PRESSÃO SOBRE A IMPRENSA É ATENTADO À LIBERDADE E A DEMOCRACIA.
Por Abdon Marinho.
ASSUSTOU-ME a informação de um único veículo de comunicação já responde a 18 ações, nas várias áreas, movidas, ou pelo governador Flávio Dino ou pelo governo que representa. Fiquei mais assustado, ainda, ao saber que além das ações movidas contra a empresa, no caso a Gráfica Escolar que edita o Jornal “O Estado do Maranhão”, uma empresa sólida e organizada, que possui um corpo jurídico competente próprio, a “fúria” policialesca intimidatória alcança, também, diversos cidadãos que exercem a profissão de jornalista e/ou blogueiros que, sem firma e corpo jurídico próprio, têm que se defenderem pessoalmente arcando com as despesas com advogados.
Após tomar conhecimento da matéria de “O Estado do Maranhão” e do repúdio da entidade que representa os meios de comunicação, falei com um jornalista/blogueiro sobre o quanto aquilo me escandalizava, ao que ele, prontamente, retrucou: — Doutor, eu sozinho respondo quase isso.
Tendo por base esta afirmativa, há de se cogitar estarmos falando de mais de uma centena de ações contra a liberdade de imprensa ou de opinião.
Ainda que fosse uma, sem motivação, estaria a revelar um comportamento incompatível com os ideais democráticos.
Não consigo entender o objetivo de tamanha perseguição à imprensa e/ou jornalistas/blogueiros, pois, estou certo, tantas ações têm o propósito, não apenas de estrangular financeiramente empresas e jornalistas, como também, além de lhes tirar o tempo necessário ao desempenho de suas atribuições, intimidar para que não denunciem o que entendem como errado.
Além, claro, do caráter intimidatório, referido acima, foge à minha compreensão este modelo de politica repressiva, sobretudo, oriunda de um governo que tenta passar à opinião pública brasileira (não apenas maranhense) uma perfeita sintonia com a modernidade.
Ainda mais, porque não há razão para se implantar um modelo repressivo como se ainda estivéssemos no século passado.
Senão, vejamos: o governo dispõe – e disponibiliza –, uma pequena fortuna para “vender” seu peixe, onde aquela que deveria ser a propaganda institucional, em muito – ou em quase tudo –, se assemelha à propaganda de cunho politico e eleitoral.
Sabe-se, ainda, que uma outra pequena fortuna é destinada apenas para cuidar da imagem do governador por uma empresa do centro-sul do país. E, por fim, mais recentemente, tomamos conhecimento de um contrato próximo da casa de milhão apenas para administrar, operar e difundir propaganda positiva do governo nas redes sociais, precisamente através do WhatsApp.
Além de tudo acima existe uma “rede” de jornalistas/blogueiros remunerados – ou por “convencimento” ideológico –, que passam dias e noites trabalhando no sentido de enaltecer o atual governador e a desmerecer os seus adversários, muitas das vezes sem se preocuparem com fato de estarem divulgando fatos verdadeiros ou mentirosos o que, nos dias de hoje, passou a chamar-se de "fakes news".
Isso, sem contar os funcionários do estado, dentre os quais o governador, que “gastam” muito do tempo que contribuintes pagam para cuidarem dos interesses da população se promovendo ou, quando não, divulgando ou reproduzindo mentiras nas redes sociais.
Não faz muito vi numa rede do próprio governador a difusão de uma deslavada mentira: que o grupo adversário – e ele cita os nomes das famílias – estaria contra a construção de uma ponte ligando dois municípios da Baixada Maranhense.
A motivação da “fake news”, porque um dos partidos que lhe faz oposição reclamou do uso eleitoral da obra, ou seja, que até o transporte do material estava sendo usado como outdoor gigantes pelas vias do estado num claro favorecimento e desequilíbrio do pleito.
Ora, onde estar a verdade de que tal reclamação – ou outras de igual sentido –, tem o condão de impedir ou obstar a realização desta ou de qualquer outra obra?
Trata-se, por óbvio de uma mentira deslavada, que é reproduzida por toda mídia aliada e pelos aduladores de plantão que não se preocupam com a veracidade do que divulgam. Chega a ser espantoso.
E, o mais grave, uma mentira que tem origem na rede social do próprio governador, do mandatário maior do estado. Vamos combinar: não fica bem, é coisa de “menino do buchão” – e, sabe-se só a última parte da sentença é verdadeira.
Os cidadãos de bem, temos o dever moral de protestar contra este tipo de comportamento da parte do senhor governador que é “nosso funcionário”, seja por não ficar bem a difusão de mentiras por quem quer que seja; seja pela dignidade do cargo que ocupa.
Assim como temos o dever de nos colocarmos contra a insidiosa e abusiva campanha intimidatória posta em prática contra os veículos de comunicação jornalistas/blogueiros independentes e/ou qualquer cidadão que exponha seus pontos de vistas, mantida ou não, com recursos públicos, mas, de qualquer modo, com claro abuso de poder politico.
Não é razoável que um governador de estado, secretários e o próprio ente Estado travem uma especie de. “Cruzada” contra todas as opiniões que lhes são contrárias, quando possuem recursos – inclusive públicos –, e meios suficientes para fazer difundir seu trabalho para a sociedade.
Não há necessidade de se valer da intimidação e da difusão de informações falsas.
Além de ser antiético, incorreto e imoral como meu pai já dizia: é feio. E fica mais feio quando se sabe o atual governo foi eleito com a promessa de novas práticas, uma nova era de paz, respeito, liberdade e democracia. Algo totalmente diferente do que se criticava no governo anterior.
Mas, diante de tudo isso que estamos assistindo, não temos como nos furtar a fazer um paralelo entre as atuais práticas e o que se assistiu em gestões anteriores, e forçoso reconhecer que nunca chegamos nem perto de tantas práticas nefastas.
O grupo Sarney a quem se atribui o poder de mando no estado por quase cinco décadas promoveu ações contra a imprensa e contra jornalistas, como por exemplo as propostas contra o Jornal Pequeno e seus jornalistas e editores ou contra o Jornal “O Estadão” – sob censura por conta de uma ação há quase uma década –, entretanto, arrisco dizer, nestas décadas todas o número das ações propostas é inferior ao número de ações propostas pelos atuais donatários do poder em apenas três anos e meio de poder.
Noutras palavras, o grupo Sarney, representante do que se habituou chamar de a derradeira oligarquia nordestina em comparação com o “novo” e “moderno” governo, revelou-se infinitamente mais tolerante à liberdade de expressão, às críticas e ao dissenso que deve existir e coexistir em toda sociedade plural. E, temos que reconhecer, governaram sob severas críticas de opositores e da imprensa.
A própria ex-governadora Roseana Sarney, que comandou o estado por quase uma década e meia, sob ásperas críticas que, muitas das vezes, invadiram sua vida pessoal, não registramos – pelo menos não é do meu conhecimento –, ações cíveis e penais, como as que vemos hoje, tendentes a calar e a amordaçar veículos de comunicação e jornalistas.
Não tenho dúvidas que o abuso consistente na propositura de tantas ações judiciais contra jornalistas/blogueiros e contra os meios de comunicação ferem Constituição Federal e, certamente, serão censuradas pela justiça, seja nas instâncias ordinárias, seja nas instâncias superiores.
O direito à liberdade de imprensa e expressão, aliás, são assuntos pacificados na nossa Suprema Corte.
Por ocasião de um seminário sobre os 30 anos da Constituição e a liberdade de imprensa, a presidente do STF pontificou, dentre outras coisas: “— Sem a imprensa livre, a Justiça não funciona bem, o Estado não funciona bem”, "todo censor é um pequeno ditador" e, ainda: “— Quem não tem direito livre à própria liberdade de expressão não tem garantia de qualquer outro direito, porque palavra é a expressão da sua alma, do seu pensamento”.
Especialmente neste tema, o posicionamento da presidente da Corte foi referendado por todos os ministros que a compõe, conforme demostrado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4451, movida pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) questionava a inconstitucionalidade de dispositivos da lei 9.504, de 1997, que impedem as emissoras de rádio e televisão de fazer trucagem, montagem ou sátiras com candidatos durante o período eleitoral.
No julgamento, por unanimidade, o STF decidiu pela inconstitucionalidade dos trechos da lei que proibia a sátira aos candidatos, assentando os ministros: "Entendo que nos dispositivos impugnados está presente o traço marcante da censura prévia, com seu caráter preventivo e abstrato. [...] Quem não quer ser criticado, que não quer ser satirizado, fica em casa, não seja candidato". – Alexandre de Moraes; "Faço 'discrimen' entre liberdade de expressão e propaganda eleitoral sabidamente inverídica e que causa dano irreparável aos players. Se o voto deve ser livre, não podemos chancelar notícias sabidamente inverídicas, que viralizam em tempo recorde, sob o pálio da liberdade de expressão" – Luiz Fux; por sua vez, o ministro Celso de Mello afirmou: "O riso e humor expressões de estímulo à prática consciente da cidadania e ao livre exercício da participação política. O riso e o humor são transformadores, são renovadores, são saudavelmente subversivos, são esclarecedores, são reveladores. É por isso que são temidos pelos detentores do poder". O ministro Gilmar Mendes, concordando com decano, assentou: "Muitas reprodutoras de televisão nos estados estão em mãos de famílias de políticos. Certamente tem um direcionamento e pode ocorrer. Ou que uma orientação editorial leve a fazer um noticiário massivamente contra um determinado candidato. Aqui há o bom e fundamental direito de resposta”.
São posições contundentes que traduzem, per se, a reprovação ao que vem ocorrendo no Maranhão, onde os dirigentes do estado, a começar pela mais alta autoridade, tenta calar a imprensa e a crítica lícita e, ao mesmo tempo, se ocupa em produzir e a difundir informações falsas contra seus opositores reais ou imaginários.
Abdon Marinho é advogado.