AbdonMarinho - Saúde
Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sexta-feira, 22 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

O DRAMA DA SAÚDE - PARTE II.

Por Abdon Marinho.

QUANDO escrevi a primeira parte de “O Drama da Saúde”, no início de fevereiro, um amigo me procurou para narrar  uma situação que estava atravessando. Contou-me que há algum tempo percorria as unidades de saúde da cidade em busca de uma internação para a irmã que piorava a cada dia devido a ausência de tratamento adequado a um derrame que sofrera na pleura, pedra na vesícula é um cisto no ovário. Segundo ele, já tinha feito de tudo para conseguir a internação, até mesmo apelado a alguns políticos, mas, sem êxito. Pensara, até, em alguma medida mais extrema. 

Quando pensou me procurar foi na intenção que escrevesse algo chamando a atenção para situações daquela natureza. Sugeri-lhe que fizesse um comentário nos canais onde o texto fora publicado colocando toda sua dificuldade. 

A morte não esperou qualquer diligência. Cinco dias depois recebo o aviso fúnebre do meu amigo dando-me conta que sua irmã perecera. 

Outros amigos, comentando o ocorrido, chagaram a me dizer que a moça morrera “à míngua”, pois não fora atendida como deveria. 

Inicio a segunda parte do texto sobre o drama da saúde pública para mostrar que esse drama é composto por incalculáveis tragédias pessoais. São famílias, amigos privados dos seus entes queridos pela falta de atendimento ou assistência médica adequada. São profissionais da saúde, médicos m enfermeiros, assistentes que tangidos pela necessidade, dia após dia têm que escolher aqueles que viverão, que terão uma melhor assistência daqueles que vão morrer. 

Além dos pacientes, familiares, talvez, sejam os mais afetados pelas escolhas que são obrigados a fazer e pela falta quase total de estrutura de trabalho.

Outro dia alguém me disse – também na esteira do texto anterior –, que nas unidades básicas do interior, não raro, falta soro antiofídico. Imagina, um estado ainda com uma grande parcela da população vivendo na zona rural não dispor soro antiofídico. 

Pois é, há quem diga que até falta insumos mais básicos, como gazes, esparadrapos, etc.

Não era para ser assim. Pelo nosso modelo de saúde pública o paciente ingressaria em qualquer unidade e, a partir daí, o “sistema” se encarregaria dele, o encaminharia para centro ou unidade mais adequada para tratá-lo. 

O meu amigo não precisaria amanhecer e anoitecer em filas de hospitais atrás de uma vaga para internar a irmã; aquela senhora do texto anterior não seria obrigada a sair com o pai em uma maca pelas ruas da cidade levando-o de uma unidade a outra. 

O Brasil possui um dos melhores (senão o melhor) sistemas de saúde do mundo. Não conheço outro país que ofereça cobertura total a número tão elevado de pessoas, inclusive como garantia constitucional, verbis: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Essa garantia constitucional foi “esmiuçada” na legislação ordinária, notadamente na lei 8080/1990, Lei Orgânica da Saúde, que instituiu nosso Sistema Único de Saúde - SUS. Onde estabelece, dentre outras coisas: “I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; ...”. (Art. 7º).

Que outro país, do tamanho do nosso, garante esse nível de assistência?

Infelizmente o SUS possui incontáveis gargalos a começar pela ignorância de parte de seus gestores e demais autoridades do seja essa política de saúde.

Neste quesito o Maranhão tem sido um exemplo no mau sentido. Ainda em tempos bem recentes  conviviam (ou convivem) três sistemas de saúde (federal, estadual e os municipais) com as pessoas sem se entenderem, fazendo suas próprias escolhas e operando o sistema fora de suas balizas legais. 

O sistema é único, conforme estabelecido, com ênfase na descentralização dos serviços para os municípios. 

Não é o que vemos. 

Esse desconhecimento alcança até mesmo os encarregados da aplicação da lei. 

Outro dia fui informado que a justiça determinara que o hospital do servidor fosse “exclusivo” para o atendimento dos servidores públicos. 

Não conheço o conteúdo da decisão. Mas, caso seja como a notícia foi divulgada, trata-se, por óbvio, de uma frontal desobediência a Lei 8080/90, que estabelece, verbis: “Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). 

§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.

§ 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.”

Ora, se é mantido pelo poder público, ainda que indiretamente, deve ser integrante do Sistema Único de Saúde (SUS) e com isso está à disposição de toda a rede. 

A lei é clara. E o artigo 45, do mesmo diploma legal, torna ainda mais claro o afirmado acima:

“Art. 45. Os serviços de saúde dos hospitais universitários e de ensino integram-se ao Sistema Único de Saúde (SUS), mediante convênio, preservada a sua autonomia administrativa, em relação ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros, ensino, pesquisa e extensão nos limites conferidos pelas instituições a que estejam vinculados.

§ 1º Os serviços de saúde de sistemas estaduais e municipais de previdência social deverão integrar-se à direção correspondente do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme seu âmbito de atuação, bem como quaisquer outros órgãos e serviços de saúde”.

Caso seja verdadeira a notícia, estamos vendo, atesta a ignorância sobre a forma de funcionamento do sistema de saúde. 

Aldos recursos que vão “ficando” pelo caminho, outro sério gargalo do SUS diz respeito ao financiamento. 

Há muito tempo – e sem razões convincentes –, algumas unidades da federação recebem mais recursos que outros para tratar as mesmas enfermidades. Como se para tratar de um problema renal no Maranhão fosse  mais “barato” que no Acre, no Tocantins ou no Piauí. 

Essa distorção no rateio dos recursos resta claro como a luz do sol na distribuição dos recursos da Média e Alta Complexidade (MAC). 

Há anos lidando com o assunto – juntamente com outros amigos –, quantificamos os valores que deveriam ser repassados a cada município ao longo dos anos e quanto cada um deixou de receber. 

Na intenção de contribuir de alguma forma para a solução de tal problema, escrevi um artigo no início de 2017, nos primeiros dias de janeiro, sobre o assunto: “Saúde: Uma Exortação aos Novos Gestores”. 

Nele mostro as distorções e os chamou para “brigar” por uma distribuição mais justas dos recursos da MAC. 

Além de escrever o texto, mandei distribuir, juntamente com ele uma cartinha dizendo já termos a ação “pronta”,  caso fosse necessário entrar na justiça. 

Deram o silêncio como respostas. Ninguém se interessou. Passados alguns meses apresentei a proposta à FAMEM que se interessou, mas por alguma outra situação não deu seguimento à luta.

Os municípios maranhenses são claramente prejudicados com o rateio dos recursos da MAC, mas os gestores municipais, infelizmente ou não se dão conta ou não têm interesse em lutar por sua melhoria.

Alguns com quem falei – mostrando os números das perdas do município –, argumentaram que não valeria a pena “gastar” com isso, pois uma solução judicial, caso favorável, já se daria fora do seu mandato. E nem estava cobrando honorários – apenas uma módica taxa pelo trabalho e a sucumbência, caso devida –, apenas queria dar minha parcela de contribuição numa luta que já travo desde a implantação do SUS.

Vejam a que ponto chegamos: temos gestores que não estão preocupados com a solução dos problemas dos seus concidadãos, mas, que a solução, caso ocorra, se dê dentro do seu mandato. 

Assim, com todos já avançando no terceiro ano de mandato, não se interessaram por medidas judiciais e/ou administrativas tendentes a corrigir distorções que persistem por quase trinta anos. A ação judicial que chegamos a esboçar – cada município é um cálculo diferente –, já foi atualizada mais de três vezes. 

Avaliamos que um ou outro entrar não surtiria o mesmo efeito que um grande número de municípios. 

Fica difícil o estado avançar, quando seus dirigentes se mostram mais preocupados com seus mandatos do que com a saúde do povo 

Abdon Marinho é advogado.