ÀS FAVAS COM AS LITURGIAS.
Acho que foi o ex-presidente José Sarney que, acossado por diversas denúncias naqueles anos oitenta, quem cunhou a expressão "que se devia respeitar a liturgia do cargo". Referia-se, por óbvio, à Presidência da República.
O tempo passou, o mundo girou e as boas maneiras ficaram perdidas nas brumas do tempo.
Até onde a vista alcança, não lembro de ter ouvido um presidente de poder chamar, publicamente, em coletiva de imprensa, um presidente da República de "mentiroso". Isso, até agora, quando o presidente da Câmara dos Deputados afirmou, com todas letras, que a presidente da República seria uma "mentirosa". Aí a república brasileira (grafada pro-iradamente em minúscula), virou um ringue de luta de rua, com o ministro-chefe da Casa Civil, retrucando que mentiroso seria o deputado-presidente. Só faltou que se pegassem a tapas, rolassem pelo chão e puxassem o cabelo um do outro. Uma vergonha sem paralelo e precedente.
Este foi o fato que chamou à atenção, mas tem mais.
O deputado-presidente foi além de chamar a presidente da república de mentirosa, afirmou que a mesma tentara "barganhar" com ele, presidente da Câmara dos Deputados.
Consistiria a barganha no seguinte: em troca do presidente na admitir o processamento do pedido do impeachment da presidente, lhes seriam garantidos os votos necessários para que ele, o presidente da Câmara na fosse molestado nos seus próprios perrengues.
A impressão que temos é que no Brasil vivemos a hora da xepa. Negocia-se tudo e sem qualquer pudor. Perdeu-se totalmente os limites, o decoro, a liturgia dos cargos, das posições ocupadas. Onde já viu senadores tramando fuga de presos? Banqueiros financiando este tipo de coisa? A presidente usando termo barganha e sendo desmentida como useira e vezeira nesta pratica.
Por qualquer ângulo que se examine o caso, a situação passa de qualquer outra já experimentada pelo país. Se a mentira de uma presidente já é algo assim um tanto inusitada, quanto se trata da barganha, temos como claro o cruzamento da fronteira da legalidade. Havendo, sim, a violação ao ordenamento jurídico.
Vejam há distinção entre o jogo político normal onde os políticos tangidos por seus interesses pessoais, uma emenda aqui, uma obra ali, uma nomeação acolá e o que está se afirmando que a presidente teria feito. O presidente da Câmara dos Deputados afirmou e um deputado confirmou que o governo usaria da sua influência, do poder do cargo, para "facilitar" a vida do seu Cunha se este passasse a rezar pela cartilha do governo, atendesse seus interesses, inclusive os de cunho pessoal.
Não vejo como não caracterizar uma tentativa de interferência no parlamento e em suas comissões.
E, este seria mais um motivo a fundamentar um pedido abertura de impeachment.
A Constituição é clara:
"Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;"
Em sendo verdade, temos uma clara ingerência no Poder Legislativo.
Repito, a presidente, seus aliados, seu partido, agem como se fossem um bando de aloprados, sem conhecer os limites e o respeito às instituições, ignoram que existe uma coisa chamada separação dos poderes.
Alegar cerceamento de defesa prévia à admissão de um processo? A caso cobraram isso aos pedidos que foram rejeitados?
O que dizer da atitude do partido da presidente, PT, que ingressou no Supremo Tribunal Federal – STF e desistiu quando a ação foi distribuída a um ministro que não foi do seu agrado? Não estaríamos diante de uma afronta à autoridade do Supremo? Já imaginaram se fazem escola? Seria legítimo que a oposição fizesse o mesmo quando seus apelos caíssem nos ministros com afinidade ideológica com aqueles que os nomearam? Aqueles que inclusive possuíram relação empregatícia com o Partido dos Trabalhadores?
Quando se age dessa forma é porque se perdeu o respeito pelas instituições. Perderam a senso da responsabilidade. Não é lícito que se escolha o juiz pelo interesse da parte. Isso, em lugar nenhum, muito menos no Supremo Tribunal Federal – STF.
O Supremo Tribunal Federal, não pode ser tratado como se seus ministros fossem de A, B ou C. Todos eles são servidores públicos, pagos pelos contribuintes e estão a serviço da nação.
Desistir da distribuição foi uma afronta que o ministro fez bem repelir em nome do tribunal.
Ao menos o STF precisa ser preservado da xepa que assombra a política nacional.
As autoridades precisam se dar conta que mais importante que eles próprios, o que está em jogo é a sanidade das instituições brasileiras.
Estas autoridades já que perderam o respeito e entre sim, precisam e devem, ao menos, respeitar a liturgia dos cargos que ainda ocupam.
Abdon Marinho é advogado.