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A morte do livreiro.

Escrito por Abdon Mar­inho

A morte do livreiro**.

Por Abdon C. Marinho*.

RAIMUNDO NETO, sócio há mais de um quarto de século e amigo há mais de trinta anos, no fim da tarde de segunda-​feira, 15 de janeiro, sem qual­quer comen­tário adi­cional, me enviou um “card”, uma espé­cie de bil­hete da mod­ernidade. Ele trazia o informe da “pas­sagem” do amigo Osmar Neres para o outro plano.

Aos ami­gos que estavam na sala no momento em que recebi a “noti­fi­cação fúne­bre” e aos fun­cionários (acho que só a secretária Rosân­gela Sales ainda estava pre­sente) repeti diver­sas vezes: — o Osmar par­tiu; o Osmar mor­reu …

Era como se eu mesmo quisesse convencer-​me das palavras que saiam da minha boca.

O fato ocor­reu no próprio dia 15 e aquela hora, pela pro­gra­mação con­tida no “card” já estava acon­te­cendo o depósito do corpo no der­radeiro local de des­canso.

Não tive a opor­tu­nidade de ir ao velório ou enterro dar os pêsames aos famil­iares ou mesmo um abraço fraterno.

No iní­cio da noite, quando voltava para casa em um carro de aplica­tivo já que o sen­hor Afrânio Mangueira está em gozo de férias, pen­sava nos momen­tos que pas­sei com o saudoso amigo, nos­sas con­ver­sas e “nego­ci­ações” em torno de livros.

No dia seguinte, antes de pegar a estrada para via­jar para o inte­rior, encon­trei com o sócio Raimundo Neto que disse que tão logo soube da notí­cia do pas­sa­mento de Osmar só lem­brou de mim.

Durante a viagem para o oeste do estado, região do Gurupi, emb­ora entretido pela con­versa dos cole­gas ou pela trilha sonora que tocava no carro, enquanto con­tem­plava o vastidão da estrada, aqui e ali, pon­tu­ada por uma cruz ou um marco qual­quer, lem­brava da perda do amigo.

Con­heci Osmar ainda no primeiro ou segundo ano de tra­balho na Assem­bleia Leg­isla­tiva, 19911992.

Ele pas­sara por lá para vender livros para o dep­utado Juarez Medeiros. Como o dep­utado não estava acabamos con­ver­sando com ele me con­ven­cendo a com­prar “Os Ser­mões”, do padre Antônio Vieira, finís­sima coleção em papel Bíblia, da Edi­tora Nova Aguilar. Foi a primeira grande obra adquirida com o suor do meu tra­balho.

Acho que gastei mais da metade do salário e ainda ficaram os parce­las a perder de vista.

Assim, quase todos os meses Osmar apare­cia pelo gabi­nete para rece­ber uma parcela de um livro ou coleção ou para vender mais livros.

Foi com essa “estraté­gia” que me vendeu inúmeros livros.

Durante mais de trinta anos, quase que todos os meses, Osmar me “vis­i­tava”. Na Assem­bleia, na Col­iseu, nos comitês políti­cos, no escritório do edifí­cio Los Ange­les e, nos últi­mos vinte anos, no escritório da Rua dos Pin­heiros.

Nesse tempo todo acabou ficando amigo dos cole­gas sócios e das pes­soas que tra­bal­ham comigo há mais uma ou duas décadas.

As meni­nas, prin­ci­pal­mente elas, já infor­mavam pelo inter­fone: — o seu Osmar está aqui.

Ao que eu respon­dia: — já diga ele que não quero com­prar livro algum, que o din­heiro acabou, mas diga ele para entrar.

Chegava e dizia: – guardei para você, por exem­plo, “Obras de Luis de Camões”, tra­balho finís­simo de Lello & Irmãos — Edi­tores, direto da Rua das Irmãs Carmeli­tas, Porto, Por­tu­gal.

Fazia assim sem­pre que que­ria me fazer uma venda.

Como amante dos livros não resis­tia. Brigá­va­mos pelos preços, eu querendo pagar menos e ele argu­men­tando: — Abdon, veja que obra mag­ní­fica, que papel fino … esse papel Bíblia nunca será con­sum­ido por traças ou cupins. É difer­ente de uma obra em papel comum. E o con­teúdo, nem se fala.

Cada livro uma “briga”, uma conta nova.

E vieram as obras de Machado de Assis, João Guimarães Rosa, Charles Baude­laire, Oscar Wilde, Mário de Sá Carneiro, Fer­nando Pes­soa, Olavo Bilac, José Lins do Rêgo, Vini­cius de Moraes, Eça de Queiroz … e tan­tos out­ros. Brasileiros, por­tugue­ses, france­ses, rus­sos, ingle­ses … pelas mãos de Osmar esses gênios da lit­er­atura dividi­ram espaço em minha estante e mente.

Todas essas obras em papel bíblia e invari­avel­mente das edi­toras Nova Aguilar e Lello & Irmãos Editores.

Em 2015, uma tragé­dia sem víti­mas fatais me atingiu: um incên­dio domés­tico levou parte dos meus livros raros. Como ia adquirindo-​os no for­mato nar­rado acima ao longo (a época) de um quarto de século, não tinha noção do que havia per­dido ou dos val­ores das obras.

Osmar bus­cou nos seus reg­istros e passou-​me a relação das obras e os val­ores das mes­mas para que pudesse jun­tar na ação judi­cial de ressarci­mento.

Infe­liz­mente, nesse tipo de acon­tec­i­mento, mesmo uma obra nova não é capaz de preencher o vazio deix­ado pela história do que se perdeu. Aquele livro, aquele disco, tem uma história que vai muito além do valor de tê-​lo adquirido. São tam­bém os momen­tos que se dedi­cou à leitura ou ao ouvi-​lo, as histórias daque­les momen­tos.

Em 1991, quando adquiri a primeira coleção de os ser­mões (adquiri duas) acon­te­cia isso ou aquilo, estava bem, pen­sava assim ou assado. Quando “chegou” aquele disco o ouvi pela primeira vez na pre­sença de fulano ou sicrano, falá­va­mos sobre isso …

Quando “perdemos” essas coisas é como se perdêsse­mos, tam­bém, parte da nossa história.

O lev­an­ta­mento das obras per­di­das (que con­seguimos lem­brar, alcançaram quase 100 mil, se cor­ri­dos os val­ores) mas o valor afe­tivo era incal­culável.

Sabedor disso e do quanto ficara abal­ado com a perda de parte sig­ni­fica­tiva da bib­lioteca, Osmar foi a minha casa e levou con­sigo tudo que con­seguimos tirar do incên­dio. Meses depois me devolvia pelo menos uma parte dos livros que con­sid­erá­va­mos não ter sal­vação. Soz­inho, em sua livraria, ele fiz­era o tra­balho de “recon­strução” dos meus livros, tro­cou as capas, cos­turou partes, cor­tou fol­has chamus­cadas pelo fogo … e tudo mais – o tra­balho ficou tão bom que pedi a ele para fazer a encader­nação de um livro que gan­hara do extinto jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues.

As obras recu­per­adas por Osmar trazem con­sigo as mar­cas de uma tragé­dia mas são, tam­bém, a com­pro­vação de uma história de amizade e de amor aos livros.

Quando findou a pan­demia liguei para saber como estava e para convidá-​lo para bater um papo, já infor­mando que não com­praria nada dessa vez.

Osmar foi o “estranho” que fez parte da minha … da nossa vida …

Em meio a tan­tos assun­tos que pode­ria escr­ever hoje – ou nesse fim de sem­ana –, sobre política, equívo­cos, baixarias, etc., me pare­ceu mais ade­quado e inspi­rador ren­der hom­e­na­gens a um amigo muito querido.

Ao escr­ever sobre A morte do livreiro – os mais aten­tos devem ter perce­bido –, faço como a recor­dar outra obra que ele me vendeu e que, provavel­mente, perdeu-​se no incên­dio, “A morte do caixeiro-​viajante”, de Arthur Miller, autor amer­i­cano.

Osmar foi meu “livreiro-​viajante” durante mais de três décadas foi a todos os lugares onde tra­bal­hei me vender livros à vista ou fiado em conta que teve data de aber­tura mas nunca de encer­ra­mento, como fazem mesmo os caixeiros-​viajantes pelo Brasil a fora.

Quando, no dia seguinte à morte do livreiro, falá­va­mos sobre o acon­tec­i­mento o sócio Raimundo Neto, acos­tu­mado as nos­sas “brigas” em torno dos livros, per­gun­tou se no final de tudo quem ficara devendo a quem.

Apu­rando na conta-​corrente da vida, cer­ta­mente fiquei eu deve­dor de Osmar Neres, não finan­ceira­mente (acredito)x, mas por tudo que ele me trouxe de con­hec­i­mento e de boas lem­branças.

Enquanto escrevo esse texto, e sou “assis­tido” por tan­tos autores que ele me trouxe, só aumenta a minha certeza nisso.

*Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

**A morte do livreiro é uma sin­gela hom­e­nagem ao amigo Osmar de Oliveira Neres (23÷12÷194815/​01/​2024).

Uma guerra desumana.

Escrito por Abdon Mar­inho


UMA GUERRA DESUMANA.

Por Abdon C. Marinho*.

DURANTE a sem­ana, em uma plataforma de stream­ing, assisti ao filme Golda — A Mul­her de Uma Nação, que retrata a guerra do Yom Kip­pur, em 1973, quando Sírios e Egíp­cios, aliás, as duas nações atacaram nesse feri­ado o Estado Israe­lense.

Trata-​se de um filme sobre a aquela guerra sem ser um filme de guerra. Mostra o con­flito a par­tir da visão da primeira mul­her a ocu­par o posto de primeira-​ministra de Israel – de 1969 a 1974, já com 70 anos de idade, enfrentando prob­le­mas graves de saúde –, tendo que tomar decisões de alto risco que pode­riam sig­nificar, inclu­sive, a extinção do estado judeu.

No filme o papel de Golda Meir é desem­pen­hado pela extra­ordinária Helen Mir­rem, que de tão per­feita na cara­ter­i­za­ção temos difi­cul­dades para iden­ti­ficar (eu mesmo só fui saber quem era quando vi nos crédi­tos).

Golda Meir era judia ucra­ni­ana que viveu de 1898 a 1978, antes de migrar para a Palestina, em 1921 — e depois -, assis­tiu a perseguição con­tra os judeus na Europa Oci­den­tal durante a infân­cia e juven­tude. Durante a guerra do Yom Kip­pur, como diplo­mata expe­ri­ente, Golda mostrou forte lid­er­ança e habil­i­dade ao con­duzir o con­flito, que, como já dito acima, pode­ria ter cul­mi­nado como o fim de Israel. Já com a saúde debil­i­tada renun­ciou a cargo de primeira-​ministra em 1974 e fale­ceu, aos 80 anos, em 1978. Em setem­bro do ano de sua morte ocor­rida em dezem­bro, foi assi­nado o primeiro acordo de Camp David, entre Egito e Israel, que ren­deu aos líderes dos dois países (Anwar Sadat e Men­achem Begin) o Prêmio Nobel da Paz de 1978.

Fui “con­hecer” Golda Meir dez anos depois da sua morte, nos anos 1988/​89, quando durante alguns meses fiz o preparatório para o vestibu­lar no cursinho do pro­fes­sor José Maria do Ama­ral, na Rua dos Afo­ga­dos. O pro­fes­sor José Maria do Ama­ral é um grande entu­si­asta da “causa judaica” e uma espé­cie de fã número um da antiga primeira-​ministra de Israel, citando-​a sem­pre que sur­gia opor­tu­nidade nas suas aulas ou nos inter­va­los das mes­mas. Como se fosse hoje, lem­bro que pro­nun­ci­ava o nome dela “car­regando” no sobrenome Golda “mei­iir”. Nunca esqueci.

Acred­ito que a par­tir dessa “intro­dução” pas­sei a interessar-​me mais pelos acon­tec­i­men­tos do Ori­ente Médio. Li diver­sos livros, arti­gos, assisti out­ros filmes e séries sobre os inúmeros con­fli­tos entre Israel e seus viz­in­hos (acho que tem um livro ou filme com esse nome). Com o saudoso amigo e jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues, sobre­tudo depois da primeira intifada, fize­mos muitos debates sobre os con­fli­tos e guer­ras daquela região. WR dizia com certa mofa ter certeza que não exi­s­tiria uma única pedra no Ori­ente Médio que não tivesse já sito ati­rada con­tra alguém.

Emb­ora já tenha tratado aqui, mais de uma vez, da atual guerra que se desen­volve em Gaza, a estre­ita faixa que fun­ciona como uma prisão ou campo de con­cen­tração para mais de dois mil­hões de palesti­nos, o filme assis­tido sobre a Guerra do Yom Kip­pur e, prin­ci­pal­mente, o papel dos líderes do país daquele momento e de agora me per­mi­ti­ram fazer um para­lelo entre os dois con­fli­tos, inclu­sive, para dizer que, quem nasceu Bibi Netanyahu jamais será Golda Meir.

O homem (ou mul­her) é a sua história e cir­cun­stân­cias. Isso tam­bém serve para os acon­tec­i­men­tos históri­cos.

Quando faze­mos os recortes dos fatos ocor­ri­dos no final dos anos sessenta e setenta e que cul­mi­nam com a Guerra do Yom Kip­pur, em out­ubro de 1973; e o ataque ter­ror­ista de 07 de out­ubro de 2023 que cul­mi­naram na guerra atual, vemos que há um grave descom­passo.

A despeito de ter­mos sérias con­tro­vér­sias sobre a gestão de Golda Meir e mesmo as mortes de palesti­nos durante a gestão e prin­ci­pal­mente durante a guerra, nada se com­para ao que vem ocor­rendo.

Em out­ubro de 1973, tín­hamos dois países, Egito e Síria, no norte e no sul, ata­cando de sur­presa o Estado Israe­lense com vis­tas à sua aniquilação, a sua extinção enquanto estado sober­ano.

Em out­ubro de 2023, tive­mos um grupo ter­ror­ista, Hamas, pro­movendo um ataque con­tra Israel. Ataque bár­baro, inqual­i­ficável mas, que, inde­pen­dente de qual­quer coisa, muito longe esteve de se com­parar aos ataques do Yom Kip­pur.

Logo, a reação de Israel a tal ataque não pode­ria ser nos moldes que vem se desen­rolando com a pop­u­lação civil sendo aniquilada à des­culpa de com­bater o Hamas.

O Hamas, registre-​se, é um grupo ter­ror­ista que gan­hou “mus­cu­latura” política e mil­i­tar graças ao apoio de Israel.

Até o dia que assisti o filme (acho que dia 10 de janeiro), o número de mor­tos palesti­nos na guerra já alcançava a hor­renda quan­tia de 23 mil víti­mas, destas, setenta por cento, repito, SETENTA POR CENTO, mul­heres e cri­anças. Os demais mor­tos, não esta­mos dizendo ter­ror­is­tas, mas, civis.

Isso tudo em ape­nas 90 dias de guerra.

Quem assiste a guerra de longe, pode achar que é ape­nas um número, uma estatís­tica. Mas, imag­ine empil­har os cor­pos de 17 mil mul­heres e cri­anças. Imag­ine visu­alizar tal cena.

Quan­tos ter­ror­ista as forças armadas de Israel elim­i­nou para jus­ti­ficar a matança de civis? Dezes­sete mil só de mul­heres e cri­anças?

Sob qual­quer aspecto que exam­ine a questão não con­sigo encon­trar uma jus­ti­fica­tiva razoável para aceitar que para elim­i­nar um pun­hado de ter­ror­is­tas se matem tan­tos civis.

E não se trata ape­nas de mortes em si, já ter­ríveis, esta­mos falando de quase dois mil­hões de pes­soas desa­lo­jadas, assom­bradas, vivendo na certeza de logo podem ser as próx­i­mas víti­mas; esta­mos falando de mil­hares de feri­dos pas­sando por trata­men­tos médi­cos sem as mín­i­mas condições; esta­mos falando da fome, da sede e do frio a que estão sub­meti­das essas pes­soas.

O ataque ter­ror­ista do Hamas, por mais vio­lento e abjeto que tenha sido não jus­ti­fica a reação despro­por­cional do estado israe­lense con­tra os civis palesti­nos.

Não é des­culpa dizer que os ter­ror­is­tas uti­lizam os civis como “escu­dos humanos”. São quase 25 mil civis mor­tos, setenta por cento de mul­heres e cri­anças.

Não existe jus­ti­fica­tiva para isso.

Muito mais cedo do que tarde a história cobrará dos envolvi­dos a respon­s­abil­i­dade de cada um. Cobrará o fato dos líderes do mundo apoiarem ou silen­cia­rem diante de tanto sofri­mento imposto aos inocentes.

Como disse ante­ri­or­mente, não há jus­ti­fica­tiva plausível para Israel elim­i­nar tan­tos civis inocentes com a des­culpa de que com­bate o grupo ter­ror­ista que o ata­cou.

Isso fica muito mais evi­dente quando faze­mos os com­par­a­tivos entre os dois recortes históri­cos e mais ainda quando com­para­mos os homens e mul­heres e aquilata­mos suas reações ao redor do mundo.

Em boa hora – emb­ora já tar­dia­mente –, a África do Sul pro­to­colou denún­cia no Tri­bunal Penal Inter­na­cional con­tra Israel, medida apoiada pelo Brasil.

Toda guerra é desumana. A guerra da Rús­sia con­tra a Ucrâ­nia, por exem­plo, é outra aber­ração histórica que já cau­sou mil­hares de mor­tos mas que diante do que vem ocor­rendo em Gaza parece um “acon­tec­i­mento dis­tante”.

Os cidadãos de bem pre­cisamos deixar claro que não esta­mos de acordo com o que vem acon­te­cendo no mundo. Pre­cisamos externar isso de forma bas­tante firme. Pre­cisamos que nos­sas vozes façam ces­sar as barbáries.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Reflexões do irmão imag­inário sobre a “guerra das plumas e paetês” e out­ros males

Escrito por Abdon Mar­inho

Reflexões do irmão imag­inário sobre a “guerra das plumas e paetês” e out­ros males.

Por Abdon C. Mar­inho.

O DR. WEL­GER FREIRE, meu sócio de quase trinta anos e o mais bril­hante advo­gado que con­heço, vez por outra me estim­ula a escr­ever tex­tos mais amenos, menos polêmi­cos e que, quem sabe, pudessem ate nos ren­der div­i­den­dos econômi­cos ao invés dos que comu­mente escrevo e que acabam por con­trariar os humores dos poderosos de plan­tão, sejam de dire­ito, esquerda ou nada disso.

A primeira coisa a ser dita é que não faço isso de forma proposi­tal. Na ver­dade – quem escreve sabe bem disso –, nós, os escribas, não man­damos naquilo que escreve­mos. Diante da folha de papel em branco ou da tela vazia é como se o “irmão imag­inário” assumisse o comando do texto e o pro­duzisse ao seu talante.

Con­ver­sava com o amigo Max Harley Fre­itas e ele falava de uma entre­vista de Chico Buar­que onde ele tratava jus­ta­mente disso, desse “irmão imag­inário” respon­sável por suas obras literárias e de como ele sen­tira ao ter­mi­nar deter­mi­nada obra e não ter mais a com­pan­hia daquele irmão.

O meu irmão, “respon­sável” pela elab­o­ração dos nos­sos tex­tões de fim de sem­ana, deve ter sido, nas encar­nações pretéri­tas, um grande rev­olu­cionário ilu­min­ista e human­ista sendo inca­paz de ficar inerte ou não se indig­nar com as coisas que para muitos “passa batido” mas que para ele sig­nifica uma afronta aos dire­itos dos cidadãos.

Certa vez meu irmão viu impor­tante autori­dade jactar-​se de que iria resolver o prob­lema do abastec­i­mento de água da cap­i­tal – isso há quase vinte anos ou mais –, para isso, pas­sava em “revista” caminhões-​pipa que fariam o abastec­i­mento de diver­sos pon­tos da cidade. O cidadão pas­sava os veícu­los em “revista” tal qual os gen­erais dos exérci­tos fazem com as tropas mil­itares, a imprensa e os adu­ladores de plan­tão “sau­davam” o grande feito enquanto ele escrevia para os que quisessem saber: — ei, que “van­tagem” existe em dis­tribuir água para o povo em cam­in­hões quando ela dev­e­ria jor­rar nat­u­ral­mente das torneiras? E de qual­i­dade? É tratada?

Tanto estava certo e que aquele espetáculo era ape­nas per­for­mático que o prob­lema do abastec­i­mento de água na cap­i­tal, pas­sa­dos tan­tos anos, ainda per­siste, fal­tando água nas torneiras “dia sim e no outro tam­bém” e ele se agre­gando a inex­istên­cia de sanea­mento básico, do lixo que se acu­mula por todos can­tos, da falta de estru­tura que assusta as famílias a cada chuva, e por aí vai.

Essa mesma verve ou sen­ti­mento crítico o fez indignar-​se ao assi­s­tir autori­dades se pro­movendo ao inau­gu­rar uma sentina ou uma placa de trân­sito.

Ele dizia: — que absurdo um prefeito ocupar-​se da inau­gu­ração de uma sentina.

O mesmo sen­ti­mento de indig­nação ao assi­s­tir um gov­er­nador de estado deslocar-​se para deter­mi­nado municí­pio para “inau­gu­rar” um poço arte­siano ou um CRAS (esse con­struído com recur­sos públi­cos des­ti­na­dos pelo gov­erno fed­eral).

O Maran­hão tem sido ter­reno fér­til para esse tipo de inver­são de val­ores. Não faz muito tempo, inclu­sive como “meta de desen­volvi­mento” falava-​se na imensa quan­ti­dade de restau­rantes pop­u­lares onde os “cidadãos” podiam sacia­rem a fome e alimentar-​se com qual­i­dade gas­tando ape­nas um real ou pouco mais que isso.

A despeito do alcance social de tal pro­grama ou mesmo de even­tual incen­tivo à cadeia pro­du­tiva o meu irmão imag­inário inda­gava em diver­sos tex­tos se esse tipo de pro­grama ao invés de apon­tar para algum tipo de sucesso não estaria, de fato, ate­s­tando o nosso fra­casso uma vez que, cer­ta­mente, os cidadãos prefeririam estarem bem empre­ga­dos, gan­hando bem para não pre­cis­arem desse tipo de favor do estado para aten­der a mais básica das neces­si­dades após a existên­cia: alimentar-​se.

O irmão apon­tava em diver­sos tex­tos que a cel­e­bração de tal feito mas pare­cia o “ateste” do fra­casso de uma ger­ação inteira, dizia: — não fomos capazes de nos desen­volver a ponto das pes­soas pre­cis­arem para comer se socor­rer de uma pro­gra­mação do gov­erno que fornece refeições a um real.

Refle­tia: — que mérito pode exi­s­tir nesse tipo de coisa?

Mal virada a fol­hinha de ano, meu irmão imag­inário leu uma manchete e pôs-​se a refle­tir e indignar-​se com o seu alcance, falta de propósito ou de como, no estado, esta­mos vivendo em “mundo para­lelo”. Dizia a manchete do noti­cioso, e repli­cada por diver­sos veícu­los de comu­ni­cação social, que o gov­erno estad­ual des­ig­nara o BOPE (grupo de elite da polí­cia estad­ual) para pro­te­ger os “balões” dec­o­ra­tivos man­da­dos insta­lar na Avenida Beira-​mar para o car­naval de 2024.

Por mais ridículo que possa pare­cer, lá estavam os mais prepara­dos homens da força de segu­rança estad­ual “dando segu­rança aos balões” colo­ca­dos pelo gov­erno estad­ual.

A uti­liza­ção da força de elite da PMMA seria para evi­tar que agentes da prefeitura munic­i­pal reti­rassem os orna­men­tos estad­u­ais, uma vez, que o prefeito no dia da “virada” anun­ciara que o car­naval munic­i­pal seria naquele logradouro.

Estava anun­ci­ada a “guerra das plumas e paetês” e as “batal­has dos fofões” ou dos “blo­cos de sujos”.

Durante quase uma sem­ana – até que o prefeito anun­ci­asse um outro local para o evento da prefeitura –, adu­ladores de ambas as cor­rentes no intu­ito de venderem o próprio “peixe”, e se venderem, incen­ti­vavam o clima de con­flito entre as esferas de poder.

Longe de tomar par­tido, até por ser fiel ao ditado pop­u­lar que diz “em casa que falta pão, todos gri­tam e ninguém tem razão”, ou de ser con­tra a festa pop­u­lar, o irmão imag­inário refle­tia noutra ver­tente.

Faz algum sen­tido que gov­erno do estado e a prefeitura da cap­i­tal “travem” esse tipo de guerra, a ponto de terem chegado a escalar o BOPE, para faz­erem fes­tas públi­cas de carnaval?

Vejamos, por onde se passa se escuta a notí­cia que o setor público, esta­dos e municí­pios, se encon­tram na “pin­daíba”, sem din­heiro para nada, nem mesmo para aten­der as neces­si­dades bási­cas do serviço público.

Tal infor­mação deve ser ver­dadeira porque enquanto se travava a “guerra das plumas e paetês” ou as “batal­has dos fofões”, noticiava-​se, ainda no tema dos folgue­dos, que ambos os “lit­i­gantes” estavam sendo deman­da­dos por não terem pagos os artis­tas locais que prestaram seus serviços no car­naval e nos fes­te­jos juni­nos pas­sa­dos, inclu­sive, com dire­ito a reporta­gens em rede nacional.

Ai, reside outra grande injustiça pois o din­heiro público dis­pen­sado com tais even­tos sequer, pref­er­en­cial­mente, vai para o bolso dos artis­tas locais, res­i­dentes no estado e municí­pio, indo para fora do estado pois as “grandes estre­las” só sobem ao palco com o din­heiro na mão.

Meu irmão imag­inário sem­pre defendeu em inúmeros tex­tos que esses even­tos fos­sem custea­dos pela ini­cia­tiva pri­vada quando muito com o apoio do setor público ou em último caso através de parce­rias, pois, afora a falta de recur­sos, ale­gada por todos, o nosso estado e os municí­pios maran­henses pos­suem deman­das bem mais impor­tantes e urgentes. Somos ainda o estado mais pobre da fed­er­ação, com mais de 50% (cinquenta por cento) da pop­u­lação vivendo abaixo da pobreza, edu­cação, saúde, sanea­mento, empre­ga­bil­i­dade, desen­volvi­mento social, etc., rev­e­lando carên­cias em níveis diver­sos.

O mundo – o Maran­hão inclu­sive –, passa por uma grave emergên­cia climática, exceto pelo tem­po­ral desta manhã enfrenta­mos uma grave seca com sérios pre­juí­zos para um estado já pobre.

É certo que não é o din­heiro do Car­naval (ou do São João) que vai “desen­volver” o estado e pôr fim a sua sec­u­lar pobreza, mas, de outro não se faz muito sen­tido que se vá ao baile de bar­riga vazia. Ou que as esferas de poder (estado e municí­pio) travem uma “guerra” pelo dire­ito de fazer o car­naval aqui ou ali ou que dis­putem quem fez o evento mais “bonito” com atrações mais caras, quem atraiu mais gente, etcetera.

Tudo isso, pelo menos aos olhos do meu irmão imag­inário, pare­cem bobagem diante dos prob­le­mas efe­tivos que afligem a pop­u­lação.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado, escritor e cro­nista.