O MELHOR LUGAR: JUNTO AOS MEUS.
Certa vez alguém me perguntou qual seria o melhor lugar para se viver na, minha opinião. Respondi-lhe que era junto aos meus familiares. Claro que diversas vezes, quando a angústia e o desespero com a situação de desmandos e violência que vivemos bate mais fundo – e não é raro isto ocorrer –, cogito deixar tudo para trás e ir morar noutro pais, numa vila perdida, no fim do mundo.
Todas estas vezes recordo o que ouvi de um certo professor. Falávamos do quanto tinha sido formidável o tempo em que habitou uma avançada nação por ocasião de um mestrado ou doutorado. Indaguei o quanto devia ter sido gratificante a experiência e se não pretendia, um dia, morar por lá, definitivamente. Disse-me que tinha sido muito gratificante, mas que nada se comparava a vivermos em nosso país, com todos os seus defeitos e virtudes.
O mundo tem parado para discutir a questão dos milhares de refugiados que tentam uma vida melhor nas nações ocidentais, sobretudo na Europa. Embora poucas pessoas tenham passado incólumes pelas imagens daquela criança Síria sendo resgatada, morta, na costa turca ou não tenham ficado indiferentes às imagens daqueles frágeis botes tentando vencer o Mediterrâneo superlotados, a discursão, ainda, ao menos na minha opinião, ganha aspectos meramente burocráticos: quantos refugiados cada país europeu pode receber. Fala-se em cotas. Divisão de responsabilidade.
Claro que não se pode ignorar os efeitos econômicos e políticos para qualquer nação vê-se, de uma hora para outra, tendo que receber e acomodar milhares de refugiados, talvez milhões. É compreensível. Entretanto, apesar disto, não se está falando de uma partilha de coisas. Estamos falando de seres humanos, homens, mulheres, crianças. Não se trata de bolo em podemos repartir e dar um pedaço a cada um.
A situação dos milhares de humanos que arriscam a própria vida, mais grave que isso, que arriscam a vida de suas famílias, é algo a revelar o alto grau de desespero que se encontram. Qualquer pai ou mãe, que verdadeiramente, mereça ser chamado assim, prefere mil vezes que qualquer mal lhes aconteça aos seus filhos ou entes queridos.
Mas não é só.
Estamos diante de pessoas que têm pouco mais que nada para recomeçarem a vida em terras distantes. Que, usando o pouco que lhes restam, abdicam – ainda que temporariamente, mas sem saber se algum dia voltarão – da sua própria pátria, as terras de seus pais, avós e outros antepassados. E não estão apenas deixando a pátria. Além da pátria deixam para trás familiares, pai, mãe, tios, avós; deixam para trás os amigos e suas referências.
Não há tragédia que não possa ser olhada por um ângulo que a torne maior. E, pior que o drama dos que partem, talvez seja o drama dos que ficam. Estes, além da força e a dignidade dos próprios corpos nada possuem. Não têm condições de partirem, e sabem o que os espera, se ficarem. Dia após dia tendo que enfrentar o insano conflito que parece não ter fim.
Existe um bordão repetido à exaustão pela diplomacia mundial de que o Oriente Médio não é para amadores, tal a complexidade das diversas relações em que, muito raramente, se consegue identificar quem é o melhor ou menos ruim da ótica da humanidade.
Vejamos o caso da Síria, a quem tanto a humanidade deve no comércio, na cultura e tantos outros avanços. Logo no começo do conflito poucos eram os que não torciam pela queda de Bashar al- Assad. O desenrolar da guerra fortaleceu um grupo bem pior que o governo combatido, o chamado Estado Islâmico que pretende formar um califado naquele e noutros países da região de caráter absolutamente arcaico e que tem no terror brutal, a mais e mais convincente forma de dominação.
A realidade do povo sírio nos dias atuais é a divisão entre um governo que manda massacrar seu próprio povo e o grupo que semeia o terror, destrói todos os traços culturais de milênios por onde passa, estupra, mata e pratica toda sorte de abusos contra as populações. Não restando aos ficam nada além da opção entre uma desgraça e uma desgraça ainda maior.
Se a situação da Síria é ruim, inimagináveis para muitos que assistem seus dramas nos canais de televisão, não fazem ideia da tragédia igualmente insana que ocorre simultaneamente no norte da África após a queda dos seus regimes opressores na chamada Primavera Árabe.
São nações destruídas, com um provo oprimido e padecendo de toda a sorte de privação, uma situação de miséria tão premente que muitos, sequer têm força para reagir ou fugir para para algum lugar melhor.
Os povos do mundo precisam, ainda que num raio de humanidade, despir-se dos seus preconceitos e entenderem que as pessoas não se tornam refugiadas por quererem. Elas estão sendo forçadas a isso, a deixar para trás sua pátria, suas raízes, suas histórias, seus entes queridos. Poucos são os que buscam asilo por vontade própria. A grande maioria, quase cem por cento, são conduzidos ao exílio, às sujeições e humilhações num ato derradeiro de desespero para salvar a si, seus filhos, esposas, parentes próximos. São humanos que, diante do que passam, deveriam contar com maior respeito e solidariedade, não apenas dos governos, mas também, das populações onde buscam abrigo.
Assim como eu, você, para os refugiados, o melhor lugar para se viver é, certamente, junto aos seus. E todos eles, além de esperança numa vida melhor, trazem o sonho de um dia poder voltar para eles.
Abdon Marinho é advogado.