A VITÓRIA DA PERSEVERANÇA.
Por Abdon Marinho.
POR ESTES DIAS assistimos à consolidação de uma vitória. Uma vitória, como o título diz, da perseverança.
Os municípios maranhenses cortados pela Estrada de Ferro Carajás passaram a receber, para fins de incorporação às suas receitas, uma compensação financeira.
São Luís, recebeu quase 28 milhões em valores retroativos e mais 2,5 milhões por mês; Bacabeira, mais de 4 milhões retroativos e mais quase 400 mil mensais; Alto Alegre do Pindaré, recebeu 9,5 milhões retroativos e mais de 800 mil mensais; Arari quase 3 milhões retroativos e mais 255 mil mensais; Açailândia, 12 milhões retroativos e mais de um milhão mensais; Vila Nova dos Martírios 3,6 milhões retroativos e mais 334 mil reais mensais; Vitória do Mearim 2,2 milhões retroativos e mais 205 mil reais mensais; São Pedro da Água Branca 5,1 milhões retroativos e mais 463 mil reais mensais; Igarapé do Meio 2,7 milhões retroativos e mais 250 mil reais mensais; Cinelândia 4,9 milhões retroativos e mais 448 mil reais mensais; Buriticupu 2,9 milhões retroativos e mais 271 mil reais mensais; Bom Jesus das Selvas 5,1 milhões retroativos e mais 470 mil reais mensais; Monção 1,3 milhões retroativos e mais 123 mil reais mensais; Turilândia 1,5 milhões retroativos e mais 138 mil reais mensais; Santa Inês 1,2 milhões retroativos e mais 107 mil reais mensais; Pindaré-Mirim 1,3 milhões retroativos e mais 121 mil reais mensais; Itapecuru-Mirim 1,4 milhões retroativos e mais 125 mil reais mensais; Anajatuba 2,2 milhões retroativos e mais 196 mil reais mensais.
Outros municípios também, como Bom Jardim, foram comtemplados com uma melhora na receita.
Esta vitória se tornou mais palpável quando o ex-presidente da República, Sr. Michel Temer, sancionou, em 18 de dezembro de 2017, a Lei 13.540/2017, pela qual foi aumentada a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) para 15% (quinze por cento) para os municípios escoados da produção de minério de ferro ou sofram os impactos das atividades.
Trata-se, sem dúvida alguma, de uma grande vitória. No maranhão 23 municípios irão receber os 15% sobre os 3% (três por cento) do faturamento bruto sobre a exploração do minério de ferro. O restante ficarão assim distribuídos: 60% para os municípios produtores; 15% com os estados e 10% com a União.
Por ocasião do rateio deste dinheiro, mais de cem milhões de reais, o que mais apareceu foram pais para essa “criança”.
Claro que muitos tiveram participação e contribuíram de alguma forma para que estes recursos se tornassem uma realidade, senadores, deputados, prefeitos.
O que poucos sabem – quase ninguém –, é como essa vitória se iniciou.
Em meados de janeiro de 2013, um domingo chuvoso, recebi uma ligação de um amigo, o advogado Ariosto Carvalho, queria levar na minha casa duas outras pessoas para saber se aceitaria uma causa – quando chegaram fui apresentado aos senhores Leoncio Lima e Fabrício.
O primeiro fora funcionário durante muitos anos da Vale e tinha sido procurado pela prefeita de Bom Jesus das Selvas, Cristiane Damião, que estava angustiada com a escassez de recursos no município.
Naquela oportunidade, pelo que entendi, já tinham feito contatos com outros advogados que não mostraram muito interesse ou não entenderam bem do que se tratava, por isso me procuraram.
Ao término das colocações, disse-lhes, já naquela oportunidade, que tínhamos uma causa muito interessante. Em princípio, não uma causa “jurídica” na acepção comum do termo, mas uma causa política.
A ideia inicial era apenas a criação de um consórcio de municípios maranhenses impactados pela linha ferroviária para, juntos, pressionarem a Vale em busca de compensação financeira. A empresa já contribuía aqui e ali com pequenos projetos, mas algo bem incipiente, como favor.
Além da compensação social e ambiental a ser cobrada da empresa, havia uma outra pauta que era conseguir que fossem liberados os recursos depositados junto ao BNDES desde a privatização da empresa Companhia Vale do Rio Doce, que privatizada virara Vale. A terceira pauta era essa: fazer constar no Código de Mineração algum tipo de compensação financeira pelos impactos causados.
A primeira reunião visando a criação deste consórcio, ocorrida no Multicenter Sebrae, se não me falha a memória, contou com a participação de pouco mais de meia dúzia de prefeitos. Estes, mesmos, duvidando que a iniciativa fosse dar em algo.
Diziam: — A Vale é muito poderosa; nada que fizermos vai fazer surtir qualquer efeito; jamais receberemos alguma coisa e por aí vai.
Estamos falando de um período bem anterior a Mariana, a Brumadinho, com a Vale alcançado recordes de produção e valorização.
Ninguém entendia muito bem o que eram compensações ou porque uma empresa privada tinha que “dar dinheiro aos municípios”.
Alguns, não sei por qual razão, até tinham medo ou não queriam participar.
A prefeita de Açailândia, um dos municípios mais impactados pela ferrovia, foi uma das que recusou-se a entrar do consórcio, segundo ela iria tratar dos interesses do seu município diretamente com a Vale. Por conta disso, o vice-prefeito Juscelino, que era entusiasta da ideia, virou o embaixador do consórcio, e também por conta disso, em Açailândia foi realizada a primeira audiência pública visando a sua criação.
Com o prefeito de São Luís, Edvaldo Holanda Júnior, estivemos no dia 4 de abril daquele ano, era um fim de tarde, com o objetivo de convidar o município a integrar o consórcio, gentil como sempre, ouviu, assentiu, mas nunca deu resposta se iria participar ou não.
Apenas recentemente tive notícias que São Luís passara a integrar o consórcio.
Na linha de frente a prefeita de Bom Jesus das Selvas, Cristiane Damião; o prefeito de Alto Alegre do Pindaré, Atenir Ribeiro; a prefeita de Vila Nova dos Martírios, Karla Batista; o prefeito de Monção, João de Fatima; o prefeito de Santa Rita, Tim Ribeiro; o prefeito de Arari, Djalma Machado; o prefeito de Tufilândia, Dr. Neto; o prefeito de Bacabeira, Alan Linhares, entre outros. Já não lembro o nome de todos.
Em 23 de abril lançou-se oficialmente o consórcio. A partir daquela data passamos a percorrer os 23 municípios para fazer as audiências públicas para a sua formalização. Faltei apenas a duas (mandei um representante do escritório), nas demais estive presente no trabalho de convencimento dos munícipes e vereadores.
Se muitos prefeitos não acreditavam, o que dizer do restante da população?
Modesta parte, sai-me bem no papel de tentar convencer e explicar a importância do consórcio e da “briga” que estávamos travando.
Motivado pela esperança e certo que estávamos fazendo algo grandioso para o nosso estado, escrevi um texto sobre o assunto: “Uma Causa para o Maranhão” – está no meu site e, acredito, foi reproduzido pelo próprio consórcio e por algum jornal.
O ano quase todo foi consumido com estas audiências públicas. Se já não me falha a memória a última foi realizada em Bom Jesus das Selvas, no início de outubro.
Paralelo (e mesmo antes) à formação do consórcio, tentávamos exercer a pressão política sobre a Vale – as duas primeiras reuniões, inclusive, ocorreram no meu escritório.
Como ela (Vale) mostrava-se intransigente, com os dados fornecidos pelo senhor Leôncio Lima, costurei um documento narrando toda situação causada pela Vale e a sua indiferença.
Documento escrito perguntaram-me como o mesmo deveria chamar-se, aí me ocorreu uma a ideia. Ele deveria ter como título “Carta aos Povos do Mundo”. A ser redigido em diversas línguas (inicialmente português e inglês) e ser distribuído em todos os países onde a Vale tivesse negócios.
A partir daquele documento a Vale começou a acenar com a possibilidade de disponibilizar recursos como contrapartida pelos danos causados a população.
Na última reunião realizada no meu escritório já disse que esta compensação poderia ser na casa dos cem milhões de reais por ano aos municípios.
O valor exato foi informado numa reunião em um hotel da Ponta d’Areia em 27 de novembro daquele ano.
Antes disso, porém, tivemos uma outra vitória. Em 23 de outubro, na Câmara de Vereadores de Marabá (PA), estivemos numa reunião com o deputado Leonardo Quintão, de Minas Gerais, a época relator do Código de Mineração, que se comprometeu em incluir a compensação aos municípios maranhenses na nova legislação.
Naquele momento a Vale já tinha superado as rusgas com o consórcio por conta de protestos e até interdição de seus trilhos e já estavam com um boa relação, tanto que cedeu o seu trem executivo para levar (prefeitos e equipe) até Marabá.
Após essas vitórias “fui dispensado” pelos dirigentes do consórcio, as promessas feitas à título de honorários, esquecidas.
Foi uma causa que me consumiu por mais de um ano. Durante o qual era a pessoa que tinha mais a oferecer a causa. Respeitando a importância dos gestores, não podemos nos furtar a reconhecer que eram anônimos, ao passo que eu já tinha uma carreira jurídica consolidada e reconhecida há mais de quinze anos.
Não sei quanto a Vale repassou aos municípios maranhenses nestes últimos anos – de 2014 a 2019 –, se tiver mantido a palavra, foram mais de 500 milhões.
Agora o governo federal repassa mas estes outros cem milhões, além dos repasses mensais para estas e as futuras gerações.
Apesar de não ter recebido, até hoje, um único centavo, nem mesmo ressarcimentos pelas viagens e despesas pessoais – discuto possíveis direitos na Justiça –, fico muito feliz com o resultado alcançado.
Lembro dos discursos feitos em diversas ocasiões naquelas audiências públicas quando dizia da necessidade da luta pelas compensações e para a responsabilidade social da Vale de outras empresas.
Aquelas palavras não foram vãs, agora o trem não deixa só a poeira, o dano ambiental e o apito. Agora deixa, também, recursos, que, se bem aplicados, farão grande diferença na vida das comunidades maranhenses.
Essa foi uma vitória extraordinária, a vitória dos que acreditaram numa possibilidade remota e não desistiram. Essa foi vitória da perseverança.
Abdon Marinho é advogado.