AbdonMarinho - BREVÍSSIMO ENSAIO SOBRE A LIBERDADE DE SE EXPRESSAR.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

BREVÍS­SIMO ENSAIO SOBRE A LIBER­DADE DE SE EXPRESSAR.


BREVÍS­SIMO ENSAIO SOBRE A LIBER­DADE DE SE EXPRES­SAR.

Por Abdon C. Marinho*.

SEM­PRE que escrevo algum texto mais inciso sobre a política local recebo do querido amigo Mar­cony Farias, ex-​deputado estad­ual e um grande con­ta­dor de cau­sos, um “meme” de uma frase céle­bre de autor que descon­heço: “semeia a ver­dade e colha inimi­gos”.

Tal frase/​meme, aliás, dese­d­uca aquilo que apren­demos nas aulas de cate­cismo, pois con­sta da Bíblia cristã: “Aquilo que o homem semear, isso tam­bém cei­fará” (Gl 6:7) ou, em II Corín­tios, 9:6, que diz: “E isto afirmo: aquele que semeia pouco pouco tam­bém cei­fará, e o que semeia com far­tura com abundân­cia tam­bém cei­fará”. Essa é a lei da semeadura bíblica: quem semear o bem col­herá o bem; quem semear o mal col­herá o mal; quem semear pouco col­herá pouco; quem semear muito, muito irá col­her.

Já com meu pai, homem sim­ples de Angi­cos, RN, anal­fa­beto por parte de pai, mãe e parteira, e, por isso mesmo, sem ser letrado ou con­hece­dor da escrit­uras sagradas, dizia com inco­mum sin­ceri­dade: “aquilo que está errado é da conta de todo mundo”.

Fazia tal afir­mação no intu­ito de nos ensi­nar que aquilo que encon­trá­va­mos de errado por onde passá­va­mos dev­eríamos con­ser­tar ou cor­rigi, impedir que algo pior viesse ocor­rer em vir­tude da nossa omis­são; ou, se não nos cabia cor­ri­gir que tomásse­mos a ini­cia­tiva de aler­tar aque­les que pode­riam cor­ri­gir tal falha.

E, citava como exem­plo, imag­ine que você passé por uma das nos­sas “quin­tas” (era assim que chamá­va­mos as divisões da pro­priedade, onde colocá­va­mos os ani­mais) e encon­tre uma cerca romp­ida, você deve procu­rar cor­ri­gir ou chamar quem possa fazê-​lo, de sorte a impedir que os ani­mais fujam ou aden­tre as roças dos viz­in­hos e destruam o seu sus­tento de um ano inteiro, dizia.

Órfão desde muito cedo – de mãe aos cinco e de pai com pouco mais de vinte –, aprendi a respeitar os ensi­na­men­tos dos meus pais e a tê-​los como dog­mas, regras a serem seguidas. Por vezes imag­ino que se fos­sem vivos talvez não respeitassem tanto os ensi­na­men­tos que recebi como os respeito na ausên­cia.

O certo é que me causa pro­fundo incô­modo teste­munhar algo que sei errado ou com o qual dis­cordo e ficar cal­ado, fin­gir que não vi ou, cini­ca­mente, aplaudir.

Essa inqui­etação deixa os ami­gos pre­ocu­pa­dos, sobre­tudo, aque­les que me esti­mam e querem o meu bem ou que seja recon­hecido por fazer algo de útil para a sociedade e não como “inimigo público número um” das autori­dades.

Com tris­teza, sou forçado a recon­hecer que a pre­ocu­pação dos ami­gos tem uma razão de ser e são per­ti­nentes, pois vive­mos tem­pos em que qual­quer um que detenha um frag­mento de poder, por menor que seja, investe-​se nos poderes abso­lutis­tas de Luis XIV, como se fos­sem a própria encar­nação do Estado: “L’État c’est moi”, O Estado sou eu, na frase atribuída ao rei Luís XIV (16381715).

Ao refle­tir sobre tal quadra política, ficamos com a impressão de que o tempo, no aspecto da intol­erân­cia, da falta de respeito a opinião de diver­gente, cam­in­hou em sen­tido con­trário, como se tivésse­mos retor­nado para a Idade Média, ou para outro período da história, de tristes reg­istros em que as pes­soas eram punidas, exi­ladas, queimadas em praça pública pelo crime de dis­cor­dar.

Mas, vejam, esta­mos em pleno século XXI, com as diver­sas tec­nolo­gias ao alcance de todos, com a ciên­cia pro­lon­gando vidas, curando doenças, per­mitindo que o con­hec­i­mento seja amplo, total e irrestrito.

Ape­sar disso, é como se estivésse­mos vivendo numa espé­cie de pen­sa­mento único em que qual­quer um pode sofrer as con­se­quên­cias por dis­cor­dar. Pior que isso, são tem­pos de pes­soas sen­síveis ao extremo, tudo as “melin­dram”; e per­son­alís­ti­cas, pois tudo que se diga ou se opine, mesmo uma coisa sin­gela, “elas” levam para o lado pes­soal.

Outro dia parei para ler o artigo de um arti­c­ulista local, pes­soa que prima por sua imor­tal rep­utação. O que mais me chamou a atenção no texto do intesti­nal de renome não foi o con­teúdo – com o qual con­cordo em grande parte –, mas, sim, o exer­cí­cio que fez seu autor “des­cul­pando” por dizer coisas tão óbvias.

Imag­ino que nem durante o régime de exceção, a longa noite da ditadura mil­i­tar que durou vinte e anos, algo semel­hante acon­te­cia.

O texto do int­elec­tual, assim me pare­ceu, foi posto como a “prova viva” do que pre­tendia expres­sar, ou seja, os males que podem causar as democ­ra­cias, os poderes hegemôni­cos. O mis­sivista, com “mil e um pedido de des­cul­pas” dire­tos, indi­re­tos e/​ou sub­lim­inares no texto, com­pro­vava tais males ou, talvez, o pior deles, o fato de ter que desculpar-​se por expor uma sim­ples ideia.

O MARAN­HÃO, terra de int­elec­tu­ais como Gonçalves Dias, Hum­berto de Cam­pos, Arthur Azevedo, Gomes Cas­tro, Coelho Neto, Silva Maia, Maria Firmina, Josué Mon­tello e tan­tos out­ros, em pleno século XXI, repito, pro­duz int­elec­tu­ais com medo de expor o seu … int­electo.

Esse mesmo estado, berço de tan­tos juris­tas ilus­tres – que me privo de nom­i­nar para não cor­rer o risco de ser injusto –, ao longo da história e que mesmo na atual quadra pos­sui nomes de grande relevo na advo­ca­cia, inclu­sive, alguns deles com assento par­la­men­tar e gozando das imu­nidades con­sti­tu­cionais, não conta com ninguém para fazer o “dis­tingue” entre o certo e o errado e que se expressem de forma clara e con­tun­dente sobre os temas de inter­esse de todos.

Não con­sigo me con­for­mar quando vejo advo­ga­dos, sobre­tudo, bons advo­ga­dos, talvez os mel­hores de uma ger­ação “fin­gindo” que não con­hecem a Con­sti­tu­ição ou, numa análise ainda pior, conhecendo-​a, como sabe­mos que a con­hecem, aqui­escerem em inter­pre­tações tor­tu­osas que não têm qual­quer outra sig­nifi­cado que não seja a burla ao desejo estatuído pelo con­sti­tu­inte orig­inário.

No ano pas­sado, em con­cor­rida solenidade pelo 209 anos do Tri­bunal de Justiça do Maran­hão, viu-​se hom­e­nagea­dos e “medal­ha­dos” repe­tirem como se um mantra fosse, a céle­bre frase de Rui Bar­bosa: “fora da lei não h’a sal­vação”. Mas, o que é a lei para tan­tos que igno­ram as regras legais, o sen­tido das nor­mas, o espírito da ética ou do decoro? O que é a norma diante de um silên­cio tão ensur­de­ce­dor?

O escritor e jor­nal­ista per­nam­bu­cano Nel­son Rodrigues (19121980) dizia que toda una­n­im­i­dade era burra. Antes de rece­ber tal frase como crítica ou agressão dever-​se-​ia bus­car o con­texto histórico do seu sig­nifi­cado. A divergên­cia não é ofensa, tem, prin­ci­pal­mente, o condão de trazer a lume um olhar difer­ente sobre aquilo que para os demais parece óbvio.

Na ane­dota o “rei nu”, foi pre­ciso que a inocên­cia de uma cri­ança fizesse a rev­e­lação daquilo que à vista de todos ninguém que­ria enx­erga, até o brado da cri­ança no meio da mul­ti­dão: — o rei está nu! Todo sabiam, todos estavam vendo. A con­veniên­cia, o medo, a covar­dia calava todos. A ninguém inter­es­sava dizer o estava óbvio: que o rei des­filava nu.

No apogeu Romano o Senado des­ig­nava alguém para repe­tir no ouvido dos imper­adores quando estes saiam nos seus des­files de vitória: “és ape­nas um homem”, “és mor­tal”, ou sen­tenças semel­hantes. Tudo isso para que o poderoso de plan­tão não perdesse a con­sciên­cia sobre a efe­meri­dade do tri­unfo.

Ditosa Roma que pos­suía tal cos­tume. Quem dera por aqui os poderosos tam­bém enten­dessem que razão para ocu­parem o poder é bem servir ao próx­imo deixando legado as futuras ger­ações pois é isso, efe­ti­va­mente, ape­nas isso, que fará a difer­ença para vida das pes­soas e que con­tará no jul­ga­mento da história. O resto não é nada. Somos ape­nas homens; somos mor­tais; logo mais ser­e­mos pó.

A com­preen­são sobre a fini­tude da qual nen­hum se livrará dev­e­ria nortear a ideia – que já foi muito pre­sente no pas­sado –, que mesmo aque­les que à mín­gua de nada terem a deixarem para as ger­ações futuras se pre­ocu­pavam em deixarem um bom exem­plo.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.