AS GUERRAS DO BRASIL.
Por Abdon Marinho.
O MUNDO trava uma guerra contra um inimigo oculto: o novo coronavírus surgindo na China a partir de setembro ou outubro de 2019, e que vem causando pânico em todos os países, já tendo tendo contaminado mais de dois milhões de pessoas, e ceifado mais de cento e setenta mil vidas.
E poderia ser muito mais, se os maiores centros populacionais não decidissem por “fechar as portas” e confinar seus cidadãos dentro das suas residências, só permitindo a saída para atividades essenciais e nada mais.
À míngua de qualquer tratamento ou vacina, foi o que lhes restou, para, ao menos neste primeiro momento, tornar menos dramática a perdas de vidas humanas.
Mesmos nações poderosas como os Estados Unidos, que já registra mais 40 mil mortos; Reino Unido, que se aproxima de 20 mil mortos; Itália e Espanha que já passaram de tal patamar, quedaram-se à força do inimigo oculto.
Lá atrás, diante da gravidade da situação, a Organização Mundial da Saúde - OMS, declarou situação de pandemia global.
Uma situação de pandemia não comporta discussão sobre quaisquer outras pautas que não o combate ao inimigo comum.
Com um ou outro encaminhamento distinto, uma ou outra crítica aos encaminhamentos propostos pela OMS, é isso que tem feito o resto do mundo – pelo menos a parte do mundo que aprendeu-se a reconhecer como sendo civilizado.
No momento em que o resto mundo trava uma luta uniforme contra o inimigo da humanidade, o Brasil resolveu que é a hora de travar diversas “guerras” paralelas, inclusive, antecipar o debate sobre uma eleição que vai ocorrer daqui a três anos.
O governo federal guerreia entre si, ora por espaço ou para se tornar majoritária no “comando” da nação.
O presidente da República ora, sim e na outra também – fato sabido desde o início do governo –, sabota e estimula “frituras” de seus próprios ministros e até os ameaça ou os demite, na eventualidade de um ou outro se sobressaírem mais do que ele nas suas pastas.
Os exemplos estão aí à vista de todos. Foi assim com o Paulo Guedes, quando este propôs as reformas estruturais necessárias ao país.
A reforma da previdência social que todos sabiam ser necessária e urgente saiu um arremedo do poderia (e deveria) ter sido, por culpa da ingerência do chefe do governo.
Foi assim com o Sérgio Moro – a quem foi prometido ampla liberdade para continuar e ampliar o combate à corrupção no país ou não lembram que o presidente disse que enquanto o ex-juiz combatia a corrupção com uma vara de pesca no seu governo iria combater com uma rede? –, que foi ceceado, desautorizado, humilhado, diminuído e sabotado quando tentou aprovar seu pacote “anticrime” ou mesmo diversas outras medidas.
O pacote até saiu. Mas bem menor e, apresentando, em alguns casos, diversos retrocessos.
A desculpa do presidente era que estava preocupado com a governabilidade e não queria criar atritos com os outros poderes.
Foi assim com o Luís Henrique Mandetta quando este começou a “aparecer” mais do que o presidente da República por conta do combate à pandemia do coronavírus.
Está sendo assim com a ministra da agricultura Teresa Cristina – que começa a sofrer um processo de fritura –, por conta do sucesso à frente da pasta.
Essa “sabotagem” interna, essa desfuncionalidade do governo, revela a falta de capacidade de governar o país e tem causado enormes prejuízos para o Brasil, que está vergonhosamente sendo saqueado por parlamentares e/ou por governadores ao argumento de combate à pandemia.
Serão bilhões e bilhões dos quais nunca mais teremos notícias. Isso porque o governo central tem se mostrado incapaz de conduzir o processo.
O Brasil vive um estranho paradoxo pois enquanto temos um presidente notadamente incapaz – ainda que pesquisas de opinião pública digam o contrário – temos uma maioria de parlamentares – deputados federais e senadores –, que, notadamente, se revelam capazes de tudo.
Não tenho qualquer dúvida de que o presidente da Câmara e, também, o do Senado não trabalham com foco estrito no interesse público, trabalham, com certeza nos próprios interesses e para aumentar o seu poder na nação.
E, fazem isso “avançando”, de todas as formas, sobre as competências constitucionais do Poder Executivo.
Existe um clima de chantagem explícita conforme bem assentou o general Augusto Heleno em um áudio indiscretamente capturado de uma conversa privada.
Apesar de restar claro que o conflito existente entre os poderes ocorre pela ganância desenfreada de muitos parlamentares por pedaços do orçamento, conforme já tratamos aqui diversas vezes, o presidente da República está longe ser inocente nesta história.
Ele, com sua atuação errática, falado três bobagens a cada duas palavras, favoreceu esse tipo de coisas e fragilizou sua gestão.
Deixou-a tão frágil que hoje exerce o poder sob a tutela dos militares.
E, pior, atrapalha até os militares quando estes querem fazer um trabalho sério, técnico e voltado aos interesses da nação.
Outra coisa, não temos qualquer dúvidas de que muitos governadores, desde que o atual governo assumiu, trabalham de forma incansável e explorando as fragilidades do atual presidente, para “crescerem” em cima dele.
A tragédia ocasionada por este novo coronavírus ao invés de arrefecer estes comportamentos beligerantes e de interesses escusos, fez foi acirrá-los ainda mais.
Exemplos deste despudor, para nossa vergonha, foram – e ainda são –, protagonizados pelo governador do Maranhão.
Até bem pouco tempo, sua excelência se ocupava – indiferente a tanto sofrimento causado pelas mortes e por suas próprias circunstâncias –, em contar os óbitos ocorridos por conta da covid-19 e atribuí-los ao presidente da República.
Fez isso, pessoalmente, através de suas redes sociais, até o dia em que um senhorzinho de mais setenta anos, o general Augusto Heleno, lhe fez uma duríssima admoestação, disse-lhe o general: “sempre acreditei, pelo passado histórico, que comunistas são seres alienados, sonsos, insensíveis e insensatos. Atitudes como essa confirmam esse perfil”.
Depois disso, embora continue “aprontando” todas, a última foi espalhar que a capacidade dos hospitais privados para atender às vítimas da covid-19 havia se exaurido – o que foi prontamente desmentido pelos três principais hospitais da capital –, sua excelência passou o ofício de “contador de óbitos” para algum adulador de plantão e deixou de atribuí-los ao presidente.
Por derradeiro, tentou mais uma promoção pessoal – dizendo ter driblado Trump e Bolsonaro –, numa nebulosa importação de material hospitalar da China.
Havia alguma ameaça real da carga ser pirateada pelo governo americano ou brasileiro? Qual a razão para encenação deste filme de espionagem de quinta categoria?
Além da “guerra” travada dentro do próprio governo; da “guerra” travada entre poderes; da “guerra” travada entre o governo e os governadores que querem se promover politicamente explorando a tragédia do vírus, a oposição entendeu que é hora de derrubar o governo.
Ao Brasil – e aos brasileiros –, já basta não lidar com tantos problemas, tantas vaidades, tantos interesses e tantas mortes, tem que lidar, também, com uma oposição que “entende” ser o melhor momento para derrubar o governo é durante uma pandemia.
A campanha pela derrubada do governo é protagonizada por diversos partidos de oposição, e tem, inclusive, à frente o ex-presidente Lula, já condenado em dois processos por corrupção e lavagem de dinheiro e que só não está preso devido leniência da legislação penal brasileira.
A estratégia de derrubar governos em crises agudas, historicamente, têm o condão de trazer o caos. Foi assim em todos os países que fizeram ou tentaram fazer isso.
Vejo faltar bom senso e postura ética aos opositores.
Por outro lado, o presidente Bolsonaro, conforme já dito anteriormente, está muito longe de ser inocente nessa história toda.
Ele “chafurda” nesta mesma lama fétida que chafurdam os seus opositores.
Todas as atitudes do presidente, inclusive, as de incitar movimentos contra a quarentena, de apoiar manifestantes que pedem por regimes de exceção, e tantas outras, fazem parte de cálculo político para a sua promoção pessoal fracionando a nação.
Quando o presidente se coloca, isoladamente, contra o consenso mundial de que neste primeiro momento é necessário estabelecer uma política de distanciamento social para reduzir o contágio e garantir a capacidade de atendimento dos serviços de saúde, ele está ciente – como todos estamos –, da crise que avizinha, e quer jogar a responsabilidade para os governadores, principalmente aqueles que figuram como seus adversários no pleito de 2022.
Outro dia foi noticiado que o presidente se colocara contra uma proposta de reduzir, durante quatro meses dos servidores públicos no “esforço de guerra”, porque isso representaria uma perda de milhões de votos.
Ora, a um governante, presidente, governador, prefeito – ou mesmo a qualquer um que exerça um cargo público –, não é ético que tome ou se deixe tomar essa ou aquela medida partindo de um cálculo eleitoral.
A razão de ser do Estado é a promoção do bem-estar comum. Logo, sempre que possível, não podemos prescindir de pessoas, sobretudos, dos mais velhos, dos enfermos, para “salvar” a economia.
O Estado tem o dever moral de preservar principalmente os mais frágeis.
Essa é uma das razões de sua existência.
Ainda com prejuízos materiais graves, o sentido da preservação da vida e da urgência deve prevalecer sobre os demais interesse.
Um governante, fora das situações extremas, não pode simplesmente permitir que vidas sejam perdidas quando, ainda que, com dificuldades, possam ser preservadas.
Essa falta de compreensão do presidente sobre o papel do Estado, em qualquer situação e, sobretudo, durante as crises, faz com que perca a capacidade de governança.
Capacidade de governança não tem nada a ver com apoio popular ou mesmo legitimidade, mas, sim, com a capacidade de conduzir os destinos do país.
Isso se revela claro quando ele não se mostra capaz de agregar a nação em busca de uma solução que seja menos danosa aos governados. Não faz isso porque não sabe, vez que não possui qualquer “bala de prata” para derrotar o mal que nos aflige.
Nós, brasileiros, não somos especiais a ponto do vírus que mata milhares ao redor do mundo não nos cause mal algum.
Por conta disso precisamos de governantes que ajam com racionalidade, método e de acordo com os fundamentos do que seja Estado.
O comportamento dos brasileiros – que se portam como se estivessem em guerra de torcida –, diante de uma pandemia não é apenas tosco, é irracional.
Infelizmente, a irracionalidade é a tônica destes tempos – e vem de todos os lados.
Por isso mesmo, enganam-se os que pensam que o senhor Bolsonaro ou o bolsonarismo sairão menores dessa crise, pelo contrário – graças a oposição incompetente que possui –, sairão mais fortalecidos, inclusive, com potencial de levar o país ao caos.
Mas esse é um assunto para ser tratado em um outro texto.
Abdon Marinho é advogado.