A ILHA PROIBIDA.
Por Abdon Marinho.
MADRUGADA de domingo, um trovão mais intenso acordou-me. Eram três e quinze. A partir daí passei a acompanhar a chuva persistente que caia sobre a Ilha de São Luís. A chuva não cessava. Acostumado com as consequências, sai à varanda enquanto pensava nos transtornos que o aguaceiro estaria provocando nos vários pontos que conhecemos bem.
Quando dia clareou, antes mesmo de receber as notícias, desmarquei com dois amigos que ficaram de vir ao sítio olhar umas coisas. Sabia que as estradas não dariam passagem.
Logo após o café da manhã, pelas redes sociais, comecei a receber as imagens do caos que tomara conta dos municípios da região metropolitana. Estrada de Ribamar, interditada em vários, pontos, Estrada da Maioba, a mesma coisa, Estrada da Mata Fechada, MA 204, tomada por um mar de água na região do Beira-Rio, também sem permitir passagem.
No centro da capital um prédio histórico ruiu, em diversos pontos da cidade a água tomou conta de casas, invadiu pontos comerciais, estacionamentos, nas áreas de risco, casas ruíram e famílias foram desalojadas, etc.
A Ilha de São Luís tornou-se uma espécie de “ilha proibida”, com a população impedida de se locomover, visitar algum parente, fazer os passeios dominicais, ir à igreja ou mesmo aos almoços de família.
Em situação bem pior, aqueles que passaram o domingo, limpando suas casas ou empresas e contabilizando os prejuízos, os móveis, os veículos e, até mesmo, os lares perdidos.
Decerto que as autoridades não podem ser responsabilizadas pelo volume de chuvas que caiu sobre a Ilha (e mesmo o estado) nos últimos dias, segundo dizem, em apenas 24 horas, choveu a metade da média histórica prevista para todo o mês de março.
Mas, tão pouco, é correto debitar todo o caos ocorrido na conta de São Pedro.
As chuvas foram intensas, é verdade, mas também é verdade que os pontos principais de alagamento e de transtornos são os mesmos de sempre.
Desta vez, encheram mais, provocaram mais danos, mas são os mesmos que conhecemos de cor: a Estrada de Ribamar, nas proximidades do Rio Paciência – que no primeiro ano de mandado, em 2015, o governador, em pessoa, durante um alagamento foi lá prometer que solucionaria o problema e quatro anos depois continua, praticamente, a mesma coisa –, nas imediações do Pátio Norte, cujo o alagamento piorou após a sua implantação; na entrada do Maiobão/Lima Verde; depois do Maiobão, no Tambaú; na ponte sobre o Rio São João; nas proximidades do Wang Park, no acesso a sede de Paço do Lumiar; na MA 204, no Beira-Rio; na Avenida Guajajaras; no Anil; no Mercado Central; no Renascença próximo ao Curso Wellington.
Estes são os pontos principais de alagamentos responsáveis pelo “travamento” da ilha em dias de chuva.
São problemas conhecidos de todos e que, pela sua constante repetição, poder-se-ia usar as fotos do passado como se fossem do último alagamento.
Um amigo que morava nas imediações da Lagoa da Jansen teve que abandonar seu imóvel após se cansar e se angustiar com as repetidas inundações da sua casa todos os anos. Isso após reiterados pedidos de socorro as autoridades estaduais e municipais, de reiteradas matérias jornalísticas externando o problema.
Cansou-se depois que viu, depois de tantos apelos, as autoridades preferirem investir uma pequena fortuna na construção de praças no local ao invés de fazer a drenagem e resolver o problema dos moradores.
Foi se endividar comprando outro imóvel para viver com a família, longe do alagamento certo como o movimento das marés.
Exceto pelo volume de chuvas, as autoridades maranhenses – da ilha, principalmente –, não estão diante de uma novidade, não podem alegar surpresa, dizerem que estão surpreendidos com o que aconteceu e anunciar com pompa “medidas emergenciais”.
O governador está no quinto ano consecutivo de mandato e foi testemunha ocular deste tipo de situação desde o primeiro inverno que passou no cargo, sendo alertado todos os anos por fatos idênticos.
O prefeito da capital com seis anos no cargo, também não pode dizer que não sabia que isso poderia acontecer.
Os demais prefeitos, do mesmo modo – talvez a exceção da prefeita do Município da Raposa, que não tem muita experiência administrativa, até pela pouca idade –, não podem, alegar que desconhecem os problemas que agora martiriza os munícipes, lhes causam prejuízos e desassossego.
Vou além, antes os prefeitos e mesmo os governadores, tinham como desculpas o fato de serem de partidos adversários, inimigos políticos.
Hoje não, são todos aliados do governador desde criancinhas.
Dizem, que se o governador pedir a algum deles que fique sem respirar 5 minutos, o indigitado morre, mas não contraria o “chefe”.
A afinidade é tamanha que fazendo troça à situação de vassalagem, outro dia um amigo contou-me que determinado prefeito chegou para o governador:
— Chefe, chefe, sabe as duas pessoas que mais gosto na vida?
O governador pensou que ele fosse dizer a esposa, o filho, a amante, etc., mas perguntou:
— Quem, fulano?
Ao que o cidadão respondeu:
— A primeira é o senhor.
— E a segunda? Insistiu o governante.
— A segunda é quem o senhor mandar. Respondeu-lhe o alcaide.
Claro que isto é uma alegoria desde meu amigo, mas serve para retratar muito bem, o nível de relação entre as autoridades da região metropolitana e o governador.
Assim, parece-nos injustificável, que todos eles sabendo dos problemas ocasionados aos munícipes no período das chuvas não tenham travado um “diálogo” – para usar o termo que virou moda –, visando resolver os problemas decorrentes das chuvas.
Não sabiam que os rios, que insistem em cortar a Ilha precisam ser limpos? recuperados? Passarem por um processo que lhes permitam receber um volume maior de água, uma vez que estão assoreados?
Quantas vezes, os cidadãos, não alertamos as autoridades para as construções irregulares, dentro das faixas de domínio das rodovias e às margens dos rios e igarapés? Eu perdi as contas.
Quantas vezes não alertamos que sem drenagem profunda não se resolveria o problema do excesso de água sobre as pistas nos dias de chuva?
Quantas vezes não foram alertados para a situação caótica dos prédios do Centro Histórico da capital?
Pois é, ninguém nunca ouviu, ou, se ouviram, fizeram pouco caso, acharam que era coisa de quem era “do contra”, quando na verdade o que se queria era contribuir com a cidade.
Outro dia veio abaixo o teto do ginásio Castelinho.
Recordei que antes mesmo da posse dos atuais donatários do poder, recomende-lhes que a Secretaria de Esportes ficasse com o encargo de cuidar apenas daquele do Complexo Castelão, passando todos os demais ginásios que estivesse próximo de alguma escola para a responsabilidade da Secretaria de Educação – que possui muito mais recursos e verbas para esta finalidade –, fizeram ouvidos moucos.
O teto do Castelinho caiu e colocaram a culpa em São Pedro, embora aquele ginásio esteja encravado num bairro popular e não se tenha notícia que outras residências do bairro tenham ruído.
Como se Éolo – o deus dos ventos –, tivesse lançado sua fúria somente sobre a praça esportiva, talvez zangado com os maus resultados.
Como sertanejo aprendi que a chuva não é um problema, é ela que traz fartura, alivia a nossa sede, coloca o alimento na nossa mesa.
Tanto assim, que quando avistamos nuvens negras no horizonte não digo que o dia está feio e sim, que está bonito para chover.
Não temo, nunca temi a chuvas, o que me apavora, mesmo, são gestores imprevidentes. Aqueles que incapazes de aprenderem algo com a história, tentam correr com medidas emergenciais para minorar os problemas que não existiriam se tivessem agido no tempo certo.
Com medo de qualquer contratempo e não chegar em casa, hoje sai do escritório bem mais cedo, a tempo de atravessar as áreas de risco na baixa-mar.
A Ilha do Maranhão evoluiu tanto que voltamos a nos locomover de acordo com a tábua da maré.
Abdon Marinho é advogado.