ACESSIBILIDADE
- Detalhes
- Criado: Sábado, 06 Junho 2015 12:02
- Escrito por Abdon Marinho
ACESSIBILIDADE.
Outro dia pude constatar, com tristeza, o quanto nós, deficientes, somos intrusos na na nossa própria cidade.
Estava na porta do Tribunal de Justiça do Maranhão, após uma sessão de uma de suas câmaras, quando vi um senhor com as duas pernas amputadas, em uma cadeira de rodas, tentando entrar no prédio da Corte. No inclemente sol das dez e meia, esperou cerca de dez minutos até que alguns de seus acompanhantes se reunissem e, junto com um dos bombeiros que trabalham no tribunal, o fizesse vencer os quatro degraus do pórtico principal.
Soube que pretendia falar com um dos desembargadores.
Refleti sobre o quanto ainda iria sofrer para cumprir seu intento. Grande parte dos gabinetes para serem alcançados necessitam do concurso de escadas, a maior parte, impróprias para a utilização por qualquer portador de deficiência, sobretudo os cadeirantes.
Se o acesso ao hall de entrada carece de uma rampa, o que dizer das outras partes? O prédio não nos permite um acesso digno.
O acesso ao plenário só é feito por escadas. Consigo chegar ao plenário sem maiores dificuldades, entretanto, alguém com um grau um pouco maior de deficiência, não consegue sem ajuda; sem alguém que os carreguem para assistir a uma sessão do tribunal. Para completar, antes da escada, colocaram dois degraus, sem corrimão e com um canteiro entre eles e a parede. Deve ter sido uma crueldade adicional com os deficientes do Maranhão ou para não sujarem a parede ao tentar um apoio para vencer os degraus.
São coisas simples que facilitaria a vida de todos e que as pessoas não dão importância. Tenho certeza que no hall de acesso ao pleno, tanto na parte inferior, quanto na superior, caberia um elevador, assim como tenho certeza que meio metro de corrimão – para ajudar a vencer os dois degraus – não iria quebrar o tribunal. A ampliação de um gabinete, embora tenha «engolido» parte dos degraus nos trouxe um pouco mais de conforto, podemos usar a parede para nos apoiar.
Os leitores devem pensar que toda essa dificuldade de acesso se deve ao fato do prédio do tribunal contar com duas centenas de anos o que dificulta, em muito, qualquer facilitação ao acesso. Tem muito disso também. Mas há, principalmente, falta de sensibilidade dos arquitetos e gestores na execução destas reformas. Não custaria muito colocar uma rampa metálica para o acesso ao prédio ou, se não quisessem alterar a fachada, fazer uma entrada junto ao setor de protocolo ou do outro lado, com um rampa interna. Também, não custaria muito, terem feito a escada de acesso ao plenário no nível do corredor, colocando um elevador junto a mesma.
Se a situação é essa no centenário prédio do tribunal de justiça não pensem que o acesso aos deficientes foi facilitado no prédio novíssimo do fórum da capital. Fui uma vez lá e avisei aos meus sócios: vocês cuidam dos processos em primeiro grau. Na única vez que fui constatarei que as minhas pernas não eram páreo para aquela arquitetura.
Quando encontro algum colega, quase sempre reclamam que não vou ao fórum, respondo que não sou eu que não ir, é o fórum que não me quer por lá.
É tudo muito longe e não há um acesso mais perto dos elevadores para nós deficientes ou para qualquer outro. Para agravar a situação os elevadores são pequenos – capacidade para cinco ou seis pessoas, com uma vaga reservada para o ascensorista –, significando, em dias, de movimento, uma fila de quinze a vinte minutos, no mínimo.
Diria que é um prédio impróprio para as pessoas com dificuldades de locomoção.
Vejam, temos um prédio bonito, luxuoso, caro, porém, inacessível, ao menos como deveria.
Reclamava que os elevadores eram minúsculos – apenas para efeitos de comparação, o prédio da justiça federal, na Areinha, construído há trinta anos, com um fluxo de pessoas bem menor que o fluxo do fórum da capital, possui elevadores com capacidade para doze pessoas e não tem uma vaga ocupada por ascensorista –, quando um colega me disse: quando voltares lá, faça uma visita às escadas, se, Deus nos livre, algum dia ocorrer um incêndio, elas (as escadas) serão responsáveis por algumas mortes. Não sei se com exagero, afirmou-me que as escadas não permitem o tráfego simultâneo de duas pessoas. Duvidei de suas palavras. Não é crível que um prédio com uma circulação de milhares de pessoas/dia não possua escadas capazes de suportar uma evacuação, em caso de emergência, ou mesmo para utilização diária, dizem que está na moda o uso de escadas.
Pois é, triste ao constatar que a cidade que tanto amamos, não aceita nossa existência, não está preparada e não quer que utilizemos seus espaços.
Como exemplo, citei os dois principais prédios da Justiça maranhense, mas os maus exemplos do que não se deve fazer se multiplicam por muitos outros. Certa vez fui a prefeitura, penei para vencer a escada principal. Não sei se já colocaram algum elevador por lá.
Nas poucas vezes que fui a Procuradoria da República, no antigo prédio do centro, sofri para chegar ao segundo pavimento. O prédio possui uma escada muito bonita, mas que é um suplício para ser vencida, principalmente por quem possui qualquer dificuldade de locomoção.
Os exemplos de falta de acessibilidade se multiplicam. São ruas esburacadas, calçadas irregulares, prédios com escadas aterradoras. Acho que os arquitetos e as autoridades do Maranhão devem possuir algum fetiche por escadas. Cada uma mais imponente é desconfortável que a outra. Fico apavorado só em vê-las.
Os órgãos públicos sabedores destas dificuldades poderiam facilitar um pouco a nossa vida, somos cidadãos como quaisquer outros. O fórum poderia colocar um acesso mais próximo para os portadores de necessidades especiais; o TUMA poderia chamar alguém para pequenas correções que tornasse a nossa vida um pouco mais fácil. Se não tem como chegar aos gabinetes que coloquem um gabinete de atendimento com fácil acesso para que os deficientes possam ser atendido, com hora marcada, por qualquer desembargador. Não custaria tanto e não ofenderia a suas excelências atenderem uma pessoa em local que lhe fosse mais acessível ao invés de submetê-la a humilhação que presenciei o cidadão passar, narrada no começo do texto.
Recentemente, depois de anos, fui a UFMA, logo na entrada, a minha primeira visão foi de um prédio em construção com uma escada imponente à frente. Soube que será a nova biblioteca. Já fiquei pensando: será que construirão algum acesso para pessoas, que como eu, amam livros e odeiam escadas?
Abdon Marinho é advogado.
Comentários
Devemos, todos, nos incomodar e exigir acessibilidade aos cadeirantes, aos com visão reduzida ou falta, aos idosos e a toda e qualquer pessoa a apresente de forma reduzida.