COMO NO TEMPO DA KGB.
Por Abdon Marinho.
ALGUÉM sabe qual é o grande sonho do governo Bolsonaro quando “crescer” – se crescer?
Resposta: ser igual ao governo Flávio Dino.
Isso, claro, não se relaciona a qualquer obra ou feito extraordinário para o bem da população, pois isso não existe.
O governador pegou um estado miserável e já avançando pelo sexto ano o tem deixado mais miserável ainda.
Mas, como diria o ex-presidente Lula, “ainda bem” que apareceu esse maldito vírus para o governante estadual colocar toda a culpa pelo insucesso e fracasso do seu governo.
A “inveja” de Bolsonaro em relação ao governo do “nosso líder” diz respeito a “apropriação” do Estado, e dos seus instrumentos, em benefício próprio e da “causa”.
O presidente da República atualmente enfrenta uma das maiores crises do seu governo por, supostamente, tentar interferir ou ingerir ou coisa que o valha, nos destinos e na condução da Policia Federal.
Até um inquérito, com desdobramentos imprevisíveis, corre no Supremo Tribunal Federal - STF, depois que o ex-ministro da justiça deixou o cargo, apontando como motivo para tal decisão, essa tentativa, pouco republicana, do senhor Bolsonaro.
Por aqui ninguém jamais cogitou questionar o uso da Polícia Judiciária pelo governante de plantão.
A começar pelo fato da própria secretaria de segurança ser comandada por um fiel e ardoroso militante, um verdadeiro “homem de partido”, do Partido Comunista do Brasil - PCdoB.
O governador nomeou o militante do partido no primeiro dia que chegou ao governo e o mundo não veio abaixo.
Segundo as inconfidências do ex-ministro da justiça o presidente da República choramingando apelou: –– Poxa, Moro, só quero um superintendente (o do Rio de Janeiro), você fica com os outros vinte e seis.
É sobre o fato da policia se prestar a servir o governante que nos ocuparemos neste texto. Antes, porém, cabe dizer que no fundo, no fundo, toda animosidade entre o governador do Maranhão e o presidente da República e vice-versa, é porque um enxerga no outro os seus próprios defeitos.
Como em um espelho em que os vaidosos se examinam e odeiam os defeitos que o outro (o espelho) revela.
Essa é a verdadeira razão da animosidade – ainda que oculta por máscaras psicológicas.
Isolado há mais de sessenta dias por conta da pandemia – e só me informando através do leio e escuto –, sou informado que policia estadual “sentou à pua” em um grupo de WhatsApp. Segundo o jornalista, que narrou o fato em “podcast”, os integrantes do grupo foram chamados à polícia por “falarem mal do governador e do governo” e, também, por organizarem, através do grupo, uma manifestação pacifica contra as medidas de isolamento social decretadas pelo governador para combater a pandemia do novo coronavírus.
Na narrativa, o jornalista nos informa que os integrantes do grupo de WhatsApp são (ou eram) pessoas comuns que foram tratadas como marginais e sofreram diversos tipos de constrangimentos por se verem naquela situação e serem chamados às falas como se fossem marginais.
Decerto que os delegados – e demais agentes policiais –, agiram dentro dos limites da lei – jamais pensaria diferente.
Mas venhamos – e convenhamos –, tratava-se de cidadãos comuns, membros de um grupo de WhatsApp, WhatsApp, repita-se mil vezes, e não de uma célula terrorista; o que estes cidadãos faziam (ou ainda fazem) eram críticas ao governo – um direito deles, gostem-se das criticas ou não –, o ato supostamente programado, ainda que infringisse o decreto de isolamento, não se tratava da programação para colocarem bombas para explodirem as pontes sobre o Rio Anil, o palácio do governo, o centro administrativo ou mesmo o edifício João Goulart, recentemente inaugurado e pelo qual o estado paga uma boa grana mensalmente.
A discussão que se trava aqui é sobre a escalada autoritária do governo estadual, a ponto da policia monitorar grupos de conversas por aplicativos e intimar as pessoas a prestarem esclarecimentos por, supostamente, programarem uma manifestação pacífica contra o governo ou para “furarem” um bloqueio sanitário.
Ora, ainda que fosse legitimo esse monitoramento indistinto de grupos de bate papo por aplicativo, por qual razão, ao tomarem conhecimento de que o grupo pretendia fazer um protesto pacífico contra as medidas do governo, as autoridades policiais não notificaram o Ministério Público Estadual para que este adotasse as providências que julgasse necessárias?
Aliás, o MPE ou mesmo a Defensoria Pública se fizeram presentes nas oitavas dos integrantes do grupo de WhatsApp a fim de prevenirem quaisquer abusos?
Muito além do ato isolado – pois mais abusivo que seja –, o que torna a situação mais grave é padrão.
Quantas não foram as vezes que se ouviu histórias de que as forças policiais do estado, supostamente, estariam engajadas no projeto político do governador e do seu grupo?
Quantas não foram as vezes que se ouviu boatos sobre a existência de monitoramento ou mesmo “grampo” telefônico/telemática e dados contra os adversários?
Lembro que nas eleições de 2016 ouvimos depoimentos de mais uma liderança, sobretudo, do interior dando conta do uso da máquina pública contra os adversários do governador, inclusive um ou outro dizendo que a polícia militar amanhecera em suas portas.
Aqui na capital e região metropolitana, nem se fala.
Em 2018 foi o escândalo denunciado publicamente de que a Polícia Militar estaria monitorando os grupos políticos no interior, inclusive, oficialmente, com direito a ofícios circulares e planilhas de dados a serem coletados.
Alguém sabe a quantas andam as investigações sobre isso e se alguém foi punido ou responsabilizado?
A escalada autoritária com a utilização da máquina pública também se volta contra a imprensa livre.
Quantas vezes não ouvimos notícias de jornalistas sendo processados – e até mesmo cidadãos comuns –, por escreverem, falarem ou mesmo se manifestarem contra os novos “donos” do poder no Maranhão?
Uma vez, estava em meu escritório quando uma funcionária me avisou que determinado cidadão queria falar comigo.
Pelo nome dito não lembrei da pessoa mas fui atendê-lo numa sala ao lado.
O cidadão tinha ido me comunicar e até cogitar me arrolar como testemunha em um processo ou inquérito que estaria respondendo por ter comentado, através de um pseudônimo, um artigo que havia escrito que fora reproduzido por um dos blogues da cidade.
Diversos jornalistas ou blogueiros respondem ou responderam processos cíveis, criminais ou mesmo a inquéritos por crimes de opinião no atual governo.
Quando não são as autoridades a processarem jornalistas e cidadãos, o próprio Estado se encarrega disso através de sua procuradoria.
A intenção é a aniquilação financeira ou buscar a condenação das pessoas para, no fundo, calar qualquer um que ouse dissentir e se manifestar contra o governo e/ou os governantes.
Já ouvi de mais de um jornalista que nunca em qualquer tempo da carreira profissional fora perseguido quanto na atual quadra da politica local.
São poucos os jornalistas, no Maranhão, que bravamente resistem à pressão do aparelho estatal ou dos demais mecanismos de dominação.
Enquanto fazem tudo isso por aqui, este mesmos paladinos da democracia e da liberdade, saem Brasil afora criticando a escalada autoritária do governo federal – com razão –, inclusive, através de reiterados pedidos de impeachment, representações e ações judiciais.
É o nosso conhecido espelho. Nos outros enxergo meus próprios defeitos – e eles são tão horrendos quanto a real face de Dorian Gray, da imortal obra de Oscar Wilde.
Os cidadãos de bem, não podemos silenciar diante de fatos de tamanha gravidade. Intimar e constranger integrantes de grupos de WhatsApp é a prova derradeira de que o autoritarismo dos atuais governantes estaduais não conhece limites.
O próximo passo será intimar a turma do happy hour? A galera da sinuca? O grupo de amigas que ficam “fofocando” nas portas ao entardecer?
É o que falta.
Tomem tento! A única KGB da qual sentimos saudades é a antiga boate da Rua das Hortas, da nossa juventude.
Abdon Marinho é advogado.