A VITÓRIA E O PRECONCEITO REVERSO.
Por Abdon C. Marinho.
DEPOIS que me inscrevi para disputar a vaga de desembargador no critério do quinto constitucional – nos termos da Constituição um quinto das vagas dos tribunais devem ser destinadas alternadamente aos membros da Advocacia e do Ministério Público –, alguns e queridos amigos têm me abordado com uma indagação:
—Abdon, quais são as “nossas” chances de chegar lá, de lhe termos como desembargador?
A todos – até para evitar falsas esperanças diante da complexidade do processo: primeiro os advogados escolhem 12 (doze); depois o Conselho do OABMA escolhe 06 (seis); aí o TJMA escolhe 03(três); e por fim, o governador escolhe 01(um) –, tenho dito:
— A nossa maior vitória é termos chegado até aqui.
Se algum mais “teimoso” ou curioso argumenta que diversos outros colegas igualmente capazes também chegaram “até aqui”.
Completo a resposta com versão “standard”:
— Pois é, mas dificilmente (ou desconheço) algum fez o mesmo “caminho” que fizemos para chegar onde chegamos.
Concluo dizendo que até esse ponto da caminhada dependeu de nós, já, daqui para frente, depende de outras pessoas: do julgamento dos colegas advogados e das colegas advogadas que, pela primeira vez, terão a oportunidade de escolher livremente quem gostariam de ter como representante no Tribunal de Justiça; do Conselho Estadual; dos membros do próprio tribunal; e do governador.
É o grau de consciência e de conscientização sobre a importância do ato de escolher que fará a diferença. E esse ato já não depende de mim – ou de qualquer outro candidato, mas, sim, dos “eleitores”: advogadas e advogados.
Imagina-se – e essa é a minha real expectativa –, que antes de votar nos candidatos à vaga disponível, esse eleitorado faça uma análise criteriosa da vida de cada um, para escolher aqueles que melhor possa desempenhar a missão que lhe será confiada.
Trata-se de uma escolha importante e, também, uma responsabilidade imensa dos advogados e advogadas, pois, diferente de eleições comuns – de prefeitos, vereadores, deputados, governadores, senadores e até presidente da República –, que se submetem ao julgamento de rotina a cada quatro anos, escolheremos alguém que ditará a justiça de forma vitalícia, por anos, por décadas – muitas décadas, em alguns casos.
Acredito que todas essas questões serão sopesadas na hora da escolha.
Não será um tapinha nas costas, um “happy hour”, um almoço, um jantar ou uma visita que serão determinantes para a escolha do futuro representante da advocacia nos tribunais, mas, sim, o que as e os postulantes fizeram ao longo da vida – pelo menos imagino isso.
Nesse sentido que “contabilizo” como vitória termos chegado até aqui – ainda mais quando lembro que há pouco mais de cinquenta anos, quando fui acometido pela poliomielite, os médicos disseram que não sobreviveria, caso viesse a “escapar”, jamais iria andar –, cinquenta anos depois, sobrevivi, andei, corri pra cima e pra baixo, e, apesar de tudo, sobrevivemos “sem um arranhão” e aqui estamos como candidato a desembargador.
Vez ou outra quando algum me pergunta como estou. Respondo: — escapando. Rsrs.
Essa é a verdadeira vitória. Um filho de agricultores analfabetos, que passou por todas as dificuldades da vida, nunca se deu por vencido e levou uma vida produtiva e respeitável.
Essa postulação tem mostrado isso.
Tenho recebido diversas manifestações de colegas advogados.
Outro dia recebi uma mensagem de apoio emocionada do Dr. Carlos Couto, que muito me ensinou; não faz muito li em um grupo de WhatsApp uma declaração do Dr. Vinicius César de Berrêdo Martins, me colocando entre aqueles colegas que dignificam a advocacia maranhense – registro que na nossa carreira comum de advogados, doutor Vinícius e eu sempre estivemos em lados opostos; doutra feita, há mais tempo, recebi uma declaração do professor doutor José Claúdio Pavão Santana, onde o mesmo dizia sentir orgulho por ter sido seu aluno.
Essas apenas algumas declarações já que as outras, igualmente importantes, por não terem sido dadas em ambiente público ou por não ter sido autorizado, guardo reservas.
São essas coisas que me fazem vitorioso independente do resultado dos vários escrutínios do processo eleitoral para o quinto: a certeza que não me afastei dos meus princípios.
Agora mesmo, sou colocado diante de uma questão.
Como sabem – informei isso no dia –, por ocasião do registro da candidatura ao quinto não estava na cidade. Como decidi ser candidato na undécima hora, deixei com amigos/auxiliares a incumbência de juntar os últimos documentos (certidões de atuação processual e outros documentos), com a orientação de não deixar de juntar nada, bem como, de efetuar o registro já que estaria ocupado em diversos compromissos inadiáveis de trabalho no interior e que a internet, às vezes, sobretudo em períodos de chuva, nos deixa na mão.
Estava em uma reunião na Câmara de Vereadores de Luís Domingues, às 17:30 horas, quando recebo uma ligação da equipe. Do outro lado linha, o amigo Emerson Pinto, que estava coordenando o registro informa: — precisamos de uma fotografia 3x4, para juntar no registro. Outra coisa, tu te declaras, branco, preto ou pardo?
A resposta veio automática, pois desde sempre foi assim que me identifiquei: — Pardo.
E corri para providenciar a dita fotografia. Alguém empurrou-me, numa cadeira de rodízio, para uma parede de fundo branco para que ficasse melhor, tiramos e encaminhamos para o registro. Ato contínuo, seguimos com a reunião e no início da noite anunciava que fizeram o registro de candidatura.
Esqueci do assunto e segui com a “campanha”, normalmente.
Na última semana (terça-feira) recebi da Comissão Eleitoral um edital para comparecer a comissão para identificar-me, bem como, uma intimação sobre uma impugnação da candidatura por haver me declarado pardo.
Não teria qualquer consequência, caso não comparecesse, bem como, a impugnação seria julgada deserta se me RETRATASSE.
Aí surgiu uma questão de princípio e preconceito reverso.
Ora, não me declarei pardo para integrar qualquer cota – muito embora reconheça a importância das ações afirmativas –, no meu tempo não existia essa política, pobres, ricos, pretos, brancos, pardos, indígenas, amarelos ou de qualquer cor, faziam o mesmo vestibular e disputavam as mesmas vagas nos vestibulares da UFMA ou da UEMA.
Quando, no calor do pedido de registro disse que era pardo, o fiz por ser essa uma expressão da verdade.
Meus avós paternos eram negros; meus avós maternos, embora não fossem “brancos”, eram mais claros; logo, meu pai era negro e minha mãe “branca”. E nós, seus filhos, por parte de pai, mãe e parteira, nascemos multicoloridos, uns mais escuros, uns mais claros. Os mais escuros, aliás, até os chamamos de “nego”, o nego Goça, o nego Armando …
Muito embora não tenha tido qualquer intenção de concorrer utilizando cota – se fosse utilizar alguma teria sido em relação a deficiência, pois tal condição e o fato de ter que fazer fisioterapia três vezes na semana por conta da terceira recidiva da doença, têm impedido de viajar em campanha pelo interior e até mesmo de visitar os colegas –, retratar-me para dizer que sou “branco” seria/será negar minha história, minhas origens – e até meus documentos oficiais –, e não posso fazer isso pois tenho orgulho delas.
Ninguém pode se retratar da verdade e das suas origens.
Aliás, quando estudei no Liceu Maranhense, tive uma professora extraordinária, Profª. Maria da Luz, ela lecionava Organização Social e Política Brasileira (OSPB), no Liceu e matéria similar no Santa Tereza, dessa convivência com realidades tão díspares nos doava o melhor que podia.
Essa professora, uma “negra retinta”, como se dizia antigamente, uma autêntica princesa da África, me dizia sempre: — Abdon, teus genes negros são mais acentuados que os meus, branco nenhum tem esse formato de nariz que tens.
Mas essa é apenas uma digressão. Não pretendi de forma alguma concorrer através de cota, mas retratar-me para satisfazer algum tipo de patrulha, negando minhas origens e ancestralidade é algo que não posso aceitar. Não vou negar meus avós, negar os meus pais, negar meus irmãos. Jamais faria isso.
Como disse na defesa, aceitarei a decisão da comissão, mas não posso me retratar da verdade. Não faço isso por uma questão de dignidade e princípio.
Abdon C. Marinho é advogado.