AbdonMarinho - A vitória do cinismo.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A vitória do cinismo.



A VITÓRIA DO CIN­ISMO.

Por Abdon Mar­inho.

NESTES últi­mos dias tenho lem­brado de um querido amigo, o Dr. João Dam­a­s­ceno Mor­eira, his­to­ri­ador e advo­gado bril­hante, que nos deixou pre­co­ce­mente no agosto do des­gosto de 2018.

Dr. João ou Dr. Dam­a­s­ceno, como o chamava, ao visitar-​me vez ou outra e lançar críti­cas às elites diri­gentes deste estado, cos­tu­mava dizer: — excelên­cia, nos não temos o dire­ito de ser­mos cíni­cos; não podemos fin­gir que não esta­mos vendo o que está diante de nós.

Tenho pen­sado no extinto amigo e nessa sua exor­tação diante de uma con­statação que há algum tempo me chama atenção: ninguém – ou quase ninguém – fala mais em cor­rupção na política estad­ual. É como se esse câncer, que nega saúde, edu­cação e leva a mis­éria ao nosso povo, tivesse deix­ado de exi­s­tir.

Lem­bro que quando ini­ciei na mil­itân­cia política há mais trinta anos tín­hamos a pre­ocu­pação de com­bat­er­mos o maus hábitos da política local, iden­ti­fi­ca­dos com os nichos de cor­rupção eterniza­dos do poder para revert­er­mos os recur­sos fru­tos dos alcances em bene­fí­cios para a pop­u­lação.

Quan­tas vezes o Sítio Pira­pora não teste­munhou tais debates? Muitos deles, inclu­sive, com a par­tic­i­pação destes que hoje ocu­pam os mais ele­va­dos car­gos no estado.

Às por­tas de mais uma eleição estad­ual, inclu­sive, como muitos can­didatos já em plena cam­panha para car­gos em dis­putas (gov­er­nador, senador, dep­utado fed­eral e estad­ual), não vemos no meio político ou na imprensa local quais­quer ques­tion­a­men­tos sobre a vida pre­gressa – e atual –, destes postulantes.

A per­gunta mais comez­inha seria: como fiz­eram for­tuna na vida pública? Como estas pes­soas que con­hece­mos, prati­ca­mente, desde que nasce­ram e sabe­mos que não tin­ham de onde her­dar e que não gan­haram dezenas de vezes da “mega sena da virada” se tornaram mul­ti­m­il­ionários? Felizes pro­pri­etários de fazen­das; empre­sas, man­sões, car­rões, aviões e até iates de luxo? Como enricaram fazendo política?

Estes ques­tion­a­men­tos, que con­sidero primários, não vejo a imprensa local ou mesmo a nacional faz­erem e, tam­pouco, inves­ti­garem e ofer­e­cerem à sociedade tais respostas, para que escolha seus rep­re­sen­tantes e diri­gentes de forma con­sciente e infor­mada.

Muito pelo con­trário, como pis­toleiros ou jagunços, estão a serviço dos que enrique­ce­ram às cus­tas do din­heiro público, jus­ta­mente mas­carando suas biografias e trans­for­mando ladrões do din­heiro público em heróis.

Certa feita o gov­er­nador do estado – não faz muito tempo –, disse saber o motivo algu­mas pes­soas pos­tu­larem o comando do estado e as chaves dos cofres da “viúva”. Não deu detal­hes, não apre­sen­tou nomes; não disse se eram seus ali­a­dos ou adver­sários.

Eu, con­ver­sando com meus botões, me per­gun­tei: por que sua excelên­cia não esclarece sobre a quem se ref­ere? Por que colo­car a todos sobre sus­peição? Em sendo ali­a­dos, por que nos últi­mos sete anos con­frat­er­ni­zou e comungou com tais ladrões?

Vive­mos no Maran­hão (e tam­bém no Brasil) tem­pos de silên­cio e omis­são cúm­plices.

O nosso estado, em par­tic­u­lar, é uma aldeia. Tudo se sabe. Conhece-​se a vida de todos. Logo, o elo­quente silên­cio que teste­munhamos é o silên­cio da cumpli­ci­dade, o “cala-​boca” do cin­ismo que impera na relações entre as “novas” elites e entre estas e os “novos” for­madores de opinião.

São todos cúm­plices da ban­dal­heira; da cor­rupção e da mis­éria que assom­bra os pais de famílias.

Tal qual as famílias mafiosas de out­rora, impuseram um “código de silên­cio”: tu não falas de mim, eu não falo de ti e jun­tos com­pramos o silên­cio da mídia (aliás, com­pramos a mídia inteira), os supos­tos mem­bros do que habituou-​se chamar sociedade civil e “lava­mos a nossa história” – ou pron­tuário.

É assim, como dizia Vieira, no Maran­hão é cada vez mais comum ver­mos na mesma roda cru­ci­fi­carem o “ladrãoz­inho de gal­in­has” se exal­tar e fes­te­jar os maiores ladões da República.

O mesmo cínico que fica indig­nado com o pre­juízo cau­sado a uma pes­soa ou empresa nada mais tem, além de elo­gios, àque­les que roubam um estado inteiro.

Os indi­cadores soci­ais apon­tam que mil­hões de brasileiros foram lança­dos à mis­éria nos últi­mos anos. Só no Maran­hão, dizem, foram 400 mil lança­dos ao fla­gelo da fome e da pobreza abso­luta.

Estran­hamente, neste mesmo período, nunca vimos a classe política ficar tão rica.

Lem­bro que antiga­mente não inco­mum um político brasileiro morar em bairro pop­u­lar ou anda de ônibus. Hoje, se fazem isso, é ape­nas para “apare­cer” ou fazer uma “mídia” posando de pop­u­lar. Nos bair­ros pop­u­lares ou ônibus só os vemos através de out­door ou dos bus­door geral­mente pagos com os recur­sos dos con­tribuintes.

Vejam que não faço apolo­gia à mis­éria, longe disso, defendo o dire­ito das pes­soas “mel­horem de vida”, entre­tanto, o que esta­mos teste­munhando é um abismo entre rep­re­sen­tantes e rep­re­sen­ta­dos e que parte deste abismo se deu com a “apro­pri­ação” de recur­sos públi­cos – ou seja, dos rep­re­sen­ta­dos –, deixando os primeiros, cada vez mais ricos e os segun­dos, cada vez mais pobres.

É bem ver­dade que os políti­cos brasileiros sem­pre gan­haram bem – muito bem –, se com­para­r­mos aos seus con­gêneres ao redor do mundo, mas nada capaz de jus­ti­ficar o “fausto” em que vivem na atu­al­i­dade.

Trata-​se, na ver­dade, de recur­sos públi­cos ilegí­ti­mos que estão sendo drena­dos para o enriquec­i­mento pes­soal, com todas as suas dis­torções, diante da cumpli­ci­dade e cin­ismo de boa parte da sociedade.

Hoje temos um par­la­mento que não se con­strange em leg­is­lar em “causa própria”, na defesa dos próprios inter­esses quase sem­pre antagôni­cos aos inter­esses do povo.

São diver­sos mecan­is­mos a favore­cer a cor­rupção – o assunto proibido –, seja nos repasses de recur­sos para as cam­pan­has e par­tidos; seja nas chamadas emen­das par­la­mentares; seja no chamado “orça­mento para­lelo”; seja na impunidade e destru­ição dos órgãos de con­t­role e fis­cal­iza­ção.

E é jus­ta­mente quando a cor­rupção se torna tão acin­tosa que assis­ti­mos ao silên­cio cúm­plice e o cin­ismo dos que sem­pre se arvo­raram como “elite pen­sante do país”.

Por estes dias cir­cu­lou em algum veículo de comu­ni­cação e gru­pos de What­sApp a noti­cia que um político estad­ual – destes que con­hece­mos desde o nasci­mento –, adquirira um lux­u­oso iate de 80 pés ao custo de 20 mil­hões para o seu lazer no Rio Preguiças ou no litoral do estado.

Não sei se é ver­dade. Se o iate de fato per­tence ao par­la­men­tar, etc.

O que sei, caso seja ver­dade, é que tal aquisição, assim como os aviões de luxo, as man­sões e aparta­men­tos nababescos, rep­re­sen­tam um acinte aos cidadãos maran­henses, quando mais da metade da pop­u­lação do estado vivem abaixo da linha da pobreza, dos quais, como dito ante­ri­or­mente, 400 mil lança­dos à mis­éria no atual gov­erno.

Mesmo que o cidadão com­pro­vasse capaci­dade finan­ceira para aquisição, que provasse por A mais B a origem lícita dos dos recur­sos, seria acin­toso para a pop­u­lação tanto exibi­cionismo diante da mis­éria do povo.

Com metade da pop­u­lação estad­ual pas­sando fome, quanto daria para com­prar em ces­tas bási­cas o valor de um iate, de um avião, de uma man­são e tan­tos out­ros “brin­que­dos” que têm origem nos recur­sos públi­cos?

Repito, nada tenho con­tra a “pros­peri­dade” da pes­soas. Não se trata disso. O que se ques­tiona é o cin­ismo destas pes­soas que tanto prom­e­teram “lib­er­tar” o povo da situ­ação de mis­éria em que sem­pre estiveram ostentarem bens adquiri­dos de forma duvi­dosa jus­ta­mente quando tan­tos da pop­u­lação foram lança­dos na mis­éria.

Uma releitura do “Ser­mão do Bom ladrão”, de Vieira, não ficaria a dever se fosse: “basta sen­hor, que eu porque roubo em uma canoa ou uma bici­cleta, sou ladrão e vós que roubas em suas man­sões, aviões ou iates é chamado de excelência?”.

A indifer­ença e osten­tação destes “novos ricos” que “se fiz­eram” dizendo rep­re­sen­tar o povo não é mais grave que o cin­ismo cúm­plice de boa parcela da sociedade.

Esta, sim, a ver­dadeira des­graça.

São estas pes­soas, que não têm o “dire­ito de serem cíni­cos” os ver­dadeiros culpados.

Para o nosso des­gosto e, cer­ta­mente, o des­gosto do saudoso Dr. Dam­a­s­ceno, o cin­ismo venceu.

Abdon Mar­inho é advo­gado.