AbdonMarinho - RSS

4934 Irv­ing Place
Pond, MO 63040

+1 (555) 456 3890
info@​company.​com

Reflexões para o Oito de Outubro.

Escrito por Abdon Mar­inho


REFLEXÕES PARA O OITO DE OUT­UBRO.

Por Abdon C. Marinho.

O MUNDO acorda em sus­pense diante da nova guerra eterna entre Judeus e Palesti­nos. Ontem, 7, o grupo Hamas de forma sur­preen­dente ata­cou o Estado de Israel, matando e seques­trando dezenas, talvez, cen­te­nas de civis.

O hor­rip­i­lante cam­inho do ter­ror­ismo.

Em reação aos ataques, Israel ataca com exces­siva força os palesti­nos já espremi­dos na Faixa de Gaza, tam­bém civis, tam­bém tra­bal­hadores, tam­bém inocentes e que sofrem há décadas com a guerra e com a falta de tudo, inclu­sive, de uma existên­cia digna.

A guerra é sem­pre bru­tal e suas víti­mas mais efe­ti­vas são aque­les que nada fizeram.

Ansiosos por se posi­cionarem, muitos já escol­heram o seu lado.

Esse lado nunca é o lado das ver­dadeiras víti­mas.

Ah, é legit­imo o dire­ito de autode­fesa. Claro que sim, é legí­timo.

O que não é legí­timo é quando se usa um dire­ito legí­timo para come­ter ato de vin­gança cole­tiva, punindo, prin­ci­pal­mente, aque­les que nada fiz­eram e que não pos­suem condições mín­ima de se defend­erem.

O nome para isso é covar­dia. Outro nome: ter­ror­ismo de estado e até genocídio.

Os veícu­los de comu­ni­cação e seus donatários pare­cem sen­tir orgas­mos múlti­p­los a cada min­uto que atu­al­izam o número de vidas per­di­das.

Na Europa, a invasão russa na Ucrâ­nia já cam­inha para o segundo ano sem uma per­spec­tiva de solução.

Além das víti­mas fatais choca o sofri­mento dos mil­hões de cidadãos que, de uma hora para outra, se viram pri­va­dos de suas vidas, de suas casas, do seu con­vívio famil­iar e comu­nitário. Muitos foram viver noutra pla­gas, sofrendo pri­vações e todo tipo de pre­con­ceito e incom­preen­sões e, até mesmo, abu­sos diver­sos.

Na Ásia, a pop­u­lação afegã voltou ao indizível sofri­mento de tem­pos pretéri­tos com as mul­heres, sobre­tudo elas, sofrendo todo tipo de abu­sos, humil­hações e pri­vações.

A mesma situ­ação que mul­heres e meni­nas enfrentam no Irã, na Arábia Sau­dita e tan­tos out­ros países. Humil­hação, pri­vação, abuso.

Mel­hor sorte não têm os povos do lado de cá do Atlân­tico.

Hon­duras tornou-​se uma ditadura asquerosa com os san­din­istas que há quarenta anos pen­sá­va­mos que fos­sem red­imir aquele povo tornado-​se seus opres­sores tão ou piores que os lacaios da ditadura de Somoza.

Quanta decepção. Lem­bro que na juven­tude tín­hamos Daniel Ortega como herói lib­er­ta­dor do povo hon­durenho e hoje o vemos pren­dendo, expro­priando opos­i­tores como os tira­nos mais san­guinários.

Merece relevo que até a igreja católica que nos primór­dios do san­din­ismo os apoiou, hoje sente o braço forte da ditadura sobre seus mem­bros e sobre o seu patrimônio.

O san­din­ismo e Ortega, de lib­er­ta­dores viraram (ou sem­pre foram) opres­sores do povo.

Em alguns casos, como das expro­pri­ações dos adver­sários, viraram, na ver­dade, ladrões do povo. Reles ladrões que usam do poder que pos­suem para “tomar” o patrimônio alheio na mão grande.

Essa é a “sorte” de tan­tos out­ros povos das Améri­cas. Os bar­bu­dos de Sierra Maes­tra não iam levar paz e pros­peri­dade a Cuba? Chávez e os seus não iam devolver o pro­gresso à Venezuela?

O que é desses países além de car­i­cat­uras de regimes total­itários?

Mesmo o Brasil, será que não cam­in­hamos para um mod­elo autoritário? Que garan­tias pos­suem os cidadãos diante de poderes con­sti­tuí­dos con­fla­gra­dos e com seus mem­bros só pen­sando nos próprios inter­esses?

O Brasil sofreu uma ten­ta­tiva de golpe, de supressão da democ­ra­cia, de forma atípica – muito emb­ora os mem­bros da inten­tona mais pare­cerem o esfar­ra­pado exército de Bran­ca­le­one –, mas a nossa democ­ra­cia não sairá vito­riosa se con­tin­uar­mos a pen­sar no inter­esse próprio em detri­mento do inter­esse do país.

A democ­ra­cia no mundo todo parece-​me cada vez mais frag­ilizada. Não são poucos os países onde líderes autoritários ameaçam ou estão tomando o poder na maio­ria das vezes com o apoio do povo que não apren­deram nada das lições históri­cas.

Vejam que mesmo a democ­ra­cia amer­i­cana – durante sécu­los um exem­plo de esta­bil­i­dade –, apre­senta sinais de frag­ili­dade.

Há três anos, como uma republi­queta de bananas qual­quer, sofreu uma ten­ta­tiva de golpe, quando por meios vio­len­tos ten­taram alterar o resul­tado eleitoral.

Agora, de forma inédita na sua história, des­ti­tuíram o pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos por causa da exces­siva polar­iza­ção política.

Não demora, como ocor­reu na Ale­manha nos anos ante­ri­ores ao nazismo, aque­les que ten­taram der­rubar a democ­ra­cia amer­i­cana chegarão ao poder mesmo todos sabendo que não pos­suem qual­quer com­pro­misso com ela.

O homem, defin­i­ti­va­mente, é o ser mais irra­cional do plan­eta pois emb­ora sabendo e tendo capaci­dade para dis­cernir entre o certo e o errado ele busca o cam­inho errado, ainda que isso só traga diss­a­bores para si mesmo e para todos no seu entorno.

Desde sem­pre sabe­mos que deve­mos preser­var a natureza, cuidar do plan­eta que é a “casa” de todos.

O que fize­mos? Destruí­mos o plan­eta, des­mata­mos as flo­restas, mata­mos os rios, cór­re­gos, igara­pés, poluí­mos os mares, con­sum­i­mos além do necessário.

Como sabe­mos e temos a opor­tu­nidade de con­statar, um dia a conta chega.

A cada dia o plan­eta está mais aque­cido, geleiras der­retem, a cada dia, a cada mês, dizem foi o mais quente de todo o sem­pre.

Even­tos climáti­cos nunca vis­tos acon­te­cem em todo mundo, calor escal­dante na Europa, tromba d’água na África, seca nunca vista na Amazô­nia, tor­na­dos e enchentes no sul Brasil.

Condições climáti­cas extremas, agravadas pela pobreza mais extrema ainda, além das guer­ras inter­nas e abu­sos con­stantes provo­cam as ondas de migração de pes­soas que só bus­cam um pouco de mel­hora para suas vidas.

Pes­soas que são aban­don­adas ou deix­adas à própria sorte quando não são mais mal­tratadas ainda.

Ninguém se acha cul­pado, ninguém se acha respon­sável – talvez Deus –, se a seca dos rios amazôni­cos, mata os peixes e mamíferos e se os humanos mor­rem de sede ou con­somem lama.

Mas é, tam­bém, em nome de Deus que se come­tem os maiores absur­dos. Na grande maio­ria das vezes aque­les que bradam o dia inteiro o nome de Deus são os primeiros a duvi­darem de sua existên­cia.

Ao fazer tais reflexões sobre os nos­sos dias, esse pequeno recorte neste 8 de out­ubro, imag­ino se não somos o mais retum­bante fra­casso da criação.

Daqui a pouco nen­hum de nós estará aqui. Nada. Nen­huma pro­priedade, nen­huma for­tuna, nen­huma posse. Nada disso nos servirá mais. Talvez não sejamos, sequer, um retrato na parede.

Daqui a pouco, talvez nem o plan­eta exista mais.

Nossa própria descendên­cia talvez não mais exista para nos honrar.

E isso encadeia uma outra inda­gação: o que esta­mos fazendo para ser­mos hon­ra­dos?

O que esta­mos, efe­ti­va­mente, fazendo de útil para ela, para a nossa descendên­cia?

São tan­tas reflexões. São tan­tas inda­gações.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Uma preta no Supremo.

Escrito por Abdon Mar­inho

UMA PRETA NO SUPREMO.

Por Abdon C. Marinho.

CER­TA­MENTE muitos já falaram e escreveram sobre a neces­si­dade de ter­mos um Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF – e out­ros tri­bunais supe­ri­ores –, mais diver­si­fi­cado. Cer­ta­mente todos ape­los serão igno­ra­dos pelo pres­i­dente da República e por aque­les que influ­en­ciam o seu pen­sa­mento e as suas ações.

Aliás, equiv­o­cada­mente, sua excelên­cia já declarou pub­li­ca­mente que na escolha para tais car­gos não tem com­pro­misso com a afir­mação de gênero ou de raça.

Como todos que me con­hecem sabem, sou teimoso (os próx­i­mos dizem que sou “teimosão”) e por isso mesmo não é o fato de “advogar” uma causa per­dida que não deve­mos fazê-​lo, ainda mais quando faze­mos na defesa de con­vicções firmes.

A min­is­tra Rosa Weber aposentou-​se, ao com­ple­tar 75 anos, no último dia 30 de setem­bro. Ela era uma das duas úni­cas min­is­tras da Suprema Corte do Brasil, a outra é a min­is­tra Car­men Lúcia, que, tam­bém, não tarda a se aposen­tar.

A bolsa de apos­tas sobre quem suced­erá a min­is­tra Rosa Weber crava como certa que a escolha do suces­sor estará entre os sen­hores Flávio Dino, atual min­istro da Justiça; Bruno Dan­tas, min­istro pres­i­dente do Tri­bunal de Con­tas da União; e Jorge Mes­sias, Advogado-​Geral da União. Os três, aliás, já tra­bal­ham com tal per­spec­tiva, tanto que em tom de pil­héria na posse de Roberto Bar­roso, como pres­i­dente do STF cel­e­braram um “pacto” de con­tin­uarem ami­gos inde­pen­dente de quem dos três seja o escol­hido.

Pois bem, deix­e­mos os para lá uma vez que nossa crônica sem­anal trata do tipo de democ­ra­cia que dese­jamos para o nosso país, mel­hor dizendo, para o futuro do país.

Nesse sen­tido é necessário, sim, que o pres­i­dente da República tenha com­pro­misso com as polit­i­cas de afir­mação de gênero e de raça. Não faz sen­tido que nomear mais uma vez alguém do sexo mas­culino e branco para ficar no STF vinte ou trinta anos. Trata-​se de um lamen­tável equívoco fazer isso.

Como temos uma Suprema Corte “jovem” é cada vez mais necessário que ela seja diversa refletindo o tecido social que com­põe o Brasil.

O que acres­centa ao país um min­istro do STF, jovem, branco, rico e bem nascido? A resposta é uma só: rep­re­senta a real­i­dade da qual nunca nos afas­ta­mos que é a de “Casa Grande e Sen­zala”, com os pre­tos e par­dos só tendo acesso aos palá­cios da Justiça para engraxar os sap­atos dos bran­cos ou faz­erem a fax­ina do ambi­ente.

Essa é a real­i­dade do Brasil desde que por aqui apor­taram os por­tugue­ses em 1500.

Os indi­cadores soci­ais e econômi­cos do país ainda hoje apon­tam a ter­rível desigual­dade edu­ca­cional entre par­dos e pre­tos em relação aos bran­cos; a desigual­dade entre a qual­i­dade da edu­cação básica pública, des­ti­nada aos pobres e edu­cação pri­vada des­ti­nada aos ricos.

Os dados estão aí, à dis­posição de todos, basta ter o tra­balho de exam­i­nar o último censo divul­gado pelo IBGE.

Temos um país desigual em relação a gênero, em relação a raça, em relação a diver­si­dade.

Uma das for­mas de cor­ri­gir­mos isso são os gov­er­nantes do país, dos esta­dos, Dis­trito Fed­eral e dos municí­pios se com­pro­m­e­terem com as políti­cas públi­cas de afir­mação é jus­ta­mente o oposto do que declarou sua excelên­cia.

Defendo que a indi­cação para ocu­par a vaga aberta com a aposen­ta­do­ria de Rosa Weber recaia sobre uma mul­her preta e, de prefer­ên­cia, nordes­tina.

Como disse ante­ri­or­mente, não se trata “ape­nas” de uma indi­cação e nomeação de uma pes­soa, não é nada disso, as indi­cações de min­istros para tri­bunais ou para out­ras posições de ponta pre­cisam refle­tir a diver­si­dade que temos no país.

Se a ascen­são social não ocorre por conta das condições do racismo e machismo estru­tural que não é por ninguém descon­hecida ela pre­cisa ocor­rer com o com­pro­me­ti­mento dos gov­er­nantes de romper com tais cor­rentes.

Ape­nas para ficar no “caso” do STF, caso se con­cretize o que se tem desen­hado, ter­e­mos onze min­istros, com ape­nas uma mul­her e nen­hum preto. E será assim ainda por muitas décadas, pois já como dito lá atrás, temos min­istros rel­a­ti­va­mente jovens para os car­gos que ocu­pam.

O con­sti­tu­inte orig­inário ao escr­ever a Con­sti­tu­ição Fed­eral cidadã esta­b­ele­ceu: “Art. 101. O Supremo Tri­bunal Fed­eral compõe-​se de onze Min­istros, escol­hi­dos den­tre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e rep­utação ilibada”.

Vejam que os critérios são bem claros: mais de 35 anos e menos de 70 anos de idade, com notável saber jurídico e rep­utação ilibada.

A regra esta­b­ele­cida foi para que os gov­er­nantes tivessem den­tro da sociedade uma ampla pos­si­bil­i­dade de escol­has e que refletisse o país e não para que tratasse a escolha de min­istros do STF como de “sua cota pes­soal”.

Não temos na majoritária pop­u­lação negra e fem­i­nina pes­soas que preen­cham os req­ui­si­tos con­sti­tu­cionais? Claro que temos – e muitos.

Chega ser ridículo achar que não temos mul­heres e pre­tos capazes de preencherem os req­ui­si­tos con­sti­tu­cionais para ocu­par essas funções de Estado.

Se não tivésse­mos seria muito pior, sig­nifi­caria que o Brasil teria fra­cas­sado como pro­jeto de nação.

Acon­tece, infe­liz­mente, que essas pes­soas estão “ocul­tas”, estru­tu­ral­mente falando, não é dada vis­i­bil­i­dade sobre o tal­ento de pre­tos, par­dos e mul­heres.

Tenho dúvi­das se essa falta de vis­i­bil­i­dade não ocorre de forma inten­cional para man­ter o sis­tema de “Casa Grande e Sen­zala” que nunca deixou de existir.

Uma outra dis­torção – solid­i­fi­cada sobre­tudo nos últi­mos tem­pos –, é a que se esta­b­ele­ceu de que os car­gos de min­istros do STF e de out­ros tri­bunais supe­ri­ores são “car­gos de con­fi­ança” dos gov­er­nantes de plan­tão – vício que se esten­deu aos esta­dos com a nomeação de desem­bar­gadores e con­sel­heiros de tri­bunais de con­tas –, e não funções de Estado.

Vejam que absurdo, ninguém fica indig­nado ou vai para ruas ao assi­s­tir o pres­i­dente ou o gov­er­nador indicar/​nomear para tais car­gos pes­soas de suas “coz­in­has” ou mesmo de suas famílias.

Trata-​se de um absurdo, esses car­gos, essas funções, repito, são de Estado e não da con­fi­ança do gov­er­nante.

Vou além, arrisco dizer que mesmo os car­gos de min­istros ou de secretários dos poderes exec­u­tivos tam­bém dev­e­riam refle­tir a com­posição do tecido social e do pacto fed­er­a­tivo e não preenchi­dos por pes­soas, vul­gar­mente falando, da “cur­riola” dos gov­er­nantes ou par­tidos.

Nes­sas dis­torções vamos cada vez mais nos tor­nando atrasa­dos.

Veja que os gov­er­nantes, os donos do poder, a mídia e mesmo uma parcela sig­ni­fica­tiva trata com tanta nat­u­ral­i­dade esses desati­nos que ninguém protesta.

Ninguém acha um absurdo o pres­i­dente dizer que para escol­her que é indifer­ente a com­posição de gênero e raça. Ouviu-​se um ou dois mux­oxos e só.

Tudo nor­mal que escolha o advo­gado pes­soal, o amigo íntimo ou o que o valha.

O mesmo ocorre quando os gov­er­nadores fazem o mesmo tipo de escolhas.

Ao que parece, esta­mos longe de saber­mos o que é uma república.

Mas o pior de tudo não é os gov­er­nantes não terem tal noção e por isso mesmo se locu­pletarem do poder para o seu deleite e sat­is­fação pes­soal é a pop­u­lação não ter con­sciên­cia de que tais práti­cas estão erradas, são crim­i­nosas, lesam a pátria.

O Brasil pre­cisa de uma mul­her preta no STF e que não seja para servir o cafez­inho ou limpar o chão dos impo­lu­tos homens bran­cos.

Só com a pop­u­lação ocu­pando seus espaços ter­e­mos uma democ­ra­cia, ter­e­mos uma república, o resto será engodo e cortina de fumaça para o fra­casso de um pro­jeto de nação.

Abdon C. Mar­inho é advogado.

Defesa da democ­ra­cia, abuso de poder e golpe.

Escrito por Abdon Mar­inho


DEFESA DA DEMOC­RA­CIA, ABUSO DE PODER E GOLPE.

Por Abdon C. Marinho*.

DESDE que, como diziam os anti­gos, “me entendo por gente” tenho pre­ocu­pações com a democ­ra­cia e o “arse­nal” de fer­ra­men­tas que faz exi­s­tir: liber­dade de expressão e de imprensa; dire­itos humanos; respeito às mino­rias e a diver­si­dade; liber­dade reli­giosa; igual­dade entre todos, etcetera, etcetera.

Assim, nos lim­ites e den­tro das min­has lim­i­tações, sem­pre par­ticipei da luta em defesa de tais princí­pios. Foi assim pelas Dire­tas Já, na tor­cida pela vitória de Tan­credo Neves no Colé­gio Eleitoral, na luta pela con­sti­tu­inte, pelo impeach­ment de Col­lor, e tan­tas outras.

Com essa con­sciên­cia social, quando me formei em dire­ito e depois me tornei advo­gado colo­quei o meu min­istério à dis­posição de tais causas, perdi as con­tas das causas e pes­soas que defendi ape­nas por acred­i­tar que estava fazendo o certo.

Algu­mas vezes, na ausên­cia de pes­soas com cor­agem para entrar com ações que achava necessárias fui, eu próprio, advo­gado e parte.

Ainda hoje faço isso. É como se fosse uma ret­ribuição à sociedade por tudo que ela me deu.

Com o pas­sa­mento do amigo e jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues, em 2010, adi­cionei às min­has respon­s­abil­i­dades mas esse “encargo”: escr­ever sobre os temas que são pos­tos para a sociedade e que a mesma, já entor­pecida pelas próprias neces­si­dades ou pela “enx­ur­rada” de pro­pa­ganda a que é sub­metida não tem como for­mar o mel­hor juízo sobre o que efe­ti­va­mente se passa.

Como cidadão, tenho feito isso nos últi­mos treze anos. Muitas das vezes, tam­bém, como tan­tos, come­tendo erros de avali­ação, mas sem nunca perder o foco e a razão daquilo que nos move.

Outro dia um amigo muito querido pas­sou pelo escritório para vender livros, Gutem­berg Braga, e no meio as con­ver­sas que travá­va­mos ele per­gun­tou como eu escrevia e qual o tempo que lev­ava para con­cluir um “tex­tão”.

Respondi-​lhe: — olha, Gutem­berg, no dia que vou escr­ever sento na minha poltrona ou deito na rede e começo a escr­ever. Leva cerca de duas horas para con­cluir o texto.

Ele ficou admi­rado e disse que eu tenho um dom, pois con­segue visu­alizar, em ima­gens, aquilo que escrevi.

Na ver­dade, não se trata de um dom. A facil­i­dade de escr­ever é decor­rente, uni­ca­mente, do fato de defender aquilo que coloco nos tex­tos a minha vida toda. São exper­iên­cias que vi, são lem­branças que fazem parte da minha vida.

A defesa da democ­ra­cia, os abu­sos dos poderosos e suas eter­nas ten­ta­ti­vas de se encaste­larem no poder para sem­pre são temas recor­rentes nas nos­sas crôni­cas.

É assim porque desde que o mundo é mundo e eu não me chamo Raimundo (para não perder a piada), que vejo as pes­soas diz­erem defender a democ­ra­cia.

Essas mes­mas pes­soas ao alcançarem o poder pas­sam a abusar dele frag­ilizando a democ­ra­cia que “juraram” defender na ten­ta­tiva de se per­pet­u­arem no poder, ou seja, de gol­pearem a democ­ra­cia.

Na atual quadra da política nacional vive­mos bem isso, arrisco dizer que é um lab­o­ratório vivo do que penso e do que sem­pre escrevi.

Vejamos:

Qual a prin­ci­pal argu­men­tação daque­les que defendiam a eleição do atual gov­erno em detri­mento do gov­erno ante­rior?

Que o ex-​presidente e seu núcleo mais próx­imo – e mesmo todos aque­les que estavam com ele e o apoiando –, rep­re­sen­tavam uma ameaça à democ­ra­cia brasileira.

Essa argu­men­tação não era (ou é) fala­ciosa. Desde que assumi­ram o gov­erno, em janeiro de 2019, que gov­erno ante­rior se empen­hou em esgarçar as relações com os demais poderes, ameaçar, bra­vatear e tudo mais que tinha dire­ito – e o que não tinha, tam­bém –, con­forme os episó­dios que estão aí, à dis­posição de todos para pesquisar.

Acho que ainda nem tin­ham assum­ido quando um filho do pres­i­dente disse que bas­taria um cabo e um sol­dado para fechar o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

Ao longo dos qua­tro, com uma pan­demia no meio e alguns Sete de Setem­bros para servir de mobi­liza­ção dos “patri­o­tas” foi o que se viu e que cul­mi­nou com a ocu­pação das frentes dos quar­téis nos dias que se seguiram à der­rota nas urnas e, por der­radeiro, na “inten­tona” golpista do 8 de janeiro.

Sim, houve uma mobi­liza­ção golpista no pós eleições no Brasil, sendo os atos do iní­cio de janeiro a der­radeira ten­ta­tiva de der­rubar o gov­erno eleito e colo­car no seu lugar as Forças Armadas ou mesmo o pres­i­dente que foi der­ro­tado nas urnas e “fugiu” para os Esta­dos Unidos na antevéspera do dia em que faria a trans­mis­são de cargo.

Esses são os fatos, o gov­erno pretérito já não rep­re­senta mais uma ameaça a democ­ra­cia brasileira.

Der­ro­ta­dos nas urnas e frustradas as diver­sas ten­ta­ti­vas de con­vul­sionar o país em busca de uma “solução mil­i­tar”, é quase certo que muitos deles amar­guem alguns anos de cadeia – isso se não apare­cer uma “emenda” cama­rada para anistia-​los.

Ven­ci­das as ten­ta­ti­vas de golpes, faz-​se necessário a redo­brada vig­ilân­cia sobre os atu­ais donatários do poder.

É dizer, do ponto de vista da democ­ra­cia, o pas­sado só nos serve como bús­sola, a ver­dadeira pre­ocu­pação deve ser sem­pre com o pre­sente.

Isso porque, como dizia o político flu­mi­nense Car­los Lac­erda: “o preço da liber­dade é a eterna vigilância”.

A democ­ra­cia brasileira – e é assim em out­ros países –, é frágil, com todos que se “adonam” do poder bus­cando meios para se per­pet­u­arem.

Veja que até mesmo a democ­ra­cia amer­i­cana, que tín­hamos como parâmetro, sofreu uma ten­ta­tiva de golpe em 6 de janeiro de 2020.

Uma estraté­gia de todos aque­les que pos­suem ideários autocráti­cos é tentarem con­struir “suas novas ditaduras” sobre os escom­bros dos regimes que suce­dem, sejam eles total­itários, autocráti­cos ou que ten­ham sofrido ten­ta­ti­vas de golpes, como no caso do Brasil.

Vamos citar só os exem­p­los mais con­heci­dos. Foi assim com comu­nistas de Stálin, na con­sti­tu­ição da União Soviética, em 1917; foi assim com os bar­bu­dos, tendo à frente Fidel Cas­tro, quando desce­ram a Sierra Maes­tra e colo­caram para cor­rer o régime de Ful­gên­cio Batista, em 1959; foi assim na Venezuela quando Hugo Chávez “con­quis­tou” o poder, em 1998.

Em todos esses países – em tan­tos out­ros –, os novos “donos” do poder ini­cia­ram por con­sti­tuir seus regimes total­itários se dizendo com­bater os male­fí­cios dos regimes ante­ri­ores.

Quando suas pop­u­lações se deram conta, estavam sob a égide de regimes até mais total­itários do que aque­les que dis­seram com­bater.

Em “A rev­olução dos bichos”, George Orwell, faz uma crítica do que se deu na tomada de poder pelos bolcheviques.

Mas essa estraté­gia é “man­jada”, um con­hec­i­mento básico de história faz com que se perceba o que ocorre nes­sas “mudanças” de régime.

No Brasil vivendo algo semel­hante. Tudo agora é “defesa da democ­ra­cia”. Sob esse guarda-​chuva, começa-​se por praticar atos bem mais graves do que os males que suposta­mente dizem querer com­bater.

Como os por­cos de “A rev­olução dos bichos”, alguns dos líderes atu­ais dizem que esse ou aquele andou espal­hando men­ti­ras, chamadas fakes news, e, por isso, pre­cisa ser inves­ti­gado, proces­sado e punido, de prefer­ên­cia que seja jogado aos cães que pro­tegem os “por­cos líderes” para ser devo­rado.

Um caso que bem se ade­qua ao que digo é notí­cia de que abri­ram (ou iriam abrir) uma inves­ti­gação con­tra o jor­nal­ista Alexan­dre Gar­cia, deter­mi­nação, pelo que soube, do próprio min­istro da justiça.

Pois bem, um outro jor­nal­ista, Lin­hares Júnior, me encam­in­hou o comen­tário de Gar­cia que teria moti­vado a “con­tro­vér­sia” – que tam­bém atende pelo nome de surto autoritário.

Assisti ao vídeo, uma, duas, três vezes e não iden­ti­fiquei qual­quer coisa capaz de jus­ti­ficar qual­quer repri­menda legal em uma democ­ra­cia – pois nas ditaduras tudo pode acon­te­cer.

Até pen­sei que o jor­nal­ista tinha se equiv­o­cado.

Só ao lê a col­una do jor­nal­ista Fer­nando Schüler, na Revista Veja, fui saber que o processo inquisitório con­tra Gar­cía seria porque o mesmo teria dito que “aparente­mente abri­ram as com­por­tas” e pediu uma “inves­ti­gação” sobre as enchentes no Sul do país.

Na mesma col­una tomei con­hec­i­mento que o Brasil agora tem uma “procu­rado­ria em defesa da democ­ra­cia”, que deve ter a mis­são insti­tu­cional de ir atrás dos “inimi­gos da democ­ra­cia”.

Meus ami­gos recomendo a leitura ime­di­ata de “A rev­olução dos bichos” e ten­tem fazer um para­lelo com que vive­mos.

Se as min­has lem­branças não me traem, na obra de Orwell os bichos, lid­er­a­dos pelos por­cos, que tomaram o poder na granja, cri­aram um depar­ta­mento com essa mesma final­i­dade.

É basi­ca­mente a mesma coisa que existe em todos os regimes total­itários e autocráti­cos no mundo: do Irã à Rús­sia, pas­sando por Cuba, Venezuela, Coréia do Norte, Arábia Sau­dita, etc., uma estru­tura estatal encar­regada de pro­te­ger os “donos do poder” dos seus “lid­er­a­dos”.

Quer me pare­cer que o Brasil da atu­al­i­dade tem por obje­tivo nos trans­portar para uma obra de ficção dos anos quarenta.

Como em “A rev­olução dos bichos” se tinha os sete man­da­men­tos do ani­mal­ismo é pos­sível que ten­hamos nos­sos próprios “man­da­men­tos”. O primeiro deve ser: “Qual­quer ser humano que “pense” é inimigo”.

O meu lamento prin­ci­pal é que nem con­seguem ser orig­i­nais, ficam copiando obras de ficção e tudo que é mal cos­tume nas ditaduras ao redor do mundo.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.