NO BRASIL SOBRAM MOTIVOS PARA PROTESTAR.
Por Abdon Marinho.
AO LONGO da história nos deparamos ao redor do mundo com muitos movimentos ditos libertários uns, efetivamente, tinham esse cunho, outros, apenas a substituição do status vigente por outro, geralmente pior.
Assistimos do ponto de vista histórico a ascensão do Nazismo – e a sua queda depois de causar uma tragédia para a humanidade –; a ascensão do Comunismo em diversos países; a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e em outros países.
Assistimos o povo ir às ruas protestar pelo fim das guerras e por mais direitos e garantias.
Assistimos a luta de muitos cidadãos em diversos cantos do mundo pelo direito a um ambiente saudável, despoluído e sem a destruição das florestas.
No Brasil, em tempos recentes, tivemos protestos contra a ditadura militar, contra a tortura, contra a violação dos direitos humanos.
Depois de vinte anos, em 1984, o povo brasileiro foi às ruas clamar pelo direito de eleger livremente seus governantes na campanha pelas Diretas Já!
Depois foi às ruas pedir o impeachment do seu primeiro presidente eleito pela via direta. Anos depois foi às ruas, nos protestos de 2013, contra a corrupção, contra a carestia, contra a indiferença das autoridades aos direitos das minorias e, pouco depois, pelo impeachment da primeira mulher eleita presidente do país.
Agora, como é público e notório, o governo do senhor Bolsonaro quer encher as ruas e avenidas com um protesto cuja pauta não parece muito clara ou definida.
Inicialmente diziam que era um golpe militar, depois que era um protesto por liberdade, depois que era um protesto contra o Supremo Tribunal Federal - STF ou contra um ou dois ministros que supostamente estariam agindo fora das “quatro linhas da Constituição”.
O certo é que “tangidos” por pastores picaretas, falsos líderes de algumas categorias e políticos oportunistas, muitos brasileiros, milhares, talvez, milhões, devem ir às ruas no Dia da Pátria, protestar.
Contra o quem ou o quê é que me parece equivocado.
O Brasil, certamente, tem motivos para protestar.
Depois de anos temos uma inflação que ameaça romper a casa dos dois dígitos; o salário mínimo nacional não é mais suficiente para comprar duas cestas básicas; já são quase 15 milhões de cidadãos desempregados e outros tantos milhões – quase vinte – que estão passando fome; mais da metade da população, segundo dados do IBGE, padece de algum tipo de escassez nutricional.
Os brasileiros já fazem fila para comprar – quando podem –, ou para receber ossos dos açougues ou frigoríficos na tentativa de repor a sua necessidade de proteínas.
E, o pior, não tem osso para todo mundo.
Outro dia, em um destes programas vespertinos de televisão, vi o depoimento, emocionado, de uma senhora em que ela dizia que o seu maior medo na atualidade era o medo de passar fome, completando por dizer que tinha medo porque sabia a dor que é não ter o que comer.
O Brasil tem mais do que motivos para protestar.
O meio ambiente padece de todo tipo de destruição.
São os garimpos ilegais destruindo os cursos d’água e rios que não são coibidos; é a frouxidão na fiscalização da destruição das florestas para a extração de madeira ou em queimadas criminosas; é a “grilagem” oficial e/ou oficiosa de milhares de acres de terras públicas, de reservas indígenas ou de proteção permanente com efeitos desastrosas para o equilíbrio ambiental no mundo.
O país joga fora o seu maior ativo econômico diante da comunidade internacional porque temos um presidente que acha “tolice” a preocupação ambiental.
Claro que o Brasil tem motivos para protestar.
Em muitos lugares do país um litro de gasolina já custa R$ 7,00 (sete reais). Não faz muito tempo não era a metade disso.
E com o preço dos combustíveis nas alturas a comida, já escassa, chega na mesa do trabalhador – para os que ainda puderem comprar –, bem mais caro.
O governo tenta empurrar a responsabilidade dos preços dos combustíveis para os governadores alegando que é elevado o valor do ICMS cobrado pelos estados.
Não deixa de ter razão – o ICMS é mesmo alto –, mas é a mesma alíquota (na faixa dos 30%) que já era cobrada anteriormente.
O que o presidente e seus aliados não dizem é que sem motivo aparente – que não seja a maluquice do atual governo –, o dólar se valorizou mais de 30% (trinta por cento) em relação ao real, como o preço do petróleo é cotado em dólar, aí está o principal motivo para estamos pagando tão caro pelo litro de diesel e gasolina.
O dólar subiu no Brasil muito acima do que subiu nos demais países que ficou na faixa de 3 ou 4%. Isso não é fruto apenas de uma macroeconomia equivocada é, principalmente, a percepção que o país é dirigido por malucos.
É por isso que o botijão de gás já está custando mais de R$ 100 (cem reais) em algumas partes do país e a gasolina já passando dos sete.
Aliás, sobre o aumento dos combustíveis, ouvi uma piada trágica.
A piada é que o atual governo conseguiu desempregar os que já estavam desempregados.
A explicação: com o crise e o desemprego batendo às portas dos cidadãos muitos foram obrigados, para sobreviverem, a virarem motoristas de aplicativos. Com o aumento dos preços dos combustíveis essa alternativa deixou de ser interessante.
O Brasil pode e deve ir às ruas protestar.
Nunca na história a conta de luz chegou a custar tanto. As consequências desta conta conta de luz elevada é o aumento em cadeia dos custos da produção da indústria, do comércio e do setor de serviços e mais carestia para os trabalhadores.
Para o ministro da economia, o que tem o brasileiro, que já não tem onde cair morto, pagar um pouco mais pelo direito de acender uma luz quando chegar em casa?
Se o governo tivesse um mínimo de competência teria se antecipado à crise hídrica com investimentos em fontes alternativas de energia.
O Brasil não pode deixar de ir às ruas protestar.
A violência urbana, depois de uma calmaria, volta a assustar os cidadãos de bem. Mesmo com os números mascarados, foram mais de 62 mil homicídios em 2019, com tendência de crescimento graças às políticas de facilitação do contrabando de armas para o país, além da própria posse de armas pelos brasileiros.
Conforme disse o presidente fuzis são mais importantes que feijão.
Há uma certa perversão no pensamento do presidente. Se pelas inúmeras razões listadas acima, o cidadão não pode comprar nem feijão, como poderá comprar fuzis para se defender?
Na verdade, os que poderão comprar fuzis – com a anuência e facilitação do governo –, serão os que vivem às margens da lei, os milicianos, os traficantes, os criminosos de aluguel.
E vejam, que em tese, não me coloco contra ao direto à autodefesa entretanto, o que temos visto não são medidas voltadas ao bem comum, mas ao fortalecimento do crime organizado.
Registre-se que tais iniciativas governamentais violam o pacto do Contrato Social existente entre o Estado e os cidadãos.
Pacto esse em que o cidadão paga os seus tributos e em troca tem a proteção do Estado, o direto a saúde, educação, previdência e assistência social.
Ao facilitar a vida dos criminosos, o governo atenta contra o próprio estado que representa.
O discurso tosco de que um povo armado não será escravizado faz parte de uma mentalidade que teima em não evoluir.
Não vejo os ingleses, os suecos, os suíços, os dinamarqueses, os japoneses, reclamarem dos regimes de escravidão a que são submetidos por não possuírem armas.
Mas, como dizia, o Brasil tem motivos de sobra para protestar.
Os motivos, e mais o que se pode acrescentar em relação a condução da pandemia que já ceifou quase 600 mil vidas, estão listados acima.
Ah, não vão às ruas protestarem contra isso?
Entendi, vão às ruas protestar contra STF. Na verdade, contra um ou dois ministros do tribunal que, certamente, são os culpados por todas as mazelas acima descritas e mais outras tantas que esqueci de citar.
Não é isso?
O protesto se deve porque um ministro mandou encarcerar uma espécie de corrupto-mor da República que estava organizando e instigando os incautos a pegarem em armas contra o tribunal e seus ministros?
O protesto se deve porque um tribunal proibiu que fossem remuneradas aquelas pessoas que estavam cometendo crimes e lucrando com eles?
Deixa ver se entendi. Quer dizer que o cidadão não consegue enxergar e protestar contra todas as mazelas que acomete o Brasil mas acha que liberdade do país corre risco porque o Roberto Jefferson e mais um ou outro foram presos por pregarem e açularem crimes contra um poder da República ou porque um tribunal “cortou o barato” de falastrões para que continuassem a lucrar com os crimes contra o país que cometiam.
É isso mesmo?
Me respondam se forem capaz: junto com kit camiseta, boné e bandeira da pátria não vendiam também um nariz de palhaço para compor o manequim dos protestos do 7 de setembro?
Abdon Marinho é advogado.