CASAMENTO POR CONVENIÊNCIAS E DIVÓRCIO LITIGIOSO.
Por Abdon Marinho.
Na condição de advogado há mais de vinte anos, ainda hoje uma coisa me chama a atenção: ódio que certos casais – marido e/ou mulher –, passam a nutrir um pelo outro após o fim da relação. Penso: meu Deus, como é possível que estas pessoas que ficaram juntas por dez, quinze, vinte, trinta anos, às vezes mais, passaram a se odiarem tanto a ponto de brigarem por uma panela velha de alumínio, furada, ainda por cima?
E quando tem “lavagem de roupa suja”, o que acontece quase sempre? Ou quando envolvem familiares e amigos, obrigando-os (coitados) a escolherem um dos lados?
Meu Deus, é uma coisa horrível.
Fiz essa breve introdução em “homenagem” ao presidente Bolsonaro que é apreciador de uma metáfora envolvendo relações pessoais – lembram que outro dia estava “noivando” com a Regina Duarte ou que a saída do ex-ministro Mandetta fora uma separação amigável –, e que agora tornou-se protagonista de um divórcio litigioso com(tra) o ex-ministro Sérgio Moro, com direito a “barraco”, disse me disse, lavagem de roupa suja e “guerra de torcidas”, entre os aliados de ambos.
Como disse no início, ainda no “gancho” da metáfora casamenteira, mesmo uniões nascidas da convivência prévia de longos anos de namoro, noivado, ideais comuns, depois de anos juntos acabam da pior forma, o que dizer de uniões em que as pessoas nunca conviveram, não partilham dos mesmos ideais e não tem a mesma forma de ver as coisas e o mundo?
A situação se torna muito grave e (até) insustentável quando você percebe que outras pessoas fazem parte da “relação”, que você não “casou” com uma pessoa só, mas com uma família inteira, com os filhos, os cachorros e os papagaios.
A relação de Moro com Bolsonaro foi um “casamento” de conveniências, arranjado de última hora e, como, quase todos, acaba da pior forma, em divórcio litigioso.
O senhor Bolsonaro eleito legitimamente – mas que até o mais fiel dos bolsonaristas sabe não possui qualquer capacidade administrativa –, quis cercar-se de nomes acima de quaisquer questionamentos e formou um bom time técnico.
Moro e Quedes estariam à frente desta equipe como uma espécie de “fiadores” do governo.
Sim, se voltarmos à fita um pouco mais – para antes da posse ou mesmo para os primórdios do governo –, veremos o próprio Bolsonaro dizendo que o seu ministro da Justiça e Segurança Pública teria ampla autonomia para comandar a área.
Numa das falas disse que essa autonomia seria: “com COAF e tudo”. Noutra fala usou a metáfora da varinha de pesca: “lá em Curitiba o Moro pesca com uma varinha de pesca, no meu governo vai pescar com redes”. Algo mais ou menos assim.
Essas falas, essas promessas públicas, estão registradas na “fita” da história e dos arquivos de televisão.
Só que o presidente, antes de qualquer coisa, é um “homem de família”.
Dizem que chora copiosamente ante a possibilidade (real) de algum dos seus filhos vir a sofrer alguma importunação judicial por algum “malfeito” que possa ter cometido.
Isso ficou muito claro quando o filho que é senador teve reveladas pelo COAF movimentações financeiras para lá de suspeitas – e que todos, mesmo os mais ingênuos sabem que provinham dos esquemas de “rachadinha” que dominou a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro nos anos em que foi deputado estadual.
O zero um do presidente parece ser até o que menos se esbaldou, mas é o filho do presidente.
As gestões de Moro para que as coisas ocorressem dentro do rito normal e de investigação a que estava acostumado na condição de juiz, fez ruir a primeira promessa que lhe foi feita: a tal da autonomia “com COAF e tudo”.
E a “relação” começou a “esfriar”.
O ex-ministro Moro quando topou a proposta de “casamento” de Bolsonaro, deixando sua estabilidade de 22 anos de carreira, reconhecidamente exitosa no Brasil e no estrangeiro, para emprestar seu nome e fama a um governo legítimo, mas presidido por um deputado da “turma do fundão”, do Congresso Nacional, só conhecido por suas posições extremistas muitas das vezes bizarras e contrárias, na maioria das vezes, ao que se entende por civilizadas, fez por interesses.
Disse o ex-ministro que o único compromisso que fez para aceitar o cargo foi que, na eventualidade de vir a faltar por conta do seu enfrentamento ao crime organizado, aquele (o presidente) não deixasse ao desamparo sua família.
Embora alguns tenham procurado enxergar aí um “gravíssimo crime” do ex-ministro, conforme expliquei no texto anterior, abordando especificamente essa crítica, não vi nada demais em tal compromisso: nem que ele tenha solicitado, nem que o presidente tenha aceitado.
Pois bem, mas o ex-ministro tinha, sim, interesses neste casamento de conveniências.
Não digo que fossem interesses pessoais ou ilegítimos. Pelo contrário, o ministro acreditou na promessa do presidente, e imaginou-se combatendo as organizações criminosas em escala nacional e, porque não, sendo reconhecido mais ainda e se credenciando para uma futura sucessão do atual presidente.
Existe algum pecado nisso? Em alguém querer fazer um bom serviço e ser reconhecido por isso para, no futuro, vir a ser algo maior na hierarquia de poder do país?
Ao nosso sentir – e em situações normais –, não. Mas em se tratando do presidente Bolsonaro, sim. Ele teme que seus ministros que são notadamente mais competentes do que ele (o que não é lá tarefa muito difícil), se tornem lideranças maiores que ele.
O exemplo mais ilustrativo do que falo está bem aí na mente de todos.
Que outro presidente, em qualquer tempo e em qualquer lugar do mundo, demitiria o seu ministro da saúde no meio de uma pandemia, sem qualquer motivo a não ser o simples fato da sua grande aceitação popular pelo trabalho que estava fazendo?
Embora tentem encontrar pecados do ex-ministro Mandetta – e não duvido que eles existam –, a demissão ocorreu mesmo foi pelo fato dele ter se tornado, pelo menos, no seu trabalho de ministro, bem maior que o presidente.
Os pecados deles, se existentes, já eram de conhecimento público bem antes da sua posse e até foram questionados naquela ocasião.
A desgraça dele foi o surgimento da pandemia que o projetou extraordinariamente.
Extremo pecado: lhe deu mais que o dobro do apoio popular dado ao presidente.
No caso de Moro a popularidade já existia e para culminar, pelo dever de ofício, teve que “trombar” com os filhos do presidente e seus pecadilhos.
E isso se deu lá atrás, o Moro que, até para a decepção de alguns, vinha “engolindo sapos” para manter a relação – talvez pensando nos seus interesses –, acalentando o sonho de tudo isso passaria, o presidente mudaria de pensamento e ele poderia fazer o trabalho pelo qual renunciou à carreira.
Tentou isso até o dia que saiu.
Enganam-se os que pensam – principalmente os bolsonaristas –, que o Moro se demitiu, que traiu o presidente, etc. Na verdade, o ministro foi demitido pelo presidente, e isso já vinha ocorrendo de muito tempo, a gota d’água, foi a demissão de alguém, colocado pelo ministro, nas suas costas.
Ora, se o ministro concordasse em permanecer no cargo depois disso, não seria um homem, seria um rato.
Alguém que disse que estaria disposto a dar vida pelo país no enfrentamento do crime organizado, pedindo apenas que não deixassem sua família no desamparo, aceitar tamanha humilhação, seria vergonhoso.
Vejo agora uma estranha união entre bolsonaristas, petistas, comunistas e outros “bichos” na tentativa de desqualificar o ex-ministro.
Ora dizem que o ministro teria solicitado uma vantagem indevida para ser ministro – o pedido para que sua família não ficasse desamparada no caso de vir a “tombar” em serviço –, ora dizem que tentou barganhar o cargo de ministro do STF.
Na minha visão uma pessoa com os trabalhos prestados à nação poderia pleitear qualquer coisa, até mesmo a presidência da República.
Se bem lembro, quais as qualificações de Dias Toffoli quando o ex-presidente Lula o fez ministro da mais alta Corte do país? Que serviços havia prestado ao país?
Não tenho dúvidas de que Moro tem muito mais qualificação, além de ter uma folha de serviços prestados à nação incomparavelmente maior.
Digo isso para eventualidade de alguém considerar como “pecado mortal” o fato dele ter cogitado ou mesmo sugerido que poderia vir a se tornar ministro do STF.
Apenas para citar exemplos mais próximos da gente, quantos que cercam o atual governador, dizendo, até, que suas flatulência tem ótimo odor, na esperança de vir a ser lembrando quando surgir uma vaga do TJMA, no TCE ou mesmo atrás de uma promoção, no caso dos efetivos? Muitos entregam até a mãe.
O próprio governador quando deixou a magistratura, ainda ontem, o fez diante da promessa de que umas das dezoito vagas de deputado federal seria dele.
E, conhecendo o ex-governador José Reinaldo, aposto que no intervalo entre a exoneração e a posse como deputado federal, ele não deixou o atual governador “desamparado”, além de ter entregue, religiosamente, o prometido mandato – e depois ter feito tudo que pode para torná-lo governador.
Certamente Zé Reinaldo, ainda que não tenha pedido, sugerido ou cogitado, também fez isso contando que não seria “abandonado” quando, sobretudo, na velhice precisasse de quem tanto ajudou.
Mesmo um pai que tudo faz pelos filhos, além do amor, o que fazem é na esperança da reciprocidade.
No divórcio litigioso de Bolsonaro com Moro, o primeiro, como era de se esperar, escolheu os filhos, ainda que em prejuízo da pátria; o segundo escolheu o brio.
Abdon Marinho é advogado.