A VITÓRIA DO CINISMO.
Por Abdon Marinho.
NESTES últimos dias tenho lembrado de um querido amigo, o Dr. João Damasceno Moreira, historiador e advogado brilhante, que nos deixou precocemente no agosto do desgosto de 2018.
Dr. João ou Dr. Damasceno, como o chamava, ao visitar-me vez ou outra e lançar críticas às elites dirigentes deste estado, costumava dizer: — excelência, nos não temos o direito de sermos cínicos; não podemos fingir que não estamos vendo o que está diante de nós.
Tenho pensado no extinto amigo e nessa sua exortação diante de uma constatação que há algum tempo me chama atenção: ninguém – ou quase ninguém – fala mais em corrupção na política estadual. É como se esse câncer, que nega saúde, educação e leva a miséria ao nosso povo, tivesse deixado de existir.
Lembro que quando iniciei na militância política há mais trinta anos tínhamos a preocupação de combatermos o maus hábitos da política local, identificados com os nichos de corrupção eternizados do poder para revertermos os recursos frutos dos alcances em benefícios para a população.
Quantas vezes o Sítio Pirapora não testemunhou tais debates? Muitos deles, inclusive, com a participação destes que hoje ocupam os mais elevados cargos no estado.
Às portas de mais uma eleição estadual, inclusive, como muitos candidatos já em plena campanha para cargos em disputas (governador, senador, deputado federal e estadual), não vemos no meio político ou na imprensa local quaisquer questionamentos sobre a vida pregressa – e atual –, destes postulantes.
A pergunta mais comezinha seria: como fizeram fortuna na vida pública? Como estas pessoas que conhecemos, praticamente, desde que nasceram e sabemos que não tinham de onde herdar e que não ganharam dezenas de vezes da “mega sena da virada” se tornaram multimilionários? Felizes proprietários de fazendas; empresas, mansões, carrões, aviões e até iates de luxo? Como enricaram fazendo política?
Estes questionamentos, que considero primários, não vejo a imprensa local ou mesmo a nacional fazerem e, tampouco, investigarem e oferecerem à sociedade tais respostas, para que escolha seus representantes e dirigentes de forma consciente e informada.
Muito pelo contrário, como pistoleiros ou jagunços, estão a serviço dos que enriqueceram às custas do dinheiro público, justamente mascarando suas biografias e transformando ladrões do dinheiro público em heróis.
Certa feita o governador do estado – não faz muito tempo –, disse saber o motivo algumas pessoas postularem o comando do estado e as chaves dos cofres da “viúva”. Não deu detalhes, não apresentou nomes; não disse se eram seus aliados ou adversários.
Eu, conversando com meus botões, me perguntei: por que sua excelência não esclarece sobre a quem se refere? Por que colocar a todos sobre suspeição? Em sendo aliados, por que nos últimos sete anos confraternizou e comungou com tais ladrões?
Vivemos no Maranhão (e também no Brasil) tempos de silêncio e omissão cúmplices.
O nosso estado, em particular, é uma aldeia. Tudo se sabe. Conhece-se a vida de todos. Logo, o eloquente silêncio que testemunhamos é o silêncio da cumplicidade, o “cala-boca” do cinismo que impera na relações entre as “novas” elites e entre estas e os “novos” formadores de opinião.
São todos cúmplices da bandalheira; da corrupção e da miséria que assombra os pais de famílias.
Tal qual as famílias mafiosas de outrora, impuseram um “código de silêncio”: tu não falas de mim, eu não falo de ti e juntos compramos o silêncio da mídia (aliás, compramos a mídia inteira), os supostos membros do que habituou-se chamar sociedade civil e “lavamos a nossa história” – ou prontuário.
É assim, como dizia Vieira, no Maranhão é cada vez mais comum vermos na mesma roda crucificarem o “ladrãozinho de galinhas” se exaltar e festejar os maiores ladões da República.
O mesmo cínico que fica indignado com o prejuízo causado a uma pessoa ou empresa nada mais tem, além de elogios, àqueles que roubam um estado inteiro.
Os indicadores sociais apontam que milhões de brasileiros foram lançados à miséria nos últimos anos. Só no Maranhão, dizem, foram 400 mil lançados ao flagelo da fome e da pobreza absoluta.
Estranhamente, neste mesmo período, nunca vimos a classe política ficar tão rica.
Lembro que antigamente não incomum um político brasileiro morar em bairro popular ou anda de ônibus. Hoje, se fazem isso, é apenas para “aparecer” ou fazer uma “mídia” posando de popular. Nos bairros populares ou ônibus só os vemos através de outdoor ou dos busdoor geralmente pagos com os recursos dos contribuintes.
Vejam que não faço apologia à miséria, longe disso, defendo o direito das pessoas “melhorem de vida”, entretanto, o que estamos testemunhando é um abismo entre representantes e representados e que parte deste abismo se deu com a “apropriação” de recursos públicos – ou seja, dos representados –, deixando os primeiros, cada vez mais ricos e os segundos, cada vez mais pobres.
É bem verdade que os políticos brasileiros sempre ganharam bem – muito bem –, se compararmos aos seus congêneres ao redor do mundo, mas nada capaz de justificar o “fausto” em que vivem na atualidade.
Trata-se, na verdade, de recursos públicos ilegítimos que estão sendo drenados para o enriquecimento pessoal, com todas as suas distorções, diante da cumplicidade e cinismo de boa parte da sociedade.
Hoje temos um parlamento que não se constrange em legislar em “causa própria”, na defesa dos próprios interesses quase sempre antagônicos aos interesses do povo.
São diversos mecanismos a favorecer a corrupção – o assunto proibido –, seja nos repasses de recursos para as campanhas e partidos; seja nas chamadas emendas parlamentares; seja no chamado “orçamento paralelo”; seja na impunidade e destruição dos órgãos de controle e fiscalização.
E é justamente quando a corrupção se torna tão acintosa que assistimos ao silêncio cúmplice e o cinismo dos que sempre se arvoraram como “elite pensante do país”.
Por estes dias circulou em algum veículo de comunicação e grupos de WhatsApp a noticia que um político estadual – destes que conhecemos desde o nascimento –, adquirira um luxuoso iate de 80 pés ao custo de 20 milhões para o seu lazer no Rio Preguiças ou no litoral do estado.
Não sei se é verdade. Se o iate de fato pertence ao parlamentar, etc.
O que sei, caso seja verdade, é que tal aquisição, assim como os aviões de luxo, as mansões e apartamentos nababescos, representam um acinte aos cidadãos maranhenses, quando mais da metade da população do estado vivem abaixo da linha da pobreza, dos quais, como dito anteriormente, 400 mil lançados à miséria no atual governo.
Mesmo que o cidadão comprovasse capacidade financeira para aquisição, que provasse por A mais B a origem lícita dos dos recursos, seria acintoso para a população tanto exibicionismo diante da miséria do povo.
Com metade da população estadual passando fome, quanto daria para comprar em cestas básicas o valor de um iate, de um avião, de uma mansão e tantos outros “brinquedos” que têm origem nos recursos públicos?
Repito, nada tenho contra a “prosperidade” da pessoas. Não se trata disso. O que se questiona é o cinismo destas pessoas que tanto prometeram “libertar” o povo da situação de miséria em que sempre estiveram ostentarem bens adquiridos de forma duvidosa justamente quando tantos da população foram lançados na miséria.
Uma releitura do “Sermão do Bom ladrão”, de Vieira, não ficaria a dever se fosse: “basta senhor, que eu porque roubo em uma canoa ou uma bicicleta, sou ladrão e vós que roubas em suas mansões, aviões ou iates é chamado de excelência?”.
A indiferença e ostentação destes “novos ricos” que “se fizeram” dizendo representar o povo não é mais grave que o cinismo cúmplice de boa parcela da sociedade.
Esta, sim, a verdadeira desgraça.
São estas pessoas, que não têm o “direito de serem cínicos” os verdadeiros culpados.
Para o nosso desgosto e, certamente, o desgosto do saudoso Dr. Damasceno, o cinismo venceu.
Abdon Marinho é advogado.