Vista de Recife - PE. Foto de Abdon C. Marinho.
A TRAGÉDIA É IRMÃ DA OMISSÃO E PRIMA DA INCOMPETÊNCIA.
Por Abdon C. Marinho*.
HÁ UMA SEMANA, enquanto o brilho do Carnaval contagiava o país após dois anos sem tal festa devido à pandemia, uma tragédia ocorria no litoral norte de São Paulo e que, até aqui, já contabiliza quase seis dezenas de vidas humanas perdidas.
Um “evento climático extremo” – chuvas torrenciais –, provocou deslizamentos de encostas, levando consigo dezenas, centenas de habitações, soterrando outras tantas e culminando com o número de mortos referidos acima que ainda não é definitivo tendo em vista que diversas pessoas ainda estão desaparecidas.
Como não sou um grande folião, desde o domingo de Carnaval até a quarta-feira de Cinzas alternei a programação de leituras, filmes, escritas e música com o acompanhamento dos noticiários sobre a tragédia.
Dispondo do tempo, enquanto ia acompanhando as notícias, me ocupava em refletir sobre o que a motivou.
Quase todos os anos assistimos os tais “eventos climáticos extremos” – e os cientistas já vêm alertando, e não é de agora, que eles serão cada vez mais frequentes e intensos –, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, já registraram situações climáticas “anormais” nos últimos anos – me referindo apenas aos que lembro de imediato.
Há décadas, desde que surgiram os termos “El Nino” e “La Nina”, que convivemos com secas extremas no nordeste, chuvas intensas no sul e sudeste; se invertendo tais cenários de forma alternada, numa região ou noutra.
Na conferência internacional sobre o clima ocorrida no Brasil há mais de trinta anos, a Rio 92, já se falava quero clima seria cada vez mais determinante para a vida dos humanos no planeta e que precisaríamos adotar inúmeras medidas para minorar os efeitos dos eventos.
O que foi feito? Nada. Ou quase nada significativo.
Como consequência, o “clima” escolhe ano sim e no outro também, algum estado brasileiro para ser “castigado” com alguma tragédia. Em qualquer um deles encontrará as condições propícias para ceifar vidas e causar imensos prejuízos.
Desde sempre sabemos que não podemos controlar o clima, é algo que encontra-se a cima de nossas forças, sabemos, sim como minorar os efeitos que o mesmo provoca do planeta, daí se falar tanto na diminuição do desmatamento, na diminuição da poluição, na redução da produção de gases que provocam o aquecimento global, etc., etc., tanto assim, que desde a Rio 92 que as nações assinam protocolos de intenções – que depois ignoram –, com medidas a serem adotadas por cada um deles visando manter o equilíbrio climático.
Desde sempre também sabemos que é possível, se não eliminar, mitigar ou reduzir os efeitos e a perda de vidas humanas nas tragédias quase anunciadas de todos os anos.
Essa mitigação, redução ou mesmo eliminação da perda de vidas humanas nas tragédias causadas pelos eventos climáticos se dá com a ação de estados e municípios na implementação de políticas públicas que garantam moradias populares em lugares seguros e impeça a ocupação de áreas de risco.
Todos os anos, diante das tragédias, aparecem os cientistas, especialistas ou mesmo autoridades dizendo que as construções que levadas pelas enchentes, que deslizaram ou foram soterradas, estavam em locais indevidos; que precisamos fazer isso ou aquilo para impedir que isso volte acontecer.
Depois que o noticiário “esfria”, parece que ninguém mais lembra do que aconteceu, os investimentos não vêm, as pessoas continuam ocupando de qualquer jeito áreas inseguras e as autoridades de omitindo, como sempre.
Diante dos holofotes, o dinheiro existe, as medidas restritivas serão tomadas “doa a quem doer”, não serão omissos, incompetentes e haverá proatividade, fora dos holofotes, tudo continuará como dantes até a próxima tragédia no verão seguinte.
Como dito no título, as tragédias no Brasil são irmãs das omissões das autoridades federais, estaduais e municipais, que embora sabendo que ela virá mais cedo ou mais tarde, nada fazem.
Agora mesmo, enquanto somos “inundados” pelo noticiário sobre a tragédia no litoral norte de São Paulo quantas ocupações irregulares estão acontecendo em todo país? Milhares.
Aqui mesmo na Ilha do Maranhão, nas rodovias que a cortam e pelas quais passo todos os dias, vejo surgir diversas invasões ou ocupações irregulares de terras.
Há anos venho alertando para o retorno, na Ilha, da chamada “indústria das invasões”, sem que as autoridades se manifestem para impedi-las. Mesmo pessoas que possuem imóveis, estão fingindo que não tem onde morar para construir em propriedades alheias ou privadas.
Muito embora as ocupações irregulares (invasões) representem gastos públicos posteriores para urbanização, implantação de serviços e equipamentos públicos diversos, as autoridades permitem que os litígios judiciais sejam tratados como questões privadas ou seja, se o proprietário pelos próprios meios ou através da justiça não consegue “desinvadir” o imóvel, estaremos diante do surgimento de um “novo bairro”, que certamente levará o nome de um político famoso, “batizado” na esperança de que não serão perturbados.
(Invasão em andamento em Paço do Lumiar - MA. Foto de Abdon C. Marinho).
Consolidada a ocupação e surgido o “bairro” lá vem município e estado para dotá-lo de infraestrutura e até regularizar as posses no mesmo momento em que os “invasores originários” iniciam a venda dos terrenos, sobretudo os mais valorizados, às margens de rodovias ou vias principais.
É assim que funciona há mais 50 anos a “indústria da invasão” que as autoridades fingem não ter qualquer conhecimento.
Com toda tecnologia envolvida na vida das pessoas atualmente, autoridades estaduais e municipais – e mesmo federais –, não conseguem ter um cadastro das famílias ou pessoas que efetivamente não têm onde morar – muito embora todos estejam inscritos nos programas tipo “Bolsa Família” ou Auxílio Emergencial.
Essa falta de controle, de compartilhamento de informações sobre a realidade econômica das famílias é a “prima incompetência” fazendo o seu “trabalho” no favorecimento das tragédias, da desordem urbana, da violência e do caos.
Foge à minha compreensão que as autoridades das três esferas de governo (federal, estaduais e municipais) não consigam fazer um mapeamento das áreas de risco, das pessoas e famílias que efetivamente moram em tais situações por necessidade e não consigam resolver ou pelo menos minorar a situação das mesmas antes das chuvas e das tragédias do próximo verão.
A tragédia não vem sozinha, ela tem uma irmã chamada omissão e tem uma prima chamada incompetência. Enquanto o Brasil não aprender a responsabilizar os que “têm culpa no cartório”, seja por ação, seja por omissão, seja por incompetência, devemos nos conformar e nos preparar para chorar os mortos a cada tragédia – ou sermos indiferentes e “sambar” diante da dor causada pelas mesmas.
Abdon C. Marinho é advogado.