SOBRE APREENSÕES DE VEÍCULOS: O EXAGERO DO PRÍNCIPE.
Por Abdon Marinho
COLHO da obra “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel o seguinte: “Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta.”
E arremata: “Deve, sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio.”
Em textos anteriores assentei o quanto era despropositada e exagerada a política de empreendida pelo governo estadual de apreender e leiloar os veículos dos cidadãos – estima-se que cerca de 15 mil foram apreendidos e quase 12 mil leiloados, nos últimos três anos e meio –, na maioria das vezes, o único bem dos cidadãos que vêm enfrentando uma das maiores crises econômicas de todos os tempos, graças, sobretudo, aos equívocos dos governos aliados do atual governo estadual no plano federal.
Foram tantas as apreensões e leilões que arrisquei dizer que se fosse, o governo estadual, uma concessionária de veículo teria sido campeã de vendas recordes nos três anos seguidos.
Ora, ninguém, no mundo real, atrasa as contas por querer ou por serem “foras-da-lei”, como tentou sustentar a propaganda oficial durante muito tempo: de que as apreensões se davam como medida de combate à violência, que os veículos aprendidos eram de marginais e que, portanto, estar-se-ia fazendo um bem maior a sociedade: sua segurança.
O tempo provou que, apesar das apreensões “para combater a violência”, esta (a violência) mantém os mesmos índices desde o início do atual governo, conforme atesta o site G1, apresentando, inclusive, pasmem!, um acréscimo nos anos de 2015 e 2016. Ano passado, 2017, o número de crimes violentos no estado alcançou 1.945 vítimas, o que representa 27,8/100 mil habitantes, o Maranhão tem 7 milhões de habitantes. Apenas para se ter uma ideia, o Estado de São Paulo, com mais de 45 milhões de habitantes, uma população seis vezes superior a nossa, registrou “apenas” 3.892 crimes violentos, o que lhe conferiu uma média de 8,6/100 mil habitantes, a mais baixa do país.
Elementar, caro Watson (a mais famosa frase jamais dita por Sherlock Holmes, personagem imortalizado por Sir Arthur Conan Doyle), salvo algumas exceções, a bandidagem hoje está muito mais profissionalizada, quer passar despercebida, exceto para o cometimento de crimes, seus veículos estão em dias com suas taxas. Assim, o "grosso" das apreensões de veículos deu-se em cima dos cidadãos comuns, operários, trabalhadores que sofrem com a crise, com o preço da gasolina e do gás de cozinha.
São os assalariados que ganham um ou um pouco mais do salário mínimo que não consegue pagar as dívidas de seus veículos pois têm de optar entre pagar e colocar o “de comer” dentro de casa; o que está voltando a cozinhar na lenha pois o botijão de gás consome quase dez por cento do ordenado.
Foram estes os cidadãos que, para trabalhar e fugir do caótico transporte coletivo, fez um cavalar esforço para comprar um “carrinho" ou uma moto em “trocentas" prestações, que atrasou suas obrigações com pagamento das suas taxas e licenciamentos.
Muitos deles, tendo perdido o emprego usavam/usam seus veículos para fazer o, também, reprimido transporte coletivo, atuando como “mototaxistas”ou “uber genérico”. Estas foram as pessoas a quem foi direcionada a politica de apreensões de veículos. E foram elas que, por não poderem resgatar os mesmos, devidos as multas e taxas, perderam seu único bem e meio de sobrevivência.
Outro dia, assisti, com profundo pesar e indignação, a revolta de um proprietário de veículo apreendido no Município de São José de Ribamar. O cidadão tomado por incontida revolta e desespero destruiu todo o seu veículo. Já sabia que uma vez apreendido não teria como resgatá-lo.
São pessoas como aquele companheiro que encontrei no interior em uma de minhas andanças, ainda por meados de 2015, ele me revelou, conforme já narrado aqui, toda a sua revolta com o governo por ter, segundo ele, “acabado” com sua moto na campanha do atual governador e, quando pensava que receberia alguma compensação pelo esforço, “perdeu” a sua moto numa destas blitzes do governo estadual. Perdeu, aliás, em definitivo, pois não teve como quitar o que devia e ela foi a leilão.
O país tem vivido, nos últimos anos, uma das crises mais agudas. Só quem não convive com os cidadãos comuns ignora isso. Diariamente recebo abordagem de jovens, de senhores, senhoras e até pessoas com idade mais avançada, me pedindo uma ajuda, um emprego, uma colocação de trabalho para si ou para alguém seu.
As estatísticas comprovam o que já sabia pelo diálogo permanente com as pessoas: que houve um aumento da miséria no Maranhão. Ela vem de longe e se acentuou nos últimos anos (aguardem texto específico sobre isso).
Pois bem, ao que parece só agora o governo se deu conta desta crise e acena, no assunto específico das apreensões de veículos com uma uma providência já contida no Código Nacional de Trânsito de dar preferência a educação e conscientização dos cidadãos ao invés de apreender e leiloar seus bens sem maiores considerações.
A medida vem com “apenas” três anos e meio de atraso. Essa era uma medida que deveria ter sido implementada no começo do governo. Ao invés de aprender os veículos deveriam, antes de tal medida, ter feito as blitzes educativas e de conscientização. Aquilo que o decreto editado ou a editar prevê "copiando" o que já determina o Código Trânsito Brasileiro - CTB, Lei 9.503. Qualquer um sabe disso: Primeiro se educa, se conscientiza, se é tolerante, para depois aplicar os rigores da lei.
Assisto a tudo isso fico com impressão de que os membros do governo ao invés de lerem “O Príncipe”, Nicolau Maquiavel, leram apenas “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exúpery – sem qualquer embargo, uma obra igualmente magnífica, porém mais afeita às coisas dos sentimentos que da politica. Caso tivessem atentados para a obra do genovês ao invés da obra do francês, teriam percebido que no seu escólio consta o lapidar ensinamento de que o mal deve ser feito de uma só vez enquanto que o bem deve se fazer aos poucos.
Pois é, se passaram três anos e meio, indiferentes ao sofrimento do povo, na aplicação dos rigores da lei, passa a assistir razão aos críticos e opositores, quando agora, às vésperas de uma eleição, na quadra final do mandato, tentam “vender” a ideia que passaram a praticar o bem fazendo cessar as multas, apreensões e leilões, passando a educar e conscientizar.
Em face da edição do decreto da “bondade”, sobram algumas indagações: havia necessidade de apreender e leiloar milhares de veículos dos cidadãos menos favorecidos em tão curto espaço de tempo? Foi oportunizado, sobretudo a este público mais humilde o esgotamento de todas as vias para reaverem seus bens? Qual “vantagem" auferiu o estado com tais medidas? Como ficam aqueles que perderam, na maioria das vezes, seu único bem?
Ainda que não seja essa a intenção fica parecendo uma medida eleitoreira na intenção de captar os votos da patuleia.
Abdon Marinho é advogado.