareço que não me preocupo com a qualidade do investigador, mas sim, com a qualidade  das provas colhidas, se são idôneas, regulares e suficientes para justificar o indiciamento dos investigados pela CPI. 

Nos termos da Constituição Federal, art. 58, o papel das CPI’s é muito claro: “As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.

O que me preocupa, repito, é se a CPI da Pandemia será capaz de cumprir o seu papel constitucional e entregar, de forma incontroversa, conclusões que sirvam para responsabilizar os que cometeram equívocos e/ou crimes na condução da pandemia, a natureza dos mesmos e a sua individualização. 

Como disse anteriormente, acredito que estamos diante da mais importante apuração parlamentar da história do país. Antes as comissões apuraram uns mal havidos aqui e ali; uns desvios acolá.

Agora estamos diante a apuração da responsabilidade pela morte de mais de meio milhão de vidas de brasileiros. É certo que quem matou estas pessoas foi o vírus e suas complicações, mas, é certo, também, que muitos que tinham responsabilidades de combaterem o vírus a ele se uniram para que matasse mais brasileiros. 

A “mãozinha” que deram ao vírus foi por ação, omissão e, pelo que se descobre, de forma deliberada e, também, para roubarem o contribuinte.

O papel da CPI que nos interessa é que identifique essas pessoas e delimite a responsabilidade de cada uma, para que os malfeitores respondam por suas ações e/ou omissões e por seus crimes.

No curso das apurações pela CPI ficamos sabendo que milhares de vidas perdidas poderiam ter sido salvas se o governo não tivesse recusado inúmeras propostas para a compra de vacinas.

Ficamos sabendo, também, que, enquanto brasileiros agonizavam pela falta de oxigênio – e o presidente da República fazia imitações baratas e dolorosas de tal sofrimento –, pessoas do seu governo, nomeadas por ele ou por seus prepostos, tentavam comprar vacinas até pelo triplo do preço para enriquecerem às custas da desgraça e do sofrimento de milhões de cidadãos brasileiros. 

Ficamos sabendo que o presidente tomou conhecimento do que vinha se passado e nada fez – enquanto o pai de alguém, a mãe de alguém, o avô ou avó de alguém, o filho ou neto ou irmão de alguém morria. 

Vejo o presidente, ministros e outros dignatários da República dizerem em suas defesas: — ah, nenhuma vacina foi entregue, nenhum centavo dos recursos públicos foi gasto, não houve crime, não houve improbidade.

Muito pelo contrário, enquanto retardavam a compra de imunizante para “se perderem” em nebulosas negociações, para ganharem dinheiro – é bom que se diga –, perdia-se o bem mais precioso para um país: a vida das pessoas.

Aqui cabe um registro e indagação: alguém fazia ideia do amadorismo, crime e bagunça que estava ocorrendo em plena pandemia no Ministério da Saúde comandado por um “especialista” a logística? 

Ficamos sabendo que qualquer picareta, até mesmo de denominações religiosas, podiam negociar em nome do governo e inflarem os preços  para aumentarem as propinas. 

É um governo ou é a “casa da mãe Joana”?

É isso que precisa ser esclarecido, repito, enquanto se perdia tempo querendo roubar o dinheiro dos contribuintes – essa é a verdade –, vidas de brasileiros eram perdidas. 

Se é ou não verdade que não conseguiram concretizar o roubo, isso não importa. 

O que importa é que as vidas perdidas não serão restituídas. 

Este é o verdadeiro foco das investigações. 

Lembro que lá atrás, em algum texto, disse que não seria necessário uma CPI para apurar as circunstâncias e responsabilidades pelo perecimento de tantas vidas de brasileiros, que bastaria reprisar “a fita” do que vivemos no último ano. 

Estava errado. Hoje, refaço tal posicionamento, muito embora saibamos ou tenhamos uma vaga ideia de como se deu e quem causou o maior morticínio da história do país em todos os tempos, é necessária uma apuração rigorosa dos fatos para sabermos o que se ocultou por trás das ações e das omissões das autoridades. 

Vou além, acho necessário que nos estados e nos municípios, os legislativos também apurem se as suas autoridades agiram com presteza e no tempo certo para evitar que vidas humanas se perdessem em números tão avassaladores. 

Acredito que bem poucos brasileiros, até aqui, tenham escapado de uma história triste para contar de um amigo, um parente, um conhecido que partiu antes da hora. São milhares de famílias mutiladas pela perda de um ou mais ente querido. Em muitos casos, famílias inteiras foram dizimadas. São filhos que perderam os pais quando precisavam de amparo e são país que não mais contarão com o conforto e o amparo dos filhos. 

O Brasil não pode e não tem o direito de esquecer ou colocar para debaixo do tapete uma história tão terrível e grave.

Possuímos o compromisso histórico de aparar as responsabilidades por tamanha tragédia. 

Este é o papel mais importante a ser desempenhado pelos parlamentares brasileiros, representantes do povo, através dos seus instrumentos legislativos. 

Foi para isso que foram eleitos e saberemos cobrar ano que vem. 

Abdon Marinho é advogado.