O GOLPE DE ITARARÉ.
Sempre que ouço essa balela de que um processo de impeachment é golpe lembro de batalha de Itararé, aquela que se tornou famosa por não ter existido.
Os defensores da presidente da República, senhora Dilma Rousseff, têm todo o direito de dizerem que não há motivo para o processo de impedimento; que ela não roubou dinheiro público; que não possui conta na Suíça; que prefere guardar seu dinheiro, conforme declarou, sob o colchão.
Embora ache que estejam errados, este é um direito que os assiste.
O que me irrita é quando vêm com essa bobagem de que o processo de impeachment é um golpe na democracia, repetindo o discurso surrado de Collor há mais de vinte anos.
Outra tentativa de enganar a população é colocar o pedido de impeachment como sendo uma vingança de Cunha.
E, aqui, cabe um outro esclarecimento, este senhor, agora execrado pelo governo e seus apaniguados, enquanto se mostrava atencioso aos desejos do petismo, era muito bem quisto eles. Até na última hora antes de mandar processar o pedido dos juristas, era poupado das críticas, só virou demônio quando mandou seguir com o processo. Aliás, e para registro, foi na última década que o indigitado cidadão cresceu politicamente e fez isso graças às benesses conseguidas do governo dos companheiros.
Quem permitiu que Cunha se tornasse tão forte e poderoso se não o governo da cleptocracia instalado em 2003?
Examinem a história da era petista e terão a resposta.
Outro motivo da minha irritação é quando dizem: – mas tirar o PT para colocar o PMDB? Pois é, nos chantageiam com uma escolha que foram os petistas que fizeram. Foram eles que escolheram o PMDB, o Temer, o Sarney, o Renan, o Jucá, o Jader, o Cunha, o Lobão e toda sua turma. O partido e estas notórias lideranças são sócios do poder na Era petista. Serviram esse tempo todo para compartilhar o poder e não servem mais? Devemos mais essa desgraça a eles.
Mas voltemos ao golpe de Itararé.
O instituto do impeachment é o único instrumento (fora as ações eleitorais próprias) colocado à disposição de qualquer cidadão para o questionamento dos mandados presidenciais, ministros de estado, do supremo e do procurador geral da República.
Como uma previsão constitucional pode ser considerada golpe à democracia?
No nosso entender questionar o mandamento constitucional, convenientemente, agora, isso sim, parece-nos uma tentativa de golpe.
Uma pergunta que se impõe é, por que somente agora o processamento de um pedido de impeachment é golpe?
A pergunta é pertinente uma vez que grande parcela dos que vejo empunhando a bandeira de que um processo de impeachment é golpe, estavam na linha de frente defendendo o mesmo tipo de processo contra os demais presidentes.
Quando Tancredo foi internado às vésperas da posse em 15 de março de 1985, chegaram a sugerir que uma junta assumisse e não o vice-presidente, José Sarney, isso, para eles não era golpe.
Quando tentaram reduzir o mandato do mesmo Sarney, chegando a reduzi-lo em um ano – o mandato era de seis anos –, ninguém disse que era golpe.
Aliás, muitos dos que dizem está em curso um golpe, estavam naqueles anos promovendo manifestações violentas contra o governo, atacando-o a paus e pedras. E, não viam, na tentativa de apear um governo na marra, nada de golpismo.
Quando abriram o processo de impeachment e cassaram Collor em 1992 – quase todos que dizem ser golpe contra Dilma estavam com a cara pintada contra ele –, não foi golpe.
O vice-presidente Itamar Franco assumiu em 1992 para concluir o mandato de Collor – muitos dos que dizem ser golpe contra Dilma, defenderam, inicialmente, a ruptura da ordem institucional para convocar novas eleições, ninguém aparece para dizer que isso foi uma tentativa de golpe –, contra ele, também, propuseram abertura de processo de impeachment, foi golpe?
O Fernando Henrique Cardoso, que sucedeu Itamar Franco, recebeu, contra seus dois mandatos, dezessete pedidos de abertura de processo de impeachment – um deles tinha por base o fato de ter dito uma coisa na eleição e feito outra, acusaram-no de praticar estelionato eleitoral. Os mesmos que hoje dizem ser golpe o processo com a senhora Rousseff, estavam na linha de frente defendendo a constitucionalidade do pedido. Qualquer um que olhar os arquivos da mídia do ano 1999, verá que os mesmos partidos, as mesmas lideranças políticas que dizem ser golpe contra Dilma e contra a democracia, lá estavam pedido, exigindo – no Congresso Nacional e nas ruas (lembram a famosa passeata dos 100 mil?) – o impedimento de FHC.
Tanta pressão e tanto barulho fizeram que um dos pedidos foi acatado – morreu no voto.
O próprio senhor Lula que esteve na linha de frente defendendo o impeachment de quase todos os presidentes de 1985 para cá, sofreu algumas dezenas de pedidos de impeachment. Não lembro de ter havido nenhuma histeria por conta disso. Não lembro de ninguém berrando tratar-se de um golpe.
Como disse, entendo como golpista o menoscabo que se faz da disposição constitucional, colocada à disposição da cidadania.
Admitir-se que uma regra contida na Constituição está eivada de ilegalidade, quando nunca se teve qualquer dúvida a respeito de sua validade, aí sim, encontra-se patente um golpe, o casuísmo.
A presidente da República teve quase meia centena de pedidos de impeachment, como FHC, um deles foi admitido. Assim como ele, poderá se defender no parlamento.
Esta é uma prova do regular funcionamento das instituições. Não enxergo qualquer razão para esse debate histérico.
Diferente de quando tentaram impedir Sarney de assumir; de quando tentaram lhe afastar na marra; de quando tentaram impedir Itamar Franco de suceder o mandato de Collor e de muitos outros pedidos de impeachment contra presidentes, baseados, unicamente, no inconformismo, este, ao que parece, possui base sólida. Talvez esteja aí a razão desta gritaria de que se trata de golpe contra a democracia.
A única razão para que digam está em curso um levante das direitas reacionárias, golpistas e antidemocráticas é o fato de ser o modelo petista de governar que está sendo questionado. Se não fosse isso, se fosse contra qualquer outro, estaria tudo muito bem, tudo muito bonito.
Quando só um grupo se acha no direito de governar sem ser questionado, não tenham dúvidas, está em curso um golpe.
Abdon Marinho é advogado.
(Texto sem correção).