A ESCOLHA DE BOLSONARO: RENÚNCIA OU IMPEACHMENT.
Por Abdon Marinho.
TIVESSE o senhor Bolsonaro um mínimo de juízo – ou tivesse sido um general e não um capitão –, a primeira coisa que faria ao deixar os atos convocados por ele para mostrar força política no Sete de setembro, Dia da Pátria, seria chamar o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, esse sim um general, para negociar os termos da renúncia – ou da rendição, se preferirem.
O certo é que depois de ontem – se é que teve algum dia –, o senhor Bolsonaro perdeu completamente a capacidade de governar ou de governança.
Ainda que consiga permanecer até o fim do mandato será apenas para “cumprir tabela” e alimentar a gulodice do centrão enquanto a esse for conveniente “segurar” um a um dos infinitos processos de impeachment que já tramitam na Câmara dos Deputados e de outros tantos decorrentes dos atos de ontem.
O presidente conseguiu nomear e renomear um Procurador-geral da República, Augusto Aras, que não “procura” e que, mesmo achando, finge que não é com ele.
Conseguiu, também, às custas de polpudas verbas dos contribuintes, eleger um presidente de Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que parece não se constranger em segurar na gaveta abarrotada os pedidos de impeachment que deveria fazer andar.
Acontece que mesmo estes dois cidadãos que já ganharam um lugar na história por sua “fidelidade canina” têm um limite para “segurar a pancada”, e esse limite foi ultrapassado nos atos de ontem.
Não consigo imaginar que o senhor Aras vá ignorar as claras ameaças do presidente da República ao Supremo Tribunal Federal - STF, aos seus ministros e particular e, novamente, ao sistema eleitoral brasileiro.
Nos dois pronunciamentos, em Brasília e São Paulo, o senhor Bolsonaro extrapolou, claramente, os limites da liberdade de expressão.
Idêntica situação é do presidente da Câmara, muito embora tenha segurado os diversos pedidos de impeachment contra o presidente, vai precisar caprichar na retórica para ignorar que presidente nos atos de ontem atentou contra a Constituição da República especialmente no que se refere ao inciso II, do artigo 85: “Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.
Sem contar que já anunciou que doravante vai descumprir as decisões judiciais.
Claro que “ameaçar descumprir” não é crime, até porque, como diz o ditado, “cão que ladra não morde”, o crime só irá se configurar quando efetivamente se negar a cumprir alguma decisão judicial.
O mesmo não acontece com as outras condutas onde o presidente da República, mais uma vez, atentou contra o “livre exercício do Poder Legislativo”, notadamente da própria Câmara dos Deputados, que recusou a proposição de voto impresso por ele defendido.
O próprio presidente Arthur Lira, ao colocar o assunto em votação pelo plenário, assegurou que com o resultado da votação tinha a palavra do senhor Bolsonaro que o assunto estaria encerrado.
Se assistiu aos discursos, constatou que a palavra do presidente tem pouca valia. Mas o pior não é isso, é a tentativa “antidemocrática” e a míngua de qualquer prova ou indício de colocar dúvida e vulnerar o sistema eleitoral brasileiro que há um quarto de século funciona sem qualquer problema.
Logo, repito, ficará muito difícil tanto para o procurador-geral quanto para o presidente da Câmara, continuarem a fingirem que não é com eles e que nada acontece no Brasil.
Os atos de Sete de setembro que o presidente passou dois meses convocando, ao meu sentir, galvanizaram a percepção que já não possui mais condições de governar o país. Tal percepção não decorre apenas do fato que os atos ficaram muito aquém do esperado, mas, também, pelo discurso raivoso e desconectado do presidente.
Os dois últimos meses do país foram gastos com convocações para os protestos e, muito embora tenha tido o uma boa participação, sabemos que mesmo para os mais fiéis dos bolsonaristas os atos não mobilizaram 5% do público esperado – mesmo assim fazendo uso de inúmeras caravanas de diversos cantos do país para os locais principais do evento.
Até do interior do Maranhão saíram caravanas com militantes para Brasília e São Paulo.
Ora, se o presidente de fato contasse com apoio popular a seu governo e as suas pautas não precisaria fazer uso da “importação” de militantes para o ato que atribuiu como decisivo para o seu governo.
Se a pouca adesão já revelou que o presidente não possui força popular suficiente para se manter no poder, o discurso em tom raivoso terminou por afugentar ainda mais os setores médios com quem, eventualmente, poderia contar.
Durante e após os atos, com exceção dos
“talibãs do bolsonarismo” ou dos oportunistas de várias espécies, o que se viu da parte que conta politicamente, financeiramente e juridicamente, foram manifestações de repúdio as colocações do presidente.
Se sua excelência queria uma fotografia para mostrar para os demais poderes, para o PIB e para a sociedade que está bem na foto, a baixa adesão e o discurso “borraram” a fotografia.
O presidente já vinha sendo pressionado pelo PIB, que cansou das suas maluquices, sem a fotografia e com os mesmos problemas de antes, os quais o governo se mostra incapaz de equacionar, as pressões para que saia só tendem a aumentar.
Um presidente que divide ao invés de somar ou multiplicar não interessa a ninguém, muito menos àqueles que precisam de estabilidade para ganhar dinheiro.
Os problemas estão aí com todos sentindo as consequências.
Já passamos dos 15 milhões de desempregados;
São mais de 20 milhões de brasileiros passando fome;
Segundo o IBGE mais da metade da população brasileira corre algum tipo de risco alimentar;
A inflação já rompe a casa dos dois dígitos;
Já não há gênero alimentício que não tenha aumentado pelo menos 30% (trinta por cento) no seu valor;
O salário mínimo já não compra duas cestas básicas;
Um litro de gasolina já custam sete reais;
Uma cerveja já custam quase dez reais;
A violência ceifa milhares de vidas todos os anos – ainda com os números mascarados –, com o últimos registro na casa de 62 mil vidas perdidas;
A pandemia do novo coronavírus já nos roubou quase 600 mil vidas desde o seu início há um ano – parte delas podendo ser debitada na conta do governo atual;
A crise energética se avizinhando com riscos de apagões e racionamento.
São problemas sérios demais para tenhamos que acrescentar a eles uma guerra civil.
Sim, o governo acenou com uma guerra civil no seu discurso desconectado ao dizer que não sai do governo e que não vai participar de uma farsa (segundo ele, eleições), logo o que lhe resta é a guerra civil. Ou ele acha que mais 75% (setenta e cinco) por cento da população vai se submeter ao golpe de estado sem derramamento de sangue?
Por outro lado, creio que a bravata foi apenas isso, bravata.
Mesmo nas Forças Armadas, já perceberam que o presidente não se encontra no gozo das faculdades mentais e que os cegos que se deixam guiar por ele não são tantos.
Acredito que já exista um consenso em Brasília das elites políticas, militares, judiciais e empresariais que a melhor alternativa para o país é a renúncia do presidente da República costurando uma anistia para ele e o seu núcleo familiar para impedir-lhes dos dissabores da lei e da Justiça.
O senhor Bolsonaro renunciando ou sendo “renunciado” parece-nos a solução mais viável.
O país não tem como suportar mais um ano e meio de turbulência e instabilidade.
A outra alternativa, o impeachment, embora esteja no radar é sempre mais traumática e custosa.
Mas hoje, diante dos últimos acontecimentos, o centrão se convencendo que terá o mesmo bônus no governo Mourão sem os ônus de continuar apoiando Bolsonaro, não teriam dificuldades de aprovar o seu afastamento pelo prazo de 180 dias.
Uma terceira alternativa será o PGR denunciar e Supremo receber uma denúncia por crime comum. A única dificuldade nesta hipótese é o PGR oferecer a denúncia, muito embora os crimes estejam às vistas de todos.
Em qualquer das hipóteses, em seis meses de um governo de unidade nacional em torno do vice-presidente Hamilton Mourão, ninguém vai querer retornar a instabilidade política que vivenciamos no momento.
O presidente Bolsonaro já fez seu showzinho é hora de quem se preocupa com o país fazer o que tem que ser feito.
Abdon Marinho é advogado.