AbdonMarinho - A CPI E A PANDEMIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A CPI E A PANDEMIA.

A CPI E A PAN­DEMIA.

Por Abdon Marinho.

COMO advo­gado e como cidadão tenho acom­pan­hado desde a rede­moc­ra­ti­za­ção do país o insti­tuto das Comis­sões Par­la­mentares de Inquéri­tos, as CPI’s.

Estava tra­bal­hando na Assem­bleia Leg­isla­tiva durante a CPI dos Fies Depositários, depois acom­pan­hei a CPI da Pistolagem.

No cenário nacional acom­panho desde a CPI dos Anões do Orça­mento; a CPI da Cor­rupção; e tan­tas outras.

A respeito das CPI’s sem­pre me vem à lem­brança de uma frase do saudoso dep­utado Ulysses Guimarães (19161992), pro­ferida ainda no século pas­sado – quando se podia dizer cer­tas coisas sem temer qual­quer repri­menda ou cen­sura.

Dizia o velho Ulysses: “Uma CPI é o oposto do sexo”, e se alguém per­gun­tava a razão de tão inusi­tada com­para­ção, o tim­o­neiro respon­dia: “sexo, até quando é ruim é bom; já uma CPI até quando é boa é muito ruim”.

O atual pres­i­dente da República é bem provável que tenha tido pouco ou nen­hum con­tato com o exper­i­men­tado dep­utado – tendo ini­ci­ado seu primeiro mandato de dep­utado fed­eral em 1991, rep­re­sen­tando alguma franja rad­i­cal deve ter se incor­po­rado à “turma do fundão” do Con­gresso Nacional, sem con­tar que Ulysses pere­ceu em 1992 –, e, por­tanto, não tenha tido a chance de apren­der nada com ele.

O Brasil assiste aos des­do­bra­men­tos da mais impor­tante Comis­são Par­la­men­tar de Inquérito — CPI já insta­l­ada em qual­quer tempo no nosso país: a chamada CPI da Pan­demia, que tem por obje­tivo apu­rar as respon­s­abil­i­dades das autori­dades fed­erais na con­dução da maior crise san­itária já ocor­rida no mundo em qual­quer tempo da nossa história e que, só aqui, já ceifou mais de meio mil­hão de vidas.

O papel e relevân­cia dessa CPI ultra­passa, até mesmo, a estatura moral dos seus integrantes/​inves­ti­gadores.

Con­hece­mos o tipo de par­la­men­tar que temos no Brasil, os que com­põem a CPI são uma sín­tese do Senado da República eleito pela maio­ria dos cidadãos brasileiros.

Se devem à Justiça, à ética ou a decên­cia – o que é fato –, não se pode ale­gar que não ten­ham pas­sado pelo crivo da escolha pop­u­lar pelos “donos do poder orig­inário: o povo”.

Faço essa digressão para espan­tar a argu­men­tação de que os mem­bros da CPI não pos­suiriam “moral” para inves­ti­gar “ninguém” como dizem aque­les que temem o resul­tado das inves­ti­gações.

O Con­gresso Nacional, por qual­quer de suas Casas, é a instân­cia mais legit­i­mada para apu­rar e apon­tar as fal­has de quem por ven­tura tenha fal­hado, pois é legit­i­mado pelo povo através de eleições reg­u­lares real­izadas a cada qua­tro anos.

Ah, os par­la­mentares brasileiros são cor­rup­tos, vagabun­dos, etc., não duvido disso, mas foram colo­ca­dos lá para rep­re­sen­tar o povo, eleitos demo­c­ra­ti­ca­mente, em eleições que ninguém duvida ou prova serem ilegí­ti­mas.

Logo, têm a legit­im­i­dade para exercerem os seus mandatos com todas as garan­tias e pre­rrog­a­ti­vas asse­gu­radas pela con­sti­tu­ição do país.

Dito isto, esclareço que não me pre­ocupo com a qual­i­dade do inves­ti­gador, mas sim, com a qual­i­dade das provas col­hi­das, se são idôneas, reg­u­lares e sufi­cientes para jus­ti­ficar o indi­ci­a­mento dos inves­ti­ga­dos pela CPI.

Nos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­eral, art. 58, o papel das CPI’s é muito claro: “As comis­sões par­la­mentares de inquérito, que terão poderes de inves­ti­gação próprios das autori­dades judi­ci­ais, além de out­ros pre­vis­tos nos reg­i­men­tos das respec­ti­vas Casas, serão cri­adas pela Câmara dos Dep­uta­dos e pelo Senado Fed­eral, em con­junto ou sep­a­rada­mente, medi­ante requer­i­mento de um terço de seus mem­bros, para a apu­ração de fato deter­mi­nado e por prazo certo, sendo suas con­clusões, se for o caso, encam­in­hadas ao Min­istério Público, para que pro­mova a respon­s­abil­i­dade civil ou crim­i­nal dos infratores”.

O que me pre­ocupa, repito, é se a CPI da Pan­demia será capaz de cumprir o seu papel con­sti­tu­cional e entre­gar, de forma incon­tro­versa, con­clusões que sir­vam para respon­s­abi­lizar os que come­teram equívo­cos e/​ou crimes na con­dução da pan­demia, a natureza dos mes­mos e a sua indi­vid­u­al­iza­ção.

Como disse ante­ri­or­mente, acred­ito que esta­mos diante da mais impor­tante apu­ração par­la­men­tar da história do país. Antes as comis­sões apu­raram uns mal havi­dos aqui e ali; uns desvios acolá.

Agora esta­mos diante a apu­ração da respon­s­abil­i­dade pela morte de mais de meio mil­hão de vidas de brasileiros. É certo que quem matou estas pes­soas foi o vírus e suas com­pli­cações, mas, é certo, tam­bém, que muitos que tin­ham respon­s­abil­i­dades de com­bat­erem o vírus a ele se uni­ram para que matasse mais brasileiros.

A “mãoz­inha” que deram ao vírus foi por ação, omis­são e, pelo que se desco­bre, de forma delib­er­ada e, tam­bém, para roubarem o contribuinte.

O papel da CPI que nos inter­essa é que iden­ti­fique essas pes­soas e delim­ite a respon­s­abil­i­dade de cada uma, para que os malfeitores respon­dam por suas ações e/​ou omis­sões e por seus crimes.

No curso das apu­rações pela CPI ficamos sabendo que mil­hares de vidas per­di­das pode­riam ter sido sal­vas se o gov­erno não tivesse recu­sado inúmeras pro­postas para a com­pra de vacinas.

Ficamos sabendo, tam­bém, que, enquanto brasileiros agon­i­zavam pela falta de oxigênio – e o pres­i­dente da República fazia imi­tações baratas e dolorosas de tal sofri­mento –, pes­soas do seu gov­erno, nomeadas por ele ou por seus pre­pos­tos, ten­tavam com­prar vaci­nas até pelo triplo do preço para enrique­cerem às cus­tas da des­graça e do sofri­mento de mil­hões de cidadãos brasileiros.

Ficamos sabendo que o pres­i­dente tomou con­hec­i­mento do que vinha se pas­sado e nada fez – enquanto o pai de alguém, a mãe de alguém, o avô ou avó de alguém, o filho ou neto ou irmão de alguém mor­ria.

Vejo o pres­i­dente, min­istros e out­ros dig­natários da República diz­erem em suas defe­sas: — ah, nen­huma vacina foi entregue, nen­hum cen­tavo dos recur­sos públi­cos foi gasto, não houve crime, não houve improbidade.

Muito pelo con­trário, enquanto retar­davam a com­pra de imu­nizante para “se perderem” em neb­u­losas nego­ci­ações, para gan­harem din­heiro – é bom que se diga –, perdia-​se o bem mais pre­cioso para um país: a vida das pessoas.

Aqui cabe um reg­istro e inda­gação: alguém fazia ideia do amadorismo, crime e bagunça que estava ocor­rendo em plena pan­demia no Min­istério da Saúde coman­dado por um “espe­cial­ista” a logís­tica?

Ficamos sabendo que qual­quer picareta, até mesmo de denom­i­nações reli­giosas, podiam nego­ciar em nome do gov­erno e inflarem os preços para aumentarem as propinas.

É um gov­erno ou é a “casa da mãe Joana”?

É isso que pre­cisa ser esclare­cido, repito, enquanto se per­dia tempo querendo roubar o din­heiro dos con­tribuintes – essa é a ver­dade –, vidas de brasileiros eram per­di­das.

Se é ou não ver­dade que não con­seguiram con­cretizar o roubo, isso não importa.

O que importa é que as vidas per­di­das não serão resti­tuí­das.

Este é o ver­dadeiro foco das inves­ti­gações.

Lem­bro que lá atrás, em algum texto, disse que não seria necessário uma CPI para apu­rar as cir­cun­stân­cias e respon­s­abil­i­dades pelo perec­i­mento de tan­tas vidas de brasileiros, que bas­taria reprisar “a fita” do que vive­mos no último ano.

Estava errado. Hoje, refaço tal posi­ciona­mento, muito emb­ora saibamos ou ten­hamos uma vaga ideia de como se deu e quem cau­sou o maior mor­ticínio da história do país em todos os tem­pos, é necessária uma apu­ração rig­orosa dos fatos para saber­mos o que se ocul­tou por trás das ações e das omis­sões das autori­dades.

Vou além, acho necessário que nos esta­dos e nos municí­pios, os leg­isla­tivos tam­bém apurem se as suas autori­dades agi­ram com presteza e no tempo certo para evi­tar que vidas humanas se perdessem em números tão avas­sal­adores.

Acred­ito que bem poucos brasileiros, até aqui, ten­ham escapado de uma história triste para con­tar de um amigo, um par­ente, um con­hecido que par­tiu antes da hora. São mil­hares de famílias muti­ladas pela perda de um ou mais ente querido. Em muitos casos, famílias inteiras foram diz­imadas. São fil­hos que perderam os pais quando pre­cisavam de amparo e são país que não mais con­tarão com o con­forto e o amparo dos fil­hos.

O Brasil não pode e não tem o dire­ito de esque­cer ou colo­car para debaixo do tapete uma história tão ter­rível e grave.

Pos­suí­mos o com­pro­misso histórico de aparar as respon­s­abil­i­dades por tamanha tragé­dia.

Este é o papel mais impor­tante a ser desem­pen­hado pelos par­la­mentares brasileiros, rep­re­sen­tantes do povo, através dos seus instru­men­tos leg­isla­tivos.

Foi para isso que foram eleitos e saber­e­mos cobrar ano que vem.

Abdon Mar­inho é advo­gado.