BOAS IDEIAS PRECISAM "CASAR" COM A REALIDADE.
As eleições de 1992 nos trariam uma novidade: autoridades com os melhores propósitos, pensando no interesse público, na celeridade da apuração eleitoral, evitar algumas fraudes comuns na época , decidiram, no ano anterior, que cada sessão eleitoral seria, também, junta apuradora.
A ideia era bem simples, as eleições eram municipais, encerrada a votação, às 17 horas, cada presidente de mesa junto com os demais membros, com os fiscais de partido, fariam a apuração e remeteria para central de totalização.
Como não era de se esperar não deu certo. Foi uma confusão, bem poucas sessões conseguiram realizar o trabalho a contento. Por outro lado pipocaram as denúncias: de que presidentes de mesas estariam votando por eleitores ausentes ou que tinham deixado as cédulas em branco (a eleição era com cédula de papel, marcava-se o voto no prefeito, escrevia-se o nome ou o número do vereador); de que muitos presidentes sumiram com as urnas; de que vereadores (sobretudo) estariam manipulando o resultado em seus redutos e tantas outras.
Para encurtar a história, no dia seguinte fomos informados que a apuração, em São Luís, por exemplo, seria feita nas juntas apuradoras, no Castelão.
Acho que ainda hoje pairam dúvidas sobre o resultado daquele pleito. Muitos vereadores eleitos ou não eleitos sabem o que fizeram.
Pois bem, estamos diante de outra excelente ideia. O Supremo Tribunal Federal - STF, entendeu que doações de empresas a partidos ou a candidatos, como vem sendo feito desde sempre é inconstitucional. Trata-se de uma excelente ideia. Tão boa que a maior parte da população a apoia, formadores de opinião, intelectuais, pessoas, como dizem, “do bem”, acima de quaisquer suspeitas. aplaudiram a decisão.
Não tratarei aqui – não agora –, sobre o mérito do assunto, deixarei para abortar o tema num texto especifico. Antes, preocupa-me saber como funcionará o financiamento da campanha para o ano que vem e para as seguintes (interessante observar que as as experiências sempre acontecem nas eleições municipais), a partir da decisão do STF.
Qualquer pessoal que orbita o mundo da política ou que, ao menos de longe, o observe, sabe que as campanhas no Brasil funciona em dois ambientes: o ambiente da legalidade, com receitas e despesas, para propaganda, material gráfico, combustível, carros para o deslocamento, expostos aos olhos de todos nas prestações de contas e no ambiente onde as coisa não são expostas, como o dinheiro que é repassado para as lideranças “tocar” a campanha nos bairros, os pedidos que os candidatos e suas lideranças sempre recebem, e que, honestos ou não, não têm como se escusar de atender. Nem falo em compra de voto, embora saibamos que acontece, mas daquele atendimento emergencial, o favor de levar alguém ao médico, prover um enxoval de um defunto, um remédio, etc.
Se alguém que já fez campanha não se deparou com isso gostaria de conhecer antes de morrer, até agora não conheço ninguém.
Nestes meus anos de militância, poucas vezes me deparei com eleitor fazendo doação a candidato. Quando muito, uma doação de serviço, como já fiz algumas vezes. O cidadão meter a mão do bolso, ir ao banco ou sentar diante de um computador para fazer uma transferência bancária a um candidato ou partido político, raramente, muito raramente mesmo, testemunhei.
O Supremo Tribunal Federal - STF, a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, diversos movimentos sociais, intelectuais querem essa seja a práxis a partir do ano que vem.
Sim, é possível que os eleitores (a grande maioria são favoráveis a decisão), passem a contribuir com os seus candidatos, embora as experiências vividas digam o contrário.
Não consigo imaginar uma crise econômica sem precedentes como esta, que continuará mais intensa no ano que vem, os eleitores façam doações aos candidatos e aos partidos políticos. Observem que estamos falando de milhares de candidatos a prefeitos, só partidos legalizados no país, temos 33, muitos deles lançarão candidatos a prefeitos e vices, quase todos lançarão candidatos a vereadores, estamos falando de milhares de candidatos disputando, não apenas o voto, mas a contribuição financeira dos eleitores.
Em primeiro lugar está se criando uma situação em que apenas candidatos ricos, com patrimônio ou “caixa”, poderão disputar ou sairão bem na frente na disputa.
Como é que um candidato a vereador que declara não possuir qualquer bem ou qualquer recurso em conta vai iniciar sua campanha? Muitos estão nestas condições. E, como todo cidadão brasileiro, têm o direito de disputar.
Mais. Quanto tempo terá para arrecadar recursos, se a lei diz que somente é permitido após o registro dos seus comitês financeiros? Será que os eleitores vão ficar ali “no ponto” só esperando a liberação dos comitês para começar a doar para os candidatos? Como farão as despesas de campanha se estas diminuíram para apenas 45 dias.
Lembro que são milhares. Não acredito que dê muito certo.
Será que alguém se deu conta que o modelo de financiamento que se busca, com tantos candidatos, com eleitores que nunca doaram, nada ou quase nada, a campanhas políticas, é inexequível?
Em segundo lugar os pretensos candidatos, a partir de agora, se quiserem disputar uma eleição de prefeito ou vereador, e não possuir recursos próprios ou patrimônio, terão que desde já, preparar listas de doadores, com condições de comprovar suas receitas para doarem a seus candidatos quando forem permitidas as doações.
Estes eleitores terão recursos e vão querer fazer doações?
Se a tarefa será árdua para os candidatos a prefeitos, imaginem para os candidatos ao cargo de vereador.
Torço para está errado e os eleitores – não sei de onde tirarão recursos – custeiem as candidaturas, senão o que acontecerá será o seguinte:
- A parte da campanha que, já hoje, ocorre na clandestinidade, será aumentada sensivelmente;
- Somente candidatos ricos (com patrimônio ou liquidez) terão condições de disputar as eleições ou estarão em condição de superioridade aos demais;
- Os candidatos sem recursos próprios, com eleitores igualmente pobres, não terão condições de disputar as eleições, estamos falando de milhares de cidadãos e cidadãs que se verão impedidas de disputar eleições por falta de recursos;
- Os candidatos terão que arregimentar dezenas, milhares de eleitores, para efetuarem doações de campanhas ou se servirem de laranjas para justificar doações;
- Teremos a maior judicialização do processo eleitoral de todos os tempos sobretudo na parte concernente a arrecadação e despesas de campanha;
- Os detentores de mandatos executivos sairão na vantagem em relação aos demais candidatos por poderem “pedir" aos milhares de ocupantes de cargos comissionados doações para as suas campanhas;
- O crime organizado – que conta com um público próprio – terá maior inserção no processo politico legal. Noutra oportunidade farei um detalhamento disto. Hoje já tem muita influência, em todos os cantos do país a ação de agiotas nas campanhas é uma realidade, na nova interpretação ela será bem maior;
- Os males que pretendem evitar serão ampliados: a campanha será no caixa dois, os agiotas farão a festa pois só eles terão dinheiro em caixa e teremos milhares, senão milhões de eleitores laranjas.
Vejam, não resta dúvida que eleitores financiarem seus candidatos é uma excelente solução, entretanto não me parece exequível que isso ocorra num país com tantos partidos, com tantos candidatos e com uma população que nunca fez isso.
Um dos problemas ocorridos em 1992 na apuração da eleição pelas próprios mesas receptoras, além dos tantos narrados, foi o elevado número de candidatos a vereadores.
Igualmente problemática é o financiamento, exclusivamente, público de campanha. Primeiro por sacrificar mais uma vez o eleitor com o pagamento do imposto para custear a campanha e também porque o recurso não chegará a todos os candidatos e partidos. Alguém acredita que recursos do fundo partidário chega a instâncias partidárias nos municípios? Dificilmente. Até os valores recebidos os regionais são insuficientes para o custeio das despesas correntes, quanto mais custear eleição.
Mas, também, sobre financiamento público faremos um texto específico.
Não tenho solução para a complexidade dos problemas apresentados. Entretanto, a solução encontrada pelo STF e defendida pela OAB, pelos movimentos sociais, em que pese as melhores intenções, não “casa” com a realidade e trás o risco concreto de jogar na ilegalidade, as campanhas e os mandatos conquistados nas eleições de 2016.
Fica o alerta.
Abdon Marinho é advogado.