TRAGÉDIA E CRIME: AUTORIDADES UNEM-SE A VÍRUS PARA MATAREM BRASILEIROS.
Por Abdon Marinho.
UMA das frases mais infamantes da história da humanidade é atribuída a Josef Stálin (1878-1953) e diz: “uma única morte é uma tragédia. Um milhão de mortes é uma estatística”.
O ditador, se não cunhou tal frase, poderia tê-la feito – e praticado –, diante dos milhões de mortes, que, por ação ou omissão, provocou nas populações sob sua influência.
Uma das maiores matanças de Stálin foi a perpetrada contra o povo ucraniano conhecida como Holodomor que é a palavra ucraniana para “deixar morrer de fome” ou “de inanição” e serve para designar o ocorrido entre os anos de 1931 e 1933 naquele país.
Embora pouco falado, o massacre do povo ucraniano por Stálin, além de ser o resultado direto da política econômica por ele implementada na URSS, foi, também, uma decisão ideológica, e também por isso, caracterizada como genocídio.
Desde que instalou-se no Brasil a pandemia que alertamos as autoridades para os riscos de orientações desencontradas para a contenção da doença e para tragédia anunciada que seria a politização e a ideologismo numa questão de saúde pública e sanitária.
Não ouviram a mim – que não sou ninguém –, nem tantos outros milhares de alertas sobre a gravidade do que vinha ocorrendo no país, facilmente identificável por qualquer um que não enxergasse o que passávamos com o viés do interesse político ou ideológico.
Lembro que até o ex-presidente Donald Trump – que não é conhecido por ser arguto –, chamava a atenção para o agravamento da situação no Brasil. E fazia isso quando a situação no país presidido por ele – e por sua responsabilidade –, batia todos os recordes no número de contágios e de mortos diários.
Em 14 de junho do ano passado escrevi um texto com um título provocativo: “Quem ‘herdará’ os mortos da pandemia?”.
Naquela época o número de mortos pela pandemia já passava dos 40 mil e as autoridades se atritavam sobre o formato de divulgação do número de mortos; sobre, se os hospitais estavam cheios; se as pessoas estavam morrendo – houve até quem propusesse um censo dos mortos, achei irônico porque justamente no ano passado não conseguimos fazer o censo decenal “dos vivos” –; se haveria isolamento social; e tantos outros assuntos laterais, muitos de cunho meramente ideológico, enquanto as pessoas estavam morrendo.
O debate ainda incluía indagações sobre a morte das pessoas: de COVID? Com COVID? Por COVID? Como se o principal não fosse a morte em si e sim o “formato” da morte.
Naquela época, já estávamos na décima segunda ou décima terceira semana de pandemia e muitos países, com seus erros e acertos já tinham mais ou menos um roteiro a seguir, já desenvolviam imunizante ou se programavam para comprá-los enquanto que por aqui o que se via – e continuamos a ver –, era a briga sem trégua pelo poder.
Mesmo a vacinação em massa – que é um consenso entre os especialistas para proteger a população –, aqui foi motivo de guerra política e ideológica.
Enquanto os outros países corriam para adquirirem o máximo de imunizante para a população e promoviam isolamento social, aqui, o governo tratava o assunto com desdém, fazia campanha contra, “torcia” para o insucesso da vacina e sabotava tudo que era relacionado ao isolamento.
Apesar da gravidade da situação nos Estados Unidos, Trump tinha razão em manifestar-se preocupado com Brasil.
Essa semana registramos a trágica marca de 300 mil mortos.
No dia que isso aconteceu – finalmente –, as excelências que comandam o país acharam que era a hora de se reunirem para tratar de um comitê para acompanhar a pandemia. Assim mesmo, sem ninguém saber como será, deixando de fora os governos estaduais e municipais.
Em resumo: continuam no propósito eleitoreiro enquanto as famílias são dizimadas.
O Brasil já é o epicentro da crise sanitária. Já somos os campeões em número de mortes diárias e em número de contaminados. Daqui a pouco será a vez de superar os Estados Unidos no número de mortos nominais.
Em quase todos os demais países, graças a ação dos governos, já é possível vermos uma melhora no quadro de combate à pandemia, apenas no Brasil a curva de contágios e mortes continua apontada para cima em um ângulo de quase noventa graus, tendo céu como limite.
Os EUA, que antes rivalizava com Brasil no critério descontrole da pandemia, hoje registra menos da metade do número de mortos que registramos aqui; já aplicaram mais de 100 milhões de doses de vacinas – enquanto por aqui não chegamos a 15 milhões –, e agora, o presidente americano, Joe Biden, resolveu dobrar a meta: aplicar 200 milhões de doses até 30 de abril, quando completará 100 dias de governo.
O Brasil assiste a isso como cachorro em porta de galeteria: com água na boca.
Enquanto os irmãos americanos têm o dobro de vacinas suficientes para vacinarem toda a sua população, as vacinas, por aqui, estão a conta-gota, com o maior Sistema Único de Saúde do mundo, o nosso SUS, vacinando bem aquém de sua real capacidade ...porque faltam vacinas.
Aqui e ali, fala-se em roubo de vacinas, contrabando de vacinas, desvios de vacinas para alguns privilegiados, fura-filas.
Passaram a criminalizar algumas destas condutas quando, na verdade, deveriam ter por criminoso o governo que não se preocupou no tempo certo de prover vacinas para os brasileiros.
Era para o governo brasileiro está “correndo” atrás dos cidadãos para vaciná-los e não correndo atrás do cidadão que desviou ou contrabandeou uma vacina para tentar salvar sua vida.
Não, não estou defendendo que se roubem vacinas, que furem filas, que façam contrabando. Mas, antes de irem atrás destas pessoas, deveriam ir atrás dos governantes que não “fizeram o dever de casa”.
Dizia há quase um ano – e posso continuar a dizê-lo –, os governantes brasileiros erraram em tudo e além do que podiam errar.
O resultado da politicalha rasteira é o sofrimento de milhares de pessoas, são as mais de 300 mil vidas perdidas – número que sabemos, embora queiramos nos enganar, ainda vai crescer muito mais –, são os danos psicológicos e a exaustão dos profissionais de saúde que trabalham sem descanso todo esse tempo, é o colapso do sistema de saúde, público e privado, é angústia de toda uma população, que sabe quem será o próximo escolhido nesta roleta-russa da morte.
É certo que o vírus matou milhares de brasileiros, mas outros milhares foram – e estão sendo –, mortos pelas as autoridades. Por suas ações ou omissões.
E algum dia precisamos fazer o ajuste de contas com estes responsáveis.
Chega a ser ultrajante que apenas um ano após o início da pandemia, com a conta dos cidadãos que perderam a vida passado de trezentos mil, as autoridades falem em criar um comitê de crise. Este simples ato diz muito sobre o senso de urgência destas pessoas.
Onde estava o presidente da República? Onde estava o Congresso Nacional? Onde estava o Poder Judiciário?
Lá atrás, quando até o Trump dizia temer pelo o nosso futuro, no início da pandemia, não poderiam ter se reunido? Criado o tal comitê de acompanhamento de crise? Terem feito algo, além de tratarem dos próprios interesses, enquanto vidas eram ceifadas?
Desde março do ano passado morreram mais de 300 mil brasileiros. Os primeiros 100 mil em 148 dias; os segundos 100 mil em 152 dias; os outros 100 mil em apenas 75 dias. Justamente agora, quando as autoridades – até assistindo o exemplo de outros países –, deveriam saber como proceder, avoluma-se o número de mortos no país, prova cabal de que não aprenderam nada e que são incapazes de lidarem com os desafios de governar.
Quantas milhares de famílias a mais terão que prantearem seus entes queridos até que consigamos superar essa pandemia?
Em um cálculo matemático simples, considerando milhões de brasileiros temos que vacinar; quantas doses de vacinas dispomos e o tempo programado para aplicá-las e a condução da pandemia pelas autoridades, chegamos a conclusão que ainda temos um longo e doloroso calvário pela frente.
Quando Stálin morreu, em 1953, e seus crimes passaram a ser revelados, tomamos conhecimento de todo o horror que foi perpetrado contra milhões de russos, ucranianos e tantos outros povos e por isso é figura de destaque na galeria dos genocidas mundiais, muito embora só tenha sido julgado pela história.
O Brasil não precisa aguardar o julgamento da história para identificar e punir os responsáveis pela tragédia que vivemos atualmente. Tragédia que, registre-se, não tem apenas um único culpado – assim como não foi Stálin, sozinho, o responsável pela morte de tantos seres humanos –, mas diversos, por suas ações e omissões.
Quem são os culpados pela tragédia que acomete o Brasil? Quem são os seus cúmplices?
Precisamos criar um nome para específico para “deixar morrer por falta de vacinas”.
Abdon Marinho é advogado.