AbdonMarinho - Tragédia e crime: Autoridades unem-se a vírus para matarem brasileiros.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Domingo, 22 de Setem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Tragé­dia e crime: Autori­dades unem-​se a vírus para matarem brasileiros.

TRAGÉ­DIA E CRIME: AUTORI­DADES UNEM-​SE A VÍRUS PARA MATAREM BRASILEIROS.

Por Abdon Marinho.

UMA das frases mais infamantes da história da humanidade é atribuída a Josef Stálin (18781953) e diz: “uma única morte é uma tragé­dia. Um mil­hão de mortes é uma estatís­tica”.

O dita­dor, se não cun­hou tal frase, pode­ria tê-​la feito – e prat­i­cado –, diante dos mil­hões de mortes, que, por ação ou omis­são, provo­cou nas pop­u­lações sob sua influên­cia.

Uma das maiores matanças de Stálin foi a per­pe­trada con­tra o povo ucra­ni­ano con­hecida como Holodomor que é a palavra ucra­ni­ana para “deixar mor­rer de fome” ou “de inanição” e serve para des­ig­nar o ocor­rido entre os anos de 1931 e 1933 naquele país.

Emb­ora pouco fal­ado, o mas­sacre do povo ucra­ni­ano por Stálin, além de ser o resul­tado direto da política econômica por ele imple­men­tada na URSS, foi, tam­bém, uma decisão ide­ológ­ica, e tam­bém por isso, car­ac­ter­i­zada como genocídio.

Desde que instalou-​se no Brasil a pan­demia que aler­ta­mos as autori­dades para os riscos de ori­en­tações des­en­con­tradas para a con­tenção da doença e para tragé­dia anun­ci­ada que seria a poli­ti­za­ção e a ide­ol­o­gismo numa questão de saúde pública e san­itária.

Não ouvi­ram a mim – que não sou ninguém –, nem tan­tos out­ros mil­hares de aler­tas sobre a gravi­dade do que vinha ocor­rendo no país, facil­mente iden­ti­ficável por qual­quer um que não enx­er­gasse o que passá­va­mos com o viés do inter­esse político ou ide­ológico.

Lem­bro que até o ex-​presidente Don­ald Trump – que não é con­hecido por ser arguto –, chamava a atenção para o agrava­mento da situ­ação no Brasil. E fazia isso quando a situ­ação no país pre­si­dido por ele – e por sua respon­s­abil­i­dade –, batia todos os recordes no número de con­tá­gios e de mor­tos diários.

Em 14 de junho do ano pas­sado escrevi um texto com um título provoca­tivo: “Quem ‘her­dará’ os mor­tos da pan­demia?”.

Naquela época o número de mor­tos pela pan­demia já pas­sava dos 40 mil e as autori­dades se atri­tavam sobre o for­mato de divul­gação do número de mor­tos; sobre, se os hos­pi­tais estavam cheios; se as pes­soas estavam mor­rendo – houve até quem pro­pusesse um censo dos mor­tos, achei irônico porque jus­ta­mente no ano pas­sado não con­seguimos fazer o censo dece­nal “dos vivos” –; se have­ria iso­la­mento social; e tan­tos out­ros assun­tos lat­erais, muitos de cunho mera­mente ide­ológico, enquanto as pes­soas estavam mor­rendo.

O debate ainda incluía inda­gações sobre a morte das pes­soas: de COVID? Com COVID? Por COVID? Como se o prin­ci­pal não fosse a morte em si e sim o “for­mato” da morte.

Naquela época, já está­va­mos na décima segunda ou décima ter­ceira sem­ana de pan­demia e muitos países, com seus erros e acer­tos já tin­ham mais ou menos um roteiro a seguir, já desen­volviam imu­nizante ou se pro­gra­mavam para comprá-​los enquanto que por aqui o que se via – e con­tin­u­amos a ver –, era a briga sem trégua pelo poder.

Mesmo a vaci­nação em massa – que é um con­senso entre os espe­cial­is­tas para pro­te­ger a pop­u­lação –, aqui foi motivo de guerra política e ide­ológ­ica.

Enquanto os out­ros países cor­riam para adquirirem o máx­imo de imu­nizante para a pop­u­lação e pro­moviam iso­la­mento social, aqui, o gov­erno tratava o assunto com des­dém, fazia cam­panha con­tra, “tor­cia” para o insucesso da vacina e sab­o­tava tudo que era rela­cionado ao iso­la­mento.

Ape­sar da gravi­dade da situ­ação nos Esta­dos Unidos, Trump tinha razão em manifestar-​se pre­ocu­pado com Brasil.

Essa sem­ana reg­is­tramos a trág­ica marca de 300 mil mor­tos.

No dia que isso acon­te­ceu – final­mente –, as excelên­cias que coman­dam o país acharam que era a hora de se reunirem para tratar de um comitê para acom­pan­har a pan­demia. Assim mesmo, sem ninguém saber como será, deixando de fora os gov­er­nos estad­u­ais e municipais.

Em resumo: con­tin­uam no propósito eleitor­eiro enquanto as famílias são diz­imadas.

O Brasil já é o epi­cen­tro da crise san­itária. Já somos os campeões em número de mortes diárias e em número de con­t­a­m­i­na­dos. Daqui a pouco será a vez de superar os Esta­dos Unidos no número de mor­tos nom­i­nais.

Em quase todos os demais países, graças a ação dos gov­er­nos, já é pos­sível ver­mos uma mel­hora no quadro de com­bate à pan­demia, ape­nas no Brasil a curva de con­tá­gios e mortes con­tinua apon­tada para cima em um ângulo de quase noventa graus, tendo céu como lim­ite.

Os EUA, que antes rival­izava com Brasil no critério descon­t­role da pan­demia, hoje reg­is­tra menos da metade do número de mor­tos que reg­is­tramos aqui; já aplicaram mais de 100 mil­hões de doses de vaci­nas – enquanto por aqui não cheg­amos a 15 mil­hões –, e agora, o pres­i­dente amer­i­cano, Joe Biden, resolveu dobrar a meta: aplicar 200 mil­hões de doses até 30 de abril, quando com­ple­tará 100 dias de gov­erno.

O Brasil assiste a isso como cachorro em porta de gale­te­ria: com água na boca.

Enquanto os irmãos amer­i­canos têm o dobro de vaci­nas sufi­cientes para vacinarem toda a sua pop­u­lação, as vaci­nas, por aqui, estão a conta-​gota, com o maior Sis­tema Único de Saúde do mundo, o nosso SUS, vaci­nando bem aquém de sua real capaci­dade …porque fal­tam vaci­nas.

Aqui e ali, fala-​se em roubo de vaci­nas, con­tra­bando de vaci­nas, desvios de vaci­nas para alguns priv­i­le­gia­dos, fura-​filas.

Pas­saram a crim­i­nalizar algu­mas destas con­du­tas quando, na ver­dade, dev­e­riam ter por crim­i­noso o gov­erno que não se pre­ocupou no tempo certo de prover vaci­nas para os brasileiros.

Era para o gov­erno brasileiro está “cor­rendo” atrás dos cidadãos para vaciná-​los e não cor­rendo atrás do cidadão que desviou ou con­tra­ban­deou uma vacina para ten­tar sal­var sua vida.

Não, não estou defend­endo que se roubem vaci­nas, que furem filas, que façam con­tra­bando. Mas, antes de irem atrás destas pes­soas, dev­e­riam ir atrás dos gov­er­nantes que não “fiz­eram o dever de casa”.

Dizia há quase um ano – e posso con­tin­uar a dizê-​lo –, os gov­er­nantes brasileiros erraram em tudo e além do que podiam errar.

O resul­tado da polit­i­calha rasteira é o sofri­mento de mil­hares de pes­soas, são as mais de 300 mil vidas per­di­das – número que sabe­mos, emb­ora queiramos nos enga­nar, ainda vai crescer muito mais –, são os danos psi­cológi­cos e a exaustão dos profis­sion­ais de saúde que tra­bal­ham sem des­canso todo esse tempo, é o colapso do sis­tema de saúde, público e pri­vado, é angús­tia de toda uma pop­u­lação, que sabe quem será o próx­imo escol­hido nesta roleta-​russa da morte.

É certo que o vírus matou mil­hares de brasileiros, mas out­ros mil­hares foram – e estão sendo –, mor­tos pelas as autori­dades. Por suas ações ou omis­sões.

E algum dia pre­cisamos fazer o ajuste de con­tas com estes respon­sáveis.

Chega a ser ultra­jante que ape­nas um ano após o iní­cio da pan­demia, com a conta dos cidadãos que perderam a vida pas­sado de trezen­tos mil, as autori­dades falem em criar um comitê de crise. Este sim­ples ato diz muito sobre o senso de urgên­cia destas pes­soas.

Onde estava o pres­i­dente da República? Onde estava o Con­gresso Nacional? Onde estava o Poder Judi­ciário?

Lá atrás, quando até o Trump dizia temer pelo o nosso futuro, no iní­cio da pan­demia, não pode­riam ter se reunido? Cri­ado o tal comitê de acom­pan­hamento de crise? Terem feito algo, além de tratarem dos próprios inter­esses, enquanto vidas eram ceifadas?

Desde março do ano pas­sado mor­reram mais de 300 mil brasileiros. Os primeiros 100 mil em 148 dias; os segun­dos 100 mil em 152 dias; os out­ros 100 mil em ape­nas 75 dias. Jus­ta­mente agora, quando as autori­dades – até assistindo o exem­plo de out­ros países –, dev­e­riam saber como pro­ceder, avoluma-​se o número de mor­tos no país, prova cabal de que não apren­deram nada e que são inca­pazes de lidarem com os desafios de gov­ernar.

Quan­tas mil­hares de famílias a mais terão que pran­tearem seus entes queri­dos até que con­sig­amos superar essa pan­demia?

Em um cál­culo matemático sim­ples, con­siderando mil­hões de brasileiros temos que vaci­nar; quan­tas doses de vaci­nas dis­po­mos e o tempo pro­gra­mado para aplicá-​las e a con­dução da pan­demia pelas autori­dades, cheg­amos a con­clusão que ainda temos um longo e doloroso calvário pela frente.

Quando Stálin mor­reu, em 1953, e seus crimes pas­saram a ser rev­e­la­dos, tomamos con­hec­i­mento de todo o hor­ror que foi per­pe­trado con­tra mil­hões de rus­sos, ucra­ni­anos e tan­tos out­ros povos e por isso é figura de destaque na gale­ria dos geno­ci­das mundi­ais, muito emb­ora só tenha sido jul­gado pela história.

O Brasil não pre­cisa aguardar o jul­ga­mento da história para iden­ti­ficar e punir os respon­sáveis pela tragé­dia que vive­mos atual­mente. Tragé­dia que, registre-​se, não tem ape­nas um único cul­pado – assim como não foi Stálin, soz­inho, o respon­sável pela morte de tan­tos seres humanos –, mas diver­sos, por suas ações e omis­sões.

Quem são os cul­pa­dos pela tragé­dia que acomete o Brasil? Quem são os seus cúmplices?

Pre­cisamos criar um nome para especí­fico para “deixar mor­rer por falta de vacinas”.

Abdon Mar­inho é advo­gado.