CAFETEIRA E SARNEY: O QUE DEIXARAM DE DIZER.
Por Abdon Marinho.
EXTINTO o ex-governador Epitácio Afonso Pereira Cafeteira, às vésperas de completar seu 94º aniversário, no último 13 de maio, não foram poucas as manifestações que recebeu dos amigos sinceros e dos oportunistas – sempre presentes nestas horas na expectativa de retirar alguma vantagem das exéquias fúnebres.
Em se tratando do Maranhão, como não poderia deixar de acontecer, a visão da morte e do morto é retratada conforme o interesse do freguês ou o lado politico do autor da peroração: se contra ou a favor de Sarney.
O apreço aos fatos, a verdade e a história pouco interessa.
O próprio ex-presidente embarcou nesta visão dicotômica das coisas.
Ao fazer um belo texto de elogio ao morto – como convém as boas regras de convivência –, fê-lo não apenas ocultado os defeitos do morto, até porque os mortos não têm defeitos, mas, sobretudo, ocultando os seus próprios defeitos e a sua participação na história.
E, assim agindo, deixou de colher o mais delicioso dos frutos: o reconhecimento. Este é o defeito da história contada em fatias conforme as conveniências dos contadores.
O ex-presidente traz a luz os primeiros anos na política de ambos: Cafeteira e a sua e, após considerações diversas sobre as várias eleições, encerra por colocar, com justiça, o morto no panteão dos grandes políticos maranhenses, como Clodomir Millet, Alexandre Costa, La Rocque, Neiva Moreira, Odylo Costa, filho, Manuel Gomes, Nunes Freire, Luís Rocha, Alarico Pacheco, Lino Machado, Genésio Rêgo, Clodomir Cardoso, Satu Belo e tantos outros, a quem, nas suas palavras, o tempo, também, consumiu.
Em tom saudoso exalta a velha politica de um tempo em que o ódio e as perseguições ainda não consumira as relações. Seria uma alusão aos dias atuais?
Com o igual propósito de homenagear o ex-governador, no dia seguinte à publicação do texto de Sarney, foi a vez do Jornal Pequeno, em matéria do não menos competente jornalista Manoel Santos Neto, trazer a luz um dos episódios mais nefastos da história politica do Maranhão: o Caso Reis Pacheco.
O jornalista desnuda a trama articulada pelo ex-presidente e senador da República José Sarney, para incriminar o senador Cafeteira com uma denúncia falsa no Supremo Tribunal Federal - STF, onde um falso irmão, de um falso morto, apontando-o como o responsável pela morte de “Reis Pacheco” que, anos antes teria se envolvido num acidente de trânsito que vitimou seu sogro, o conselheiro Hilton Rodrigues.
A trama tem as indeléveis digitais do ex-presidente que uma semana antes do segundo turno das eleições de 1994, em 06 de novembro, escreveu o famoso artigo “Liberdade e Reis Pacheco” –que pode ser lido na edição do Jornal Pequeno –, onde questiona o slogan da campanha de Cafeteira: Liberdade. Dizendo que o candidato queria a liberdade para expulsá-lo do Maranhão, promover desvios. E vai além, com a insinuação enviesada de que Cafeteira teria feito “sumir” com Reis Pacheco.
Naqueles últimos dias de campanha os coordenadores tendo Aderson Lago, candidato a deputado e Juarez Medeiros, candidato a vice-governador na chapa de Cafeteira, tiveram que se desdobrar entre São Luís, Belém e Macapá, para encontrar o falso morto e desmanchar a maior história de fraude da política maranhense, na qual se ignorou todos os limites, até então conhecidos.
Quando conseguiram apurar e comprovar toda armação só restava o último programa de propaganda eleitoral.
No dia de sua veiculação, passando a limpo toda história, só tínhamos a notícia de que emissora de televisão responsável saíra do ar em diversos lugares, noutros foi a energia que faltou. Naquela noite, e no dia seguinte, choveram os telefonemas informando isso. Lembrando que não haviam celulares, a internet engatinhava, nem se usava ainda. A comunicação era toda através do rádio, televisão e telefones fixos.
Além do resgate do assunto feito pelo Jornal Pequeno na edição já referida, um outro documento é imprescindível para a compreensão do assunto: o memorável discurso feito pelo deputado estadual Juarez Medeiros, na Assembléia Legislativa do Maranhão.
O discurso apelidado de “Sarney é Marginal”, onde o deputado diz ser o senador e ex-presidente um marginal, no sentido de, à margem da lei, ter sido capaz de urdir uma trama que nem os mais renomados escritores e cineastas tinham ousado no campo ficcional e ele colocara em prática.
Muito antes da modernidade ter nos trazido o conceito do que hoje se chama “fake News”, um quarto de século antes, um ex-presidente, escritor, senador da República, não apenas o conhecia como já o exercitava com invejável desenvoltura e falta de pudor.
Poder-se-ia dizer que o ex-presidente é uma espécie de bisavô das tais “fake News”, tão em voga nos nossos dias.
Uma mácula, mas, bem mais do que isso, parte da história política do estado.
Entretanto a história de Cafeteira e de Sarney não pode ser examinada apenas tendo como referência o narrado pelo ex-presidente em seu artigo-homenagem ou tendo com referência o resgate feito pelo jornalista Manoel Santos Neto, do Jornal Pequeno, ela é bem maior.
Precisa considerar as condições políticas do Brasil que permitiu a união dos dois nas eleições de 1986, aquela que na visão de Aderson Lago, foi a melhor campanha da qual participou, um verdadeiro “passeio”, onde tudo se tinha com abundância e a tempo; ou as condições em que ocorreu a ruptura em 1990.
Lembro que quando trabalhava na campanha de 1994, mais de uma vez ouvi Cafeteira dizer que cumprira com o compromisso que assumira em 1986. E acrescentava: — eu, com mais de oitenta por cento de aprovação popular, estava lá, na descida da rampa do Palácio do Planalto, com Sarney, que tinha mais oitenta por cento de rejeição.
Depois da eleição de 1998, não lembro de ter encontrado muito com o ex-senador Cafeteira, sabia dele, apenas através de amigos comuns, como Chico Branco, Aderson Lago, Benedito Terceiro e outros.
Não participei ou soube como se deu a aproximação entre Cafeteira e Sarney nas eleições de 2006, quando elegeu-se Senador na chapa da ex-adversária de duas campanhas, Roseana Sarney.
Voltei a encontrá-lo quando me procurou para patrocinar sua defesa na Justiça Eleitoral.
Os que queriam tomar-lhe o mandato, pelo que recordo, alegavam que ele não gastara quase nada para eleger-se, que o volume de recursos despendidos eram incompatíveis com o volume de votos obtidos.
Só não conhecendo o velho Cafifa, nem aquilo tinha gastado, fizera a campanha inteira na “carona” da campanha majoritária de governador.
O engraçado é que naquela eleição trabalhei no grupo oposto ao que Cafeteira se encontrava, no primeiro turno na campanha de Aderson e no segundo turno, dando alguma assistência a campanha de Jackson Lago, que veio a ganhar a eleição, além de prestar alguma assessoria ao governador de então, José Reinaldo Tavares.
Apesar disso, um dia, pela manhã, recebo uma ligação de Chico Branco: — Estou indo aí com o chefe. Ele quer falar contigo.
Era para que assumisse a sua defesa.
Em princípio não entendi bem. Eu estava “do outro lado”. Com ele, com Sarney, Roseana, estavam uma infinidade de advogados de brilhantismo inquestionável. Até me perguntei a razão de me escolher.
Quando chegou, desfez-se a dúvida, disse-me, com todas as letras: — meu filho, eu confio em você para me defender.
Já sabia o assunto é o que dizer ficamos conversando e trocando ideias sobre vários assuntos. Não lhe perguntei porque tinha ido para o lado do ex-presidente Sarney.
Entretanto, entre uma conversa ou outra, acabou por dizer que estava bem com o grupo do ex-presidente e que resolvera esquecer e perdoar as coisas que aconteceram no passado.
Não me recordo se nesta ou noutra oportunidade, contou-me que agradecia a Sarney por ter sido solidário a ele por conta de uma enfermidade sofrera. Disse algo, mais ou menos, com estas palavras: — meu filho, eu estava morrendo, encontrava-me nu, enrolado com um lençol, sobre uma maca de hospital e o Sarney apareceu lá para segurar minha mão.
Não sei se nos últimos anos o ex-senador mantinha o mesmo nível de relação em relação ao ex-presidente – com o fim do processo e agravamento do seu quadro de saúde, perdemos o contato –, mas naquele momento em que esteve comigo, seu sentimento era de amizade e reconhecimento.
Este, também, é um fato para a história.
Ambos os missivistas, o próprio Sarney e o jornalista do Órgão das Multidões, talvez por ignorar ou por conveniência, abordaram apenas fragmentos de uma história bem mais ampla.
Abdon Marinho é advogado.