PANDEMIA IDEOLÓGICA.
Por Abdon Marinho.
UM AMIGO me manda uma fotomontagem com um quadro comparativo da situação da pandemia no Maranhão e em Minas Gerais. Indaga-me o que acho das informações ali contidas.
Em contraposição, um outro amigo, por sua vez, manda idêntica fotomontagem, mostrando, desta feita, o quadro comparativo da pandemia no Brasil e na Índia.
As duas, por assim dizer, são “provocações” sobre a melhor forma de tratar a pandemia do coronavírus que se espalha pelo mundo e que, no Brasil, virou instrumento de uma guerra ideológica nunca vista ou imaginada em qualquer tempo da história – é essa, a guerra política e ideológica, ao nosso sentir, uma das causas de estarem ocorrendo tantas mortes no Brasil.
Começando pela segunda peça que compara a situação do Brasil e a da Índia diz que aquele país, a despeito de possuir uma população de 1 bilhão e 300 milhões de pessoas, registra números de infectados e de mortos bem inferiores aos números do nosso país para ambos os quesitos.
Creditando isso à rígida política de isolamento social adotada por lá, o que difere, em muito, do que defende o governo federal do Brasil.
Não sei em que estágio se encontra a penetração do coronavírus no território indiano, de qualquer modo há de se reconhecer que só o fato de registrar, em qualquer estágio, os números que registram, considerando as condições extremamente precária em que vive a maioria da sua imensa população, é digno de elogios.
Não há como negar, também, que todos os países que minimizaram perdas humanas nesta primeira onda da doença foram aqueles que adotaram medidas rigorosas de restrições e que trabalharam com a testagem da população.
Foi assim com Alemanha, a Austrália, a Nova Zelândia, Portugal, e mesmo a Argentina.
Por outro lado, aqueles que demoraram a adotar medidas ou apostaram na chamada “imunidade de rebanho”, enfrentaram perdas humanas significativas, é o caso da Itália, da França, da Espanha, do Reino Unido e dos Estados Unidos.
No chamado mundo ocidental apenas a Suécia não impôs restrições à circulação de pessoas – apostando na imunidade de rebanho –, e registra um número muito alto de vítimas se comparados aos países vizinhos, Noruega, Finlândia e Dinamarca.
Diante disso, até aqui, pelo menos, temos por certo que o consenso científico em torno do tema tem se mostrado correto.
Com relação ao primeiro quadro comparativo referido, o que compara a realidade do Maranhão à de Minas Gerais, entendo caberem algumas considerações.
A primeira delas é que diferente do que aponta o quadro, Minas Gerais não apresenta um resultado melhor no combate ao vírus por “manter flexibilizado o comércio”, como coloca o quadro, em contraposição ao Maranhão que manteve (e mantém) “restrições ao comércio”, e agora até implantou, por determinação da justiça, o chamado lockdown, nos municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, onde se encontra o maior número de casos.
Embora a premissa no quadro comparativo seja falsa, não foi a flexibilização no comércio que “impediu” a expansão do vírus em Minas Gerais ou restrição do comércio a “responsável” pela expansão do vírus no Maranhão, é certo que alguém fez melhor o “dever de casa” do que outros.
Os números falam por si e não mentem.
A Organização Mundial da Saúde - OMS, declarou situação de pandemia global no dia 14 de março, já nos dias seguintes começaram as restrições no estado, aulas suspensas, atividades não essenciais paralisadas.
Resta saber o que as autoridades do Maranhão deixaram de fazer – ou não fizeram à contento –, para registrar números tão desfavoráveis, não apenas em relação ao Estado de Minas Gerais, que possui uma população três vezes superior à nossa, mas, também, em relação a outros estados da federação, como o Rio Grande do Sul, que tem pouco mais de um terço, em relação aos casos de contágios registrados por aqui e nem um terço dos óbitos, se comparados aos nossos; Mato Grosso, com pouco mais de quatrocentos casos, e pouco mais de uma dezena de mortos; Mato Grosso do Sul, com cerca de trezentos casos de contágio e uma dezena de mortos; ou mesmo o vizinho estado do Piauí, que possui pouco mais de mil casos de contágio e pouco mais de trinta óbitos, dez vezes menos que o registrado aqui.
Além destes estados, ainda merece destaque o Tocantins, com pouco mais de quatrocentos casos de contágio e menos de dez mortos.
Os Estados citados como exemplos não estão aguardando o pico de contágio chegar por lá, pelo que vi na mídia, já estão, sim, tentando retornar à vida normal – que torcemos, seja feita com todas as cautelas necessárias para que não se tenha um recrudescimento de contágio.
Embora não me caiba julgar – ainda mais estando de fora –, talvez seja hora das autoridades do estado avaliarem o que fizeram, até aqui, de errado – ou não tão certo –, a ponto de provocar números tão desfavoráveis e que, infelizmente, continuam subindo, enquanto vemos outros estados já flexibilizando as medidas de restrições.
Com tristeza registro que ao serem compelidos, pela justiça, para adotarem medidas mais duras, como lockdown, autoridades “festejem” por estarem na “vanguarda”.
Talvez na vanguarda do atraso.
Não vejo os mineiros, os mato-grossenses, sul-mato-grossenses, ou mesmo os piauienses cobiçando nossa “vanguarda”.
Não sei se por conta da pandemia ideológica, chegam-nos áudios e/ou mensagens de texto acusando o governo local de não utilizarem (ou utilizarem menos do que deveriam) os testes repassados pelo governo federal; ou de não adotar (ou retardar) o uso da hidroxicloroquina no tratamento dos enfermos, supostamente, para não darem razão ao presidente da República, que recomendou o tratamento – ainda que sem qualquer embasamento cientifico –, desde o inicio.
Não sabemos se existe qualquer amparo para as acusações, mas por outro lado, em que pese termos um significativo número de recuperados e a curva de contágio não seja tão ascendente como no Amazonas, Amapá, Ceará ou Pernambuco – só para citar os exemplos mais próximos –, o número de infectados cresce assustadoramente, inclusive no interior, e os óbitos já se contam nas centenas.
Há bem pouco tempo – pouco mais de um mês –, quando a pandemia começava a registrar seus óbitos no Brasil, lembro que quando atingiu a fatídica marca de 300 mortos, o governador do estado escreveu um tuíte, dizendo que amanhecera aquela quantidade de mortos na porta do presidente, sendo admoestado, por sua insensibilidade, pelo general Augusto Heleno.
Hoje, para o nosso pesar, só o Maranhão ultrapassa essa marca. Em respeito às vítimas e seus familiares jamais se deverá dizer que os mortos amanheceram na porta dos Leões.
O que não fizemos direito, já que sabíamos criticar? Por que seguimos o exemplo dos estados onde os números da tragédia estão nas alturas ou invés de seguirmos aqueles estados de forma silenciosa e sem alarde conseguiram ou estão conseguindo apresentar melhores resultados?
Como disse desde o início não é com pirotecnia, excesso de propaganda ou proselitismo politico que iremos combater a pandemia e poupar vidas, mas, sim, com o trabalho sério, discreto, transparente e sem ideologismo, como aquele realizado pelos estados que, até aqui, apresentam os melhores resultados que os nossos.
As autoridades e, principalmente, a população talvez devesse refletir sobre isso.
Abdon Marinho é advogado.
* Os números que aparecem nas imagens, como de se esperar, estão defasados, representava a situação naquele momento.