FALTA UM GRILO AOS LEÕES.
– Você é apenas um homem.
A frase acima era repetida por todo percurso da parada, por um criado posto ao lado de um César em triunfo, que festejava mais uma vitória, um conquista para o vasto e poderoso império romano.
A providência tinha por propósito evitar que o imperador, adulado, festejado fosse tomado pela ideia que seria superior aos demais. São muitas as tentações do poder, muitos são os aduladores.
Um livro que encantou-me na infância foi Pinóquio, o boneco de madeira que é muito lembrado por crescer o nariz à medida que mentia. Ouvimos muito isso. Que político fulano ou sicrano mente como Pinóquio; para que fique igual a Pinóquio só falta que lhe cresça o nariz; nariz de Pinóquio, tantos outros.
Na fábula, antes do boneco, o que me chamava a atenção era a sabedoria, os ensinamentos, a prudência do grilo falante apelidado de Pepe, que fora nomeado como a sua consciência e que, como sabemos, nem sempre era ouvido.
Pensava sobre isso ao examinar a situação do Maranhão.
Vencido quase um ano do mandato de Flávio Dino, sobra – ao menos a mim – a impressão que o governador colocou-se (ou foi colocado) numa redoma, onde poucos, lhe têm acesso. Assim, como poucos, experimenta a chamada solidão do poder.
As poucas pessoas que têm acesso ao governador, são divididas em três grupos: o grupo dos fãs, o grupo dos aduladores e o grupo dos parasitas (aqueles de sempre). Nenhuma destas pessoas, por admiração, tietagem ou conveniência, ousa dizer quando o governador erra ou o aconselhar para que não cometa equívocos.
Pelas mesmas razões o tem, equivocadamente, como um gênio da raça humana, incapaz de errar, de cometer desatinos.
A solidão do governador – a falta de alguém que lhe diga que certas atitudes não comportam ao chefe do executivo estadual –, se tornou clara para mim no tristemente famoso episódio de Lago da Pedra. À luz do fato não existe ângulo que torne confortável a posição do governador e do governo.
Não tinha (e não tem) qualquer cabimento o governador envolver-se num bate-boca público com a prefeita do município ou com quem que seja. Diminui a autoridade do cargo.
Primeiro, o governador que disse ser plural, a serviço de todos os maranhenses, deveria manter uma salutar relação institucional com todos os prefeitos, sejam eles de quaisquer lados ou correntes política. Ainda que o gestor tenha um lado, o ente municipal não tem, e, todos precisam do apoio do estado para se desenvolverem.
Segundo, não tem qualquer sentido o governo estadual realizar de um evento num município e não permitir que o prefeito participe, que tenha ceceado sua palavra. Se o cerimonial do palácio tivesse excluído a fala do gestor, o governador, até por uma questão de educação e boas maneiras, deveria ser o primeiro a garantir e a se desculpar pelo "vacilo". Ademais, falta de educação não combina com ninguém, muito menos com autoridades.
No caso específico de Lago da Pedra, ambas as autoridades, governador e prefeita, possuem legitimidade, talvez, ela até mais que ele, uma vez que já foi eleita e reeleita pela população, enquanto que ele ainda está no primeiro mandato. Havia, sim, a necessidade de se respeitar a autoridade local, legítima, eleita pelo povo.
Terceiro, até agora (quase um mês depois) não consegui uma explicação plausível para a censura à gestora municipal. Conhecendo-a, não acredito que fosse cometer qualquer indelicadeza com o governador ou lhe fazer-lhe uma desfeita ou ainda qualquer crítica mais ácida e acima do tom. Ainda que o fizesse, ele poderia retrucar na sua oportunidade de falar. De mais a mais, quem tem medo de crítica não pode se aventurar na vida pública ou nos eventos públicos. As críticas são as guarnições dos mandatos.
O resultado é que ficou feio para todo mundo: para a prefeita, para o secretário-genro da prefeita, para os presentes, que tiveram que testemunhar esse tipo de "barraco". Ficou, feio, sobretudo, para o governador.
Faltou-lhe o criado de César. Faltou-lhe o grilo que servia de consciência a Pinóquio.
Mas a falta de conselhos não se resume ao triste episódio do Mearim. Continuam.
O governador decidiu vestir-se de militante político e transformar o Palácio dos Leões em trincheira na defesa do mandato da senhora Dilma Rousseff.
Trata-se de um equívoco generalizado.
Mais uma vez, não apareceu uma viva alma para lhe dizer que não lhe cabe o papel de governador/militante ou o palácio/aparelho. Ainda mais com o governador/militante dizendo que um regramento constitucional é um golpe nas instituições e na democracia.
Ainda que o cidadão tenha uma posição política contrária ao processo – por razões de cunho pessoal ou íntimo –, o governador não poderia ou não deveria ter. Ele é governador de todos os maranhenses, os que são contra (acho que a minoria) e os que são favoráveis ao processo de impeachment da presidente.
Trata-se de uma escandalosa balela essa história de defesa institucional contra o golpe. A Constituição, ele sabe bem, não é golpista. O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, muito menos. Apesar de todos os atropelos as instituições estão funcionando. O processo de impeachment de Dilma Rousseff não diferente do que foi submetido Color de Mello.
Pois é, faltou alguém para lhe dizer que não deveria se manifestar como governador, ainda mais para dizer que os defensores do impeachment, inclusive os milhares de cidadãos maranhenses, que votaram nele ou não, são "golpistas; ainda mais quando muitos destes "golpistas" estavam na linha de frente de sua campanha; ainda mais usando o palácio que é de todos os maranhenses. O Palácio poderia e deveria ser poupado de causa tão ingrata.
O governador, caso tivesse alguém para lhe aconselhar, não permitiria que sua posição pessoal, de militante, fosse confundida com a posição de governador, que precisa dialogar com todas as forças políticas, com todas as tendências, muito menos levar a entender que esta posição é uma posição de Estado. Não é, o Maranhão é maior que seu governador e que o seu governo.
O maior problema do Brasil, segundo pesquisas, é a corrupção.
O excesso de ênfase que faz o líder do Maranhão de um governo, que mais que qualquer outro, se identifica com a corrupção – difícil encontrar um setor imune à prática, que o diga os escândalos que pontificam na mídia diariamente –, acabará por comprometer seu próprio capital político. O governo Dilma Rousseff, caso supere o processo de impeachment, não possui mais condições de conduzir o país. Ficará como um cadáver insepulto a espalhar fedor e a assombrar a nação.
Uma pena que não tenha essa compreensão; uma pena que não tenha no seu círculo alguém que tenha percepção da realidade; uma pena que esteja cercado de fãs, aduladores ou oportunistas.
Uma pena que lhe falte amigos com coragem para lhe dizer a verdade. Alguém que diga que o governador é apenas um homem.
Abdon Marinho é advogado.