ASSEMBLEIA BOLIVARIANA.
Por Abdon Marinho.
NÃO SE ENGANEM pelo título. Esse texto não tratará das desgraças que castigam nossos irmãos venezuelanos – antes fosse –, falaremos de um assunto bem mais próximo de nós que a maioria dos leitores e, com certeza, os cidadãos não sabem. E não sabem porque o assunto vem sendo tratado com incomum discrição.
Há pouco mais de uma semana – no máximo duas –, li uma matéria dando conta que a Assembleia Legislativa do Maranhão, iria realizar eleições para sua mesa diretora. Inicialmente, pensei tratar-se de um engano, pois em fevereiro ocorrera a eleição.
Reli a matéria e, aí, compreendi que já estavam falando da eleição da mesa para o segundo biênio desta legislatura (2021/2022).
Impressionou-me a velocidade com que suas excelências trataram da questão. Mal os novos deputados assumiram, sequer tiveram tempo de dizer a que vieram e já vão eleger a mesa que conduzirá os trabalhos legislativos a partir de 2021.
Segundo soube, a matéria já tramitou e a eleição poderá ocorrer a qualquer momento.
Nada tenho contra a atual mesa (ou mesmo os demais parlamentares) – até por que não os conheço –, mas me preocupa, sobremaneira, que este tipo de casuísmo ocorra.
Primeiro, pelo que me consta, mudaram a regra, permitindo a que a dita eleição ocorresse no ano anterior; agora, que já ocorra no primeiro ano da legislatura; a próxima será que permitir que realizem a eleição para os dois biênios de forma simultânea?
Ora, pelo que se anuncia como verdade, a eleição ocorrerá com pouco mais de sessenta dias do início da legislatura, o que impede, o que na próxima marquem para ocorrer de uma só vez, e se faça letra morta o entendimento constitucional?
Na história do Brasil, todas as constituições, desde a do Império, até a de 1967 – e depois a Emenda Constitucional n. 01, de 1969 –, deixaram tal assunto para os regimentos internos das Casas Legislativas.
Quase todas seguiram à linha da Constituição de 1934 que estabelecia: “Art 26 - Somente à Câmara dos Deputados incumbe eleger a sua Mesa, regular a sua própria polícia, organizar a sua Secretaria com observância do art. 39, nº 6, e o seu Regimento Interno, no qual se assegurará, quanto possível, em todas as Comissões, a representação proporcional das correntes de opinião nela definidas”.
Apesar de não constar na Constituição, desde a instalação do Parlamento Brasileiro, em 1826, a regra tem sido que as Mesas Diretoras não se “perpetuem no comando”. Desde a criação do parlamento, poucos foram os presidentes que ficaram na presidência da Câmara Federal mais que um biênio. Mesmo durante a longa noite da ditadura.
Nos raros casos que isso se deu – salvo uma ou outra exceção –, não ocorreu dentro da mesma legislatura, podemos citar como exemplos recentes, o caso de Ulysses Guimarães (85 e 87; 87 e 89) e do atual presidente Rodrigo Maia (que assumiu para um mandato “tampão” em 2016, depois se elegeu para o biênio seguinte e agora, foi eleito para o biênio 2019/2020).
Em todos os casos, a regra tem sido até admitir-se a eleição seguida da mesa em caso de mudança de legislatura quantos os mandatos foram renovados pelo voto.
Ainda assim, entendo que não deveriam permitir casuísmos como o que se deu com o atual presidente Rodrigo Maia.
A regra estabelecida com a promulgação da Constituição de 1988, é bastante clara e ela estabelece: “Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006).
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)”.
Com tal ordenamento o legislador constituinte pretendeu que a representação da Casa do Povo fosse sempre renovada, permitindo a ampla participação de todas as correntes e/ou minorias, e ainda, que a correlação de forças pudessem ser alteradas na vigência das legislaturas.
Não fosse assim, poderia estabelecer que os mandatos das mesas diretoras das casas legislativas fossem de quatro anos.
A regra inserta no parágrafo quarto é justamente o contrário disso: vedando a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, como vimos acima.
No Maranhão, onde tudo pode acontecer, e segundo Vieira, até os céus mentem, trataram de “descumprir” a regra inserta na Constituição Federal, permitindo através das sucessivas Emendas Constitucionais de nº. 20, 40 e 60, de 21 de dezembro de 2010, no apagar das luzes, que pudesse haver a possibilidade de reeleição infinitamente.
Vejamos: “Art. 29 – A Assembleia Legislativa reunir-se-á, anualmente na Capital do Estado, de 02 de fevereiro a 17 de julho e de 1o de agosto a 22 de dezembro. (modificado pelas Emendas à Constituição no 14 e no 49, de 30/05/2006).
§ 3o - A partir de 1o de fevereiro, no primeiro ano da Legislatura, a Assembleia Legislativa reunir-se-á em Sessões Preparatórias, para a posse de seus membros e eleição da Mesa Diretora para o mandato de dois anos, permitida a reeleição. (modificado pelas Emendas à Constituição nº. 20, nº. 40 e nº. 60, de 21/12/2010)”.
Em resumo, o que os parlamentares maranhenses fizeram – e continuam fazendo –, foi permitir o surgimento de uma estrutura de poder arcaica, antidemocrática e que nos remete ao que existe de mais atrasado no mundo, sobretudo, agora com a possibilidade de eleições, como se dizia lá no sertão, “encangadas”, sem permitir que o tempo modifiquem as correlações de forças e humores e, ainda, com o risco de se tornarem únicas.
Com uma resolução legislativa “engessaram” o parlamento e descumpriram o que desejou o legislador constituinte originário.
Ora, enquanto o atual presidente conseguir o voto para se eleger – o que não será difícil com os sucessivos acúmulos de força política decorrente do cargo –, será sempre o presidente do parlamento estadual.
Como disse, nada tenho contra o cidadão, até porque não o conheço, o problema é que isso atenta contra as mais comezinhas normas democráticas e a experiência é senhora que isso sempre trouxe problemas, dentre os quais o “enfraquecimento” dos demais deputados.
Quando se fala em limitação de mandatos parlamentares como forma de se reduzir distorções e o patrimonialismo, a ideia de alguém poder se eleger infinitamente ao comando de um parlamento é algo verdadeiramente absurdo.
A perpetuação no poder, repito, é incompatível com os ideais democráticos que tanto sonhamos e ansiamos.
É algo que combina com os regimes autoritários, com as ditaduras comunistas, bolivarianas – ou não –, que tantos males causaram a humanidade.
É algo que se assemelha ao modelo da antiga União Soviética em que o Secretário-geral do Partido Comunista ficava no poder mandando em todo país até a morte.
Mas o Brasil e o Maranhão não é e não tem “inveja” de tais modelos. Não podemos desejar a implantação de um modelo antidemocrático por aqui.
O que me causa espanto diante desse cenário, não é a conspiração dos políticos contra a democracia é o silêncio das demais instituições do estado e dos demais cidadãos.
Até agora o Ministério Público Estadual, que “ se mete” até em jogo de castanha no interior, diante do que vem se consolidando, não temos notícia de ter dito nada, cobrado um esclarecimento ou tentado barrar as iniciativas antidemocráticas pela via judicial, que aliás, começaram lá atrás. Falta uma Constituição ao fiscal da lei?
Nunca ouvi dizer que contrariar a Constituição é regra “interna corporis”.
Mas o silêncio, parece não ser privilégio do MPE, a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, que, nos termos da Constituição tem um papel relevante – não é sem razão o “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” –, também não tem nada a dizer, deve achar tudo “bonito” ou que não tem nada com isso.
Aliás, quem parece não ter “nada com isso” é a imprensa, não falo da oposição porque esta ou deixou de existir ou simplesmente não sabe qual é o seu papel. Já a imprensa não, ela possui garantias constitucionais para exercer um papel crítico e ser a voz da sociedade. Apesar disso devota um silêncio cúmplice a estas formas de desmandos.
O que Assembleia vem fazendo já trazem reflexos para os parlamentos municipais, com todo tipo de manobras sendo feitas para manipular as eleições nos comandos das Câmaras Municipais, sendo que muitas delas só estão se resolvendo conforme os “humores” do Poder Judiciário.
Essa balbúrdia começou lá atrás, com as sucessivas alterações na Constituição Estadual, para atender o “interesse da hora”, conforme já explicamos.
A sociedade precisa ficar atenta ao que vem ocorrendo para não acabar endossando as práticas espúrias que sempre combateu.
Abdon Marinho é advogado.