FALTA CENSO E BOM SENSO A NAÇÃO.
Por Abdon Marinho.
INSTITUÍDO oficialmente em 1870, ainda no tempo do Império do Brasil – o primeiro ocorreu em 1872 –, o censo decenal é a mais importante ferramenta de estudos da população brasileira e o principal instrumento a orientar as políticas públicas e, mesmo, os investimentos privados.
Muito embora nos primeiros anos não tenham ocorrido de forma regular – o primeiro ocorreu em 1872 e o segundo só foi ocorrer em 1900 e, entre aquele ano e 1940, observou-se o intervalo de 20 anos entre os mesmos –, com a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE, em 1938, desde 1940 para cá que tem-se observado o intervalo de dez anos para a realização do censo demográfico nacional.
A exceção a esta regra só ocorreu em 1990, primeiro ano do governo Collor, que só realizou o censo em 1991, e agora, mais de vinte anos depois – o que pode não significar nada, mas, também, pode significar muito.
Eleito em 1989, ao assumir no início do ano seguinte, o senhor Collor promoveu um choque na economia, confiscou os recursos dos cidadãos e empresas depositados em bancos e, gerou, tanta instabilidade na sociedade que não conseguiram realizar o censo, postergando-o para ano de 1991.
O atual governo deveria ter realizado o censo decenal - seguindo a tradição -, em 2020. Veio a pandemia da covid-19, com as regras de isolamento social e distanciamento que serviram como argumento para a não realização do censo demográfico, muito embora as autoridades não tenham achado nada demais a realização das eleições municipais – apenas deslocando a data –, no mesmo ano.
Faltou bom senso, quer dizer que nada tinha demais a realização de eleições municipais, evento que sempre foi marcado por todos tipos de aglomerações, mas o censo, que nada mais é do que os recenseadores irem de casa em casa entrevistar as pessoas, não poderia?
Vê-se que às autoridades brasileiras não faltaram apenas o censo, mas, também, bom senso.
Postergado para esse ano, 2021, e já com o orçamento comprometido, o governo federal, em “conluio” com o Congresso Nacional, simplesmente, entenderam que não é hora de fazer o censo decenal, talvez, ano que vem, coincidindo com o ano das eleições gerais e o bicentenário da Independência do Brasil; talvez, no ano seguinte; talvez nunca mais.
Tudo a depender da voracidade das excelências em relação as verbas públicas.
Se no ano passado, era plausível considerar o adiamento do censo por conta da pandemia – muito embora tenham realizado um evento muito mais aglomerações, as eleições municipais –, a postergação do censo para além deste ano se deu por um motivo bem mais palpável: as excelências da República entenderam que os recursos que deveriam ser gastos com o censo poderiam ser destinados às suas emendas parlamentares.
Com isso perde o país inteiro.
Conforme alertei em textos anteriores, o Brasil vive sob a égide de um novo sistema de governo: “o parlamentarismo irresponsável”.
Parlamentarista porque o Congresso Nacional detém a chave do cofre e a maior fatia do orçamento “livre”.
Irresponsável porque não se interessam pelas macro políticas públicas do país, e sim, pelo micro varejo das verbas.
Nas discussões sobre o atual orçamento tivemos a prova cabal de como tal regime está funcionando e irá funcionar daqui pra frente.
Vimos nos vários meios de comunicação social as notícias de que o governo e o Congresso Nacional haviam chegado a um acordo sobre os vetos e sanção da LDO: iriam cortar daqui e dali, autorizar “um fura teto” acolá, de sorte que as emendas parlamentares impositivas não sofressem cortes, ou se sofressem, fosse o mínimo possível.
Apesar de haverem chegado a um “consenso” ainda se ouviu reclamações de que na divisão do butim uma das casas do parlamento levou vantagem em relação a outra.
O termo “butim”, em qualquer de suas acepções é o mais adequado, porque, na verdade, o Congresso Nacional – e o próprio governo –, têm o Brasil como inimigo. Como tal, para eles, tomar para si os “bens do inimigo” é perfeitamente normal.
Também serve o termo para designar o produto do roubo ou saque.
Não é isso que as excelências vem fazendo com o orçamento da União, nos últimos tempos e que alcançou cifras inimagináveis no atual governo?
Quando li que o governo e o congresso haviam chegado a um acordo para que houvesse a sanção do orçamento, a palavra que me veio à cabeça foi essa: “butim”, chegaram ao consenso de como rateá-lo.
Os efeitos estamos vendo e sentindo: acabou-se com censo decenal; retirou-se verbas da educação; da saúde; da cultura; do meio-ambiente; da ciência, de tudo.
Estamos vivenciando o desmonte de áreas essenciais, de políticas públicas estruturantes para o país e para a humanidade, porque as excelências estão tratando de garantir as verbas públicas para as suas eleições no ano que vem.
No nosso “parlamentarismo irresponsável”, as excelências priorizam as suas emendas parlamentares para construírem a pracinha do povoado; a estrada vicinal, o calçamento de uma rua aqui outra acolá, o recurso “fundo a fundo” para as prefeituras – que não nego, são importantes –, em detrimento dos interesses prioritários da nação.
Como disse, não desconheço a importância das excelências levarem estes benefícios para as bases de atuação – muito embora, digam que façam isso mais por interesses próprios que públicos –, entretanto, tais obras, serviços ou seja lá o que se tenha por nome, não podem vir antes dos interesses do país como nação e do conjunto da sociedade.
Com a adoção do “parlamentarismo irresponsável” no Brasil, o “rabo vem abanando o cachorro, e não o contrário.
Hoje as excelências são responsáveis pela destinação do maior volume de recursos públicos – exceto das rubricas constitucionais –, sem serem responsabilizadas pelos eventuais fracassos do governo.
Ressalto que nada tenho contra o sistema parlamentarista – muito embora tal sistema tenha sido rejeito nas urnas em plebiscito realizado com tal finalidade –, entretanto, se é para adotá-lo que o faça da forma correta, com todos os bônus e ônus atribuídos aos que têm a responsabilidade de gerirem os recursos e os destinos da nação.
O sistema “parlamentarista irresponsável” adotado no Brasil na atual quadra política coloca as excelências no melhor dos mundos, têm a verba mas não a responsabilidade pelo seu destino. Ou seja, vai faltar verba para as diversas políticas públicas e as excelências vão dizer que nada têm com isso, muito embora tenha sido responsáveis pela alocação dos recursos para as suas emendas.
O pior de todo esse enredo é que ninguém diz nada.
Todo espectro da política nacional parece achar normal o que vem acontecendo no Brasil e criando narrativas e cortinas de fumaça com vistas eleições do ano que vem.
Quer me parecer que todos são cúmplices nos descaminhos que vilipendiam e saqueiam a nação.
Ouso acreditar que tamanha falta de bom senso seja o motivo para não quererem o censo.
Abdon Marinho é advogado.